Nos últimos dias viralizou nas redes sociais memes brincando com o fato de o Japão ter vencido o Brasil em várias competições dos Jogos Olímpicos de Paris 2024. Foram derrotas doídas como no futebol e rugby 7 femininos, skate street e judô (masculino e feminino) e até no surfe masculino.
O Japão chegou a liderar o quadro geral de medalhas e, na tarde dessa quarta-feira (31), ocupa o terceiro lugar na classificação dos Jogos, atrás apenas de China (não por coincidência, outro país que organizou as Olimpíadas recentemente) e dos donos da casa.
Mas o que explica esse fenômeno japonês que assola as quadras, campos, ondas e tatames nos primeiros dias de Paris 2024? A resposta para isso pode ser o fato de ter sido sede das Olimpíadas anteriores, em Tóquio 2020.
Quem se torna país-sede não quer fazer feio na competição. Por isso, além de investimentos maciços em construção e reforma de arenas esportivas, há mais verba direcionada para o esporte nos anos anteriores ao evento. Isso favorece a delegação do país a ter uma melhor preparação, contar com treinadores de ponta e viajar para o exterior para aprimorar seu nível técnico participando das principais competições pré-olímpicas.
País-sede
Mas como isso se reflete na história das Olimpíadas da Era Moderna, ressurgidas em Atenas 1896? Nas 30 edições realizadas dos Jogos de Verão, o país-sede ficou, em média, na quinta posição no quadro geral de medalhas.
Em apenas uma oportunidade, no Canadá 1976, o anfitrião não ocupou um lugar no top 15. Até o Brasil, sem muita tradição em Olimpíads, foi 13º lugar no Rio 2016.
Quem é país-sede ganha em média 13% dos ouros e 11% das medalhas em disputa, o que deve favorecer a França a conseguir uma campanha histórica em Paris 2024, cem anos depois de sediar as Olimpíadas de Verão pela última vez.
Mas, na história olímpica, há pontos fora da curva. Nas primeiras edições dos Jogos Olímpicos, o fator casa favorecia muito mais os atletas. Nem todos os melhores esportistas do mundo viajavam, o intercâmbio era mais complicado nas primeiras edições do evento e muitas vezes quem abrigava a competição ainda era favorecido por boicotes políticos, como os que assolaram Moscou 1980 e Los Angeles 1984.
Assim, os EUA ganharam um recorde de 78% dos ouros e 83% das medalhas em disputa em St. Louis 1904, marca que jamais deve ser superada. Em tempos mais recentes, a ex-URSS ficou com 39% dos ouros e 31% dos pódios em 1980. Os EUA responderam, quatro anos depois, obtendo 37% dos ouros e 25% das medalhas.
Era contemporânea
Com o gigantismo que os Jogos foram se tornando a partir dos anos 2000, a competição acabou se concentrando praticamente só em países desenvolvidos, com bons indicadores econômicos, infraestrutura urbana consolidada e quase, consequentemente a isso, potências olímpicas. Foram os casos de Sydney 2000, Pequim 2008, Londres 2012, Tóquio 2020 e Paris 2024. E que voltarão a ocorrer em Los Angeles 2028 e Brisbane 2032.
As exceções vieram em Atenas 2004, praticamente um tributo à Grécia, criadora dos Jogos da Antiguidade, que nitidamente teve extrema dificuldade econômica para voltar a organizar o evento, e em uma nação emergente, como o Brasil no Rio 2016.
E a realidade pós-olímpica favoreceu quase todos esses países nos Jogos seguintes, como beneficia o Japão em Paris 2024. Se pegarmos o histórico desde Sydney 2000 teremos um parâmetro comparativo melhor, já que evitamos casos excepcionais do passado.
Atualmente há grande intercâmbio esportivo, os melhores atletas viajam para competir nas Olimpíadas e boicotes políticos ficaram no passado. A exceção são as sanções impostas a atletas russos e bielorrusos por conta da Guerra da Ucrânia. A Rússia também sofre punições por problemas relacionados à luta contra o doping.
França e Japão
Há outro fator que limita que os anfitriões conquistem um percentual de medalhas como aconteceu em 1904, por exemplo. O programa olímpico atual abarca muitas modalidades e ninguém, nem mesmo os Estados Unidos, consegue ser competitivo em tudo.
Assim, numa era mais contemporânea, uma campanha espetacular como a da China em Pequim 2008, garante a liderança do quadro de medalhas e a conquista de 16% dos ouros e 12% dos pódios. Mesmo assim, números bem inferiores ao que conseguiram soviéticos em 1980 e norte-americanos em 1984, por exemplo.
Com um parâmetro de comparação mais próximo da realidade atual, contando a partir de Sydney 2000, é possível pensar em boas perspectivas para a França, o país-sede, o Japão, que faz sua primeira campanha pós-olímpica, e até para o Brasil.
Desde 2000, quem é sede conquista 7% dos ouros e 5% das medalhas em disputa, números espetaculares, considerando que Paris 2024 deve distribuir 329 ouros e 1.041 medalhas no total.
Esses números podem ter pequenas variações no caso de alguma competição terminar com um inesperado empate, como no salto em altura masculino em Tóquio 2020, que teve dois medalhistas de ouro (o italiano Gianmarco Tamberi e o qatari Mutaz Barshim).
Nessa perspectiva, é esperado que os franceses ganhem 23 ouros e 52 medalhas. Em Tóquio, a França levou para casa 10 títulos olímpicos e subiu 33 vezes ao pódio. Em Paris, os anfitrições já subiram no alto do pódio 8 vezes e ganharam, até a tarde desta quarta-feira (31), 26 medalhas.
Pós-Olimpíadas
Mas e para quem sediou a última edição dos Jogos? Quais são as perspectivas? Também são boas, embora a campanha costume ser um pouco inferior ao da edição anterior. Na história, os ex-anfitriões costumam ganhar 5% dos ouros e 5% das medalhas nos Jogos seguintes.
Se nosso corte for a partir de 2000, esse número surpreendentemente não varia muito. Os antigos países-sede levam 5% dos títulos e ocupam 4% dos lugares do pódio.
Em números, se a média for mantida, é esperado que japoneses ganhem 16,5 ouros e 41,6 medalhas (considerando o histórico a partir de Sydney 2000). Se contarmos a média desde 1896, o Japão leva os mesmos 16,5 ouros mas tem a perpectiva de subir ao pódio 52 vezes.
Brasil e Reino Unido
O legado olímpico, porém, tem surpreendido nas últimas edições. Campanhas históricas fizeram o Team GB no Rio 2016 e o Time Brasil em Tóquio 2020. Até hoje foram as únicas delegações a ganhar ainda mais medalha na edição seguinte em que foi sede dos Jogos.
Os britânicos levaram 67 medalhas para o Reino Unido após competir no Brasil, há 8 anos. Em casa, foram 65 comendas, embora tenham ganhado 29 ouros em Londres e 27 no Rio.
O Time Brasil, por sua vez, foi ainda melhor, com 7 ouros e 21 medalhas no Japão, há três anos, contra 7 ouros e 19 pódios em casa, em 2016. Se fomos 13º no quadro geral de medalhas no Rio 2016, subimos uma posição, atingindo o 12º lugar em Tóquio 2020.
Novas modalidades ajudaram bastante o Time Brasil a atingir esse resultado histórico: 19% das medalhas vieram no surfe e no skate, que estrearam no Japão (1 ouro e 3 pratas).
Classificação
E quanto à posição no quadro geral de medalhas? O antigo país-sede termina, em média na 10ª posição na edição seguinte dos Jogos. Se fizermos nosso corte a partir de Sydney 2000, esse desempenho cai um pouco: 14º lugar.
Mas aqui temos a Grécia como caso à parte. Os gregos foram de 6 ouros em Atenas 2004 para nenhum em Pequim 2008. Os 16 pódios em casa caíram para só 3 na China, quatro anos depois. Com isso, a delegação foi do 15º lugar no quadro de medalhas competindo em casa para um vergonhoso 60º na China.
A explicação para isso é que a Grécia estava falida, assolada por grave crise econômica em 2008, e isso refletiu na delegação.
Se tirarmos a Grécia desse levantamento dos Jogos contemporâneos (2000-2024), os números pós-olímpicos são bem melhores. O país-sede ocupa em média a 4ª posição quando compete em casa e cai para o 5º lugar nas Olimpíadas seguintes.
O Japão em 2024 só prova esse histórico ao mostrar que, se organizar uma Olimpíada em casa implica investimento considerável, traz um legado esportivo significativo nos anos seguintes.