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Negócios milionários da maratona sofrem abalo após doping de recordista mundial

Suspensão provisória de Ruth Chepngetich levanta dúvidas sobre premiações, contratos e credibilidade da prova

Ruth Chepngetich vence a Maratona de Chicago 2024, recorde que agora é contestado - Reprodução / Instagram @ ruthchepngetich94

Ruth Chepngetich vence a Maratona de Chicago 2024, recorde que agora é contestado - Reprodução / Instagram @ ruthchepngetich94

A suspensão provisória da queniana Ruth Chepngetich por doping, nove meses após quebrar o recorde mundial da maratona feminina em Chicago 2024, reacende um debate que vai além da ética esportiva: o impacto financeiro e de reputação que casos como esse provocam em uma das provas mais badaladas do esporte.

Chepngetich recebeu US$ 150 mil pela vitória e pelo recorde em Chicago, mas especialistas estimam que o valor total de sua conquista ultrapasse US$ 500 mil, considerando bônus de patrocinadores, valorização do passe para outras provas e contratos futuros.

A suspensão, anunciada na semana passada pela Unidade de Integridade da World Athletics (WA), entidade que comanda o atletismo, envolve o uso de hidroclorotiazida.

O diurético, que está na lista de substâncias proibidas da Agência Mundial Antidoping (Wada, na sigla em inglês), serve para mascarar o uso de outras drogas. A suspensão da queniana pode chegar a dois anos.

Prejuízo

A incerteza sobre a validade do resultado em Chicago afeta diretamente as demais competidoras, como a etíope Sutume Kebede, segunda colocada, que perdeu o prêmio de US$ 50 mil do Circuito Mundial das Maratonas e a visibilidade que uma vitória em uma das sete provas da majors, as principais do calendário, proporciona.

“É uma oportunidade perdida que não se recupera”, lamenta Hawi Keflezighi, agente de atletas, em entrevista  ao site Sportico.

Hawi é irmão do vice-campeão olímpico Meb Keflezighi, que subiu ao pódio junto com o brasileiro Vanderlei Cordeiro de Lima na maratona de Atenas 2004.

Patrocínios

Além das perdas individuais, o episódio ameaça a confiança de patrocinadores e organizadores. O Bank of America, principal patrocinador da Maratona de Chicago desde 2008, ainda não se pronunciou oficialmente sobre o caso. No entanto, especialistas alertam que marcas estão cada vez mais seletivas ao associar sua imagem a atletas e eventos.

“O doping mina a credibilidade do esporte e afeta diretamente o valor comercial das competições”, analisa Brendan Reilly, agente da queniana Edna Kiplagat, bicampeã mundial (2011 e 2013), que já foi beneficiada após desclassificações por doping.

Casos anteriores mostram que ajustes nos resultados são possíveis, mas nem sempre compensam o impacto emocional e financeiro.

Em 2022, Diana Kipyokei perdeu o título da Maratona de Boston de 2021, e Edna Kiplagat foi reconhecida como vencedora. Em 2014, um doador privado pagou o prêmio da Maratona de Boston à etíope Buzunesh Deba, verdadeira campeã da prova, após a desclassificação da queniana Rita Jeptoo por doping.

Kelvin Kiptum morreu como recordista mundial da maratona no auge da guerra comercial entre Nike e Adidas - Reprodução / Instagram @kelvinkiptumcheruiyot
Kelvin Kiptum morreu como recordista mundial da maratona no auge da guerra Nike x Adidas – Reprodução / Instagram @kelvinkiptumcheruiyot

Recorrência

A recorrência de escândalos levanta preocupações sobre a modalidade. Em 2024, a WA listava quase 500 atletas e profissionais do atletismo, como treinadores e membros de comissões técnicas, suspensos por infrações de doping.

“Não é só o resultado que é afetado. São os padrões que determinam quem vai às Olimpíadas, quem recebe patrocínio, quem continua sonhando”, comentou a meio-fundista e fundista jamaicana Aisha Praught-Leer.

Enquanto aguarda julgamento, Chepngetich segue como recordista mundial com o tempo de 2h09min56s. Na época, a marca espetacular superou em quase 2 minutos o recorde anterior, da etíope Tigist Assefa. Chepngetich foi a primeira mulher a superar a distância de 42,195 km em menos de 130 minutos.

Guerra comercial

Por trás de uma possível mudança de detentora de recorde mundial também há uma briga comercial. Chepngetich obteve sua marca usando o Alphafly 3s, tênis da Nike, que na época nem estava em escala de produção industrial. Já Assefa usou o Adizero Adios Pro Evo 1, tênis da Adidas, sua patrocinadora.

Adidas e Nike se digladiam pelo milionário mercado de tênis de corrida de rua. No masculino, ambas as marcas disputam quem conseguirá calçar o primeiro maratonista a superar a distância em menos de 2 horas.

A marca atual pertence a  Kelvin Kiptum, atleta da Nike, que chegou muito perto de superar essa barreira em Chicago 2023: 2h00min35s. O queniano infelizmente morreu em acidente de carro cinco meses antes de uma possível consagração na maratona olímpica de Paris 2024. A disputa permanece aberta.