Criada em 2016, por iniciativa da ex-surfista Nuala Costa, a organização não governamental (ONG) Todas Para o Mar trabalha para ajudar a democratizar o surfe e superar a invisibilidade que atinge as meninas negras no esporte.
Inicialmente, a Todas Para o Mar funcionou como um coletivo feminista e antirracista. Hoje em dia, a entidade atende a cerca de 120 mulheres e 94 crianças e adolescentes, nas comunidades próximas às praias de Maracaípe e Porto de Galinhas, no município pernambucano de Ipojuca.
A ideia que resultou na ONG surgiu a partir da própria experiência de vida de Nuala, que começou a surfar ainda na adolescência, mas não encontrou apoio para seguir buscando seus sonhos no esporte.
“Enquanto surfista, fui invisibilizada por ser uma mulher negra. Eu costumava alcançar bons resultados nos campeonatos, mas, na hora de receber patrocínios, eu era deixada de lado, porque não me enquadrava naquele padrão procurado pelas marcas”, explicou.
A carreira de Nuala durou dos 16 aos 20 anos de idade. Nesse período, ela conseguiu garantir uma das três vagas femininas do Brasil para os ISA World Surfing Games de 1998, evento que foi promovido pela Associação Internacional de Surfe (ISA), em Lisboa (Portugal).
“Como eu não tinha patrocínio ou qualquer tipo de apoio, não pude viajar para os ISA Games. Amigas minhas que foram, acabaram deslanchando”, contou Nuala, que, pouco depois, deixou a carreira de atleta.
Escrever novas histórias
Depois de deixar o surfe, Nuala acabou indo para a Europa, mas na condição de imigrante, desempenhando uma série de trabalhos para se manter.
Até que, passados cerca de 15 anos, ela resolveu retornar ao Brasil.
“Percebi que nada havia mudado. As mulheres negras continuavam a ser invisibilizadas no esporte”, disse.
Dessa vez, porém, Nuala estava disposta a escrever uma nova história para as meninas de sua comunidade. Uma das primeiras iniciativas da Todas Para o Mar, depois de sua fundação, foi realizar um festival de surfe, que reuniu diversas crianças e adolescentes na Praia de Maracaípe.
“Quando acabou o festival, notei que o problema do racismo era bem mais profundo. Para começar, não havia crianças pretas na Praia de Maracaípe. Elas e suas famílias, apesar de residirem ali, não se sentiam pertencentes à praia, que era ocupada pelos turistas, enquanto os moradores das comunidades locais costumavam ficar no mangue”, recordou-se.
De acordo com Nuala, o trabalho utilizando o surfe busca criar o sentido de pertencimento das crianças e adolescentes com relação à praia.
“Queremos que eles sejam empoderados e se desviem dos caminhos que a sociedade tenta lhes impor, de violência e exclusão”, ressaltou Nuala.
Projeto cresceu
Quando a Todas Para o Mar iniciou suas atividades como ONG, contava com apenas duas meninas atendidas. Mas o trabalho avançou. Segundo Nuala, mais de 500 crianças e adolescentes já passaram pelo projeto, que é estruturado como se fosse um corpo, no qual o surfe representa a cabeça.
Já os braços envolvem outras atividades educacionais, culturais e profissionalizantes, como aulas de espanhol, maracatu, hip-hop, capoeira e oficinas de pranchas de surfe.
“Temos muitas crianças talentosas que se sobressaem em competições e diversos surfistas amadores. Mas nem todos os nossos alunos se tornam atletas. Hoje, temos vários deles atuando como professores de surfe, outros trabalhando com o conserto de pranchas”, destacou.
De acordo com Nuala, os cursos e atividades da ONG são definidos com base na escuta da comunidade.
“Procuramos oferecer aquilo que eles desejam”, explicou.
Sem patrocínio
Atualmente, a Todas Para o Mar não conta com qualquer patrocínio institucional.
“Não chamamos a atenção das marcas. Elas buscam um padrão de pessoas no qual não nos enquadramos”, criticou Nuala.
Ainda assim, o projeto segue avançando.
“É muito mágico como as coisas acontecem. Não temos patrocínio, mas nos mexemos durante o mês inteiro para que as coisas aconteçam, com campanhas, editais e muito trabalho”, salientou.
Os professores que ministram os cursos da ONG são todos voluntários. Já a sede funciona em uma grande palhoça existente na casa da própria fundadora.
“Por conta do calor muito forte, não tem como fazer as atividades em um local fechado”, comentou Nuala, que acredita que a Todas Para o Mar caminha a passos curtos, mas firmes.
Seu grande sonho é, algum dia, poder construir um centro de cultura e lazer para a ONG e que a entidade possa contar com uma estrutura que lhe permita ser autogerida.
“Eu gostaria que pudéssemos remunerar as pessoas, ter uma sala climatizada para as crianças estudarem e ter recursos para comprar comida para os alunos”, disse.
Outro desejo dela é poder auxiliar as mulheres da comunidade a empreenderem e gerarem renda.
“Costumo dizer que não podemos mudar o mundo sozinhas, mas podemos ajudar alguém a transformar a realidade. Se apoiamos uma criança, ela é capaz de mudar a vida de sua família e também a comunidade onde reside”, finalizou.