A Copa de 2014 tem a maior média de gols desde 1970 e bate recordes de audiência em todo país que é transmitida, motivos suficientes para satisfazer quaisquer patrocinadores, certo? Patrick Nally, “pai do marketing esportivo moderno”, discorda. Falta cuidado com a imagem do evento, uma responsabilidade que, além da Fifa, compete às empresas que investem nele.
“O mundo mudou significativamente”, diz o britânico em entrevista à Máquina do Esporte. “A reputação hoje é o que há de mais importante para qualquer companhia. A reputação é mais importante do que exposição, e isso está sendo questionado quando se fala no legado que o Brasil não vai ter, na integridade da escolha do Qatar para 2022, na Rússia, em acusações de doping, manipulação de resultados e até mordidas. A imagem da Copa precisa melhorar”.
E aí fica a pergunta: de quem é esta responsabilidade? Da Fifa, evidentemente, mas o órgão, por razões políticas, não aparenta que vá fazer mudanças na gestão do evento. Do governo e do povo russos, talvez? Amarrados por imposições da dona do show e por problemas internos, tampouco têm grande poder de transformação. Patrocinadores, sim, segundo o consultor, podem e devem zelar pela imagem Copa. “Todos os envolvidos têm de proteger o ativo”.
Foi Nally quem, em 1978, criou todo o plano de marketing da Fifa para a Copa. Ele foi convidado por João Havelange, brasileiro que presidia a entidade, para montar um plano comercial para fazê-lo ganhar algum dinheiro com patrocínios. Nesta semana, o executivo esteve presente no Brasil para participar de um seminário promovido pela Fundação Getúlio Vargas e pelo Fifa Master Alumni. O objetivo foi fazer um balanço do Mundial realizado no país.
A West Nally, empresa que havia montado com o ex-comentarista esportivo Peter West, tinha como cliente a Coca-Cola. O britânico intermediou o negócio, a empresa se tornou patrocinadora da edição da Argentina, e ele gerenciou as propriedades comerciais. Havia uma sinergia, porque tanto a marca de refrigerantes quanto a entidade pretendiam expandir a atuação para o mundo inteiro. Foi a primeira Copa estruturada do ponto de vista de marketing e patrocínios.
Brasil: “grande oportunidade perdida”
Os muitos gols fizeram da Copa brasileira um espetáculo muito mais interessante do que foram as edições passadas na África do Sul, Alemanha e Coreia do Sul e Japão. Não houve o caos generalizado que pessimistas previam em aeroportos e estádios. Provavelmente por uma combinação desses dois aspectos, as críticas ao Mundial de 2014 foram bastante reduzidas, inclusive na imprensa estrangeira. Ainda assim, Nally vê uma “grande oportunidade perdida”.
Faltou, na avaliação de Nally, um plano diretor que prevesse claramente deveres e legados de cada parte envolvida no evento, entre Fifa, governo brasileiro e empresas parceiras. “Não dá para planejar uma Copa sem pensar no impacto que ela terá na população do país-sede. No Brasil, o Mundial vai vir, tomar tudo e ir embora sem deixar legados reais”.
Mais patrocinadores? Um erro
Um dos modos que a Fifa encontrou para ganhar mais dinheiro no Brasil foi abrir cotas locais de patrocínio. Há três níveis para patrocinadores: parceiros globais, patrocinadores da Copa de 2014 e apoiadores nacionais. Entraram nesta última modalidade Itaú, Garoto, Wise Up, Apex Brasil e Liberty Seguros. Foi esta novidade que possibilitou à entidade faturar US$ 1,1 bilhão com marketing ligado à Copa entre 2011 e 2014, mais do que o US$ 1 bilhão que havia faturado com os quatro anos de África do Sul, de 2007 a 2010. Nally diz haver um erro aí.
“Eles estão espremendo o limão para conseguir dinheiro de todo lado, mas podem estragar a relação que têm com os principais parceiros”, opina o consultor. Ele se refere a Coca-Cola, Visa, Sony, Emirates, Hyundai-Kia e Adidas, empresas que fazem os aportes mais caros. “Elas pagam um alto preço para ter uma relação exclusiva, mas as pessoas já não sabem mais quais marcas são patrocinadoras, porque há intervenções para todo lado. É hora de repensar o modelo”.