Um verdadeiro abismo financeiro separa França e Marrocos, que se digladiarão nesta quarta-feira (14), a partir das 16h (horário de Brasília), pela última vaga na final da Copa do Mundo 2022, que será disputada no próximo domingo (18). A seleção vencedora do confronto entre europeus e africanos enfrentará a Argentina, que despachou a Croácia da competição com uma vitória por 3 a 0.
A semifinal desta quarta-feira (14) contrapõe países com formações históricas e realidades econômicas muito distintas, que se refletem diretamente no modo como o futebol, enquanto negócio, estrutura-se localmente. E essas diferentes realidades fazem-se sentir com maior força nas avaliações de mercado dos atletas de cada equipe.
Primeira seleção africana a chegar a uma semifinal de Copa do Mundo, com um esquema tático que privilegia a retranca e um grupo que mescla atletas pouco conhecidos e que atuam no próprio país a medalhões que desfrutam de certa fama em alguns dos principais campeonatos da Europa Ocidental, o Marrocos até que não vai mal na soma das avaliações de seus jogadores, alcançando € 236 milhões.
Pode parecer muito, mas o valor sequer se aproxima das estimativas envolvendo o elenco da França. Se somarmos apenas os valores atuais de mercado do meio-campista Aurélien Tchouaméni (€ 80 milhões) e do atacante Kylian Mbappé (€ 160 milhões), o resultado ultrapassará em € 4 milhões a cotação de todo o grupo marroquino.
Considerando-se todos os 26 jogadores franceses, a soma dos valores de mercado atinge € 857,5 milhões, o que representa 3,6 vezes o total da seleção marroquina.
Top 5
Além de Mbappé e Tchouaméni, completam a lista dos cinco mais valiosos do elenco francês o zagueiro/lateral-direito Jules Koundé e os atacantes Ousmane Dembélé e Kingsley Coman, cada um cotado em € 60 milhões. Este é o preço em que está avaliado o lateral-direito Achraf Hakimi, uma das principais estrelas do Marrocos. No ano passado, o PSG pagou € 68 milhões à Internazionale pelo jogador.
A relação dos mais bem avaliados do Marrocos conta ainda com Noussair Mazraoui e Nayef Aguerd (€ 25 milhões cada um), Hakim Ziyech (€ 17 milhões) e o goleiro Yassine Bounou, mais conhecido como Bono (€ 15 milhões), uma das sensações do time do norte da África.
Choque de extremos
Dos 26 jogadores do elenco francês, nada menos que 11 são avaliados em quantias iguais ou superiores a € 40 milhões. Na turma dos mais caros não está incluído o atacante Antoine Griezmann, um dos destaques dos “bleus”, mas que atravessou uma fase complicada no Barcelona antes de voltar ao Atlético de Madrid. Hoje, ele está avaliado em “apenas” € 25 milhões, embora o clube catalão tenha desembolsado nada menos que € 120 milhões para ter o atacante em 2019.
Do lado marroquino, apenas Hakimi ultrapassa a barreira dos € 40 milhões. Ele é um caso raro na seleção do país, de atletas com carreiras consolidadas no exterior. Em geral, os jogadores dos Leões do Atlas (referência à cordilheira que marca a paisagem da nação do Magrebe) que mais se destacam nos mercados mais badalados não são nascidos na África, mas sim na Europa.
Hakimi, por exemplo, é natural de Madri, na Espanha, tendo iniciado a carreira nas categorias de base do Real Madrid. Outro caso notório é o do goleiro Bono, que é nascido em Montreal, no Canadá, e atualmente defende o Sevilla, da Espanha.
Menos cotações
No elenco do Marrocos, 18 atletas estão avaliados em menos de € 10 milhões. A maioria deles atua em clubes do próprio país, que, embora costumem lotar estádios com torcedores apaixonados, contam com uma estrutura financeira e uma repercussão bem mais modestas em comparação a ligas europeias, mesmo as medianas.
Na França, em contrapartida, apenas quatro atletas estão com a cotação abaixo dos € 10 milhões. Um deles, por ironia, é o atacante Olivier Giroud, autor do gol salvador que classificou o time diante da Inglaterra, nas quartas de final. Atualmente, ele é avaliado em “apenas” € 4 milhões. O jogador já chegou a valer € 17 milhões, quando se transferiu do Arsenal para o Chelsea, em 2018.
Jogadores africanos
Assim como Marrocos, a espinha dorsal (e também a cabeça e os membros, temos que admitir) do time da França é composta por jogadores que ou nasceram no exterior ou são filhos de imigrantes, a maioria vinda da África. E não apenas das ex-possessões francesas. Eduardo Camavinga, por exemplo, é nascido em Cabinda, província de Angola, ex-colônia de Portugal. O volante foi contratado pelo Real Madrid junto ao Rennes por € 31 milhões no ano passado.
Os jogadores da seleção da França estão espalhados pelas principais ligas da Europa, embora também marquem presença nos clubes locais. Via de regra, todos começaram a dar seus primeiros pontapés na bola em times franceses. Usufruindo, desde jovens, de uma estrutura mais sólida, aliada a uma maior repercussão midiática que os torneios europeus oferecem, os atletas do país acabam encontrando melhores oportunidades para chamar a atenção no disputado mercado da bola.
Copa ainda ajuda a alavancar cotações
Nesse cenário marcado pela desigualdade de oportunidades e em que alguns são obrigados a largar muito atrás, passando boa parte da carreira na condição de retardatários (sem sequer saberem como poderia teria sido se as chances fossem as mesmas para todos), os marroquinos poderão aproveitar a rara oportunidade que a Copa do Mundo oferece àqueles que sonham em se destacar.
O planeta estará de olho nas duas seleções nesta quarta-feira (14). Pode ser que uma eventual (muitos diriam improvável) eliminação francesa não venha a ocasionar tantos danos à cotação de alguém como Mbappé.
Mas, para alguns marroquinos, o simples fato de terem sido convocados para o Mundial fez com que seu valor de mercado disparasse. Até alguns meses atrás, o atacante Walid Cheddira, por exemplo, estava avaliado em € 250 mil. Em julho, o Bari, da Itália, pagou € 180 mil ao também italiano Parma pela sua contratação. Dois meses depois, em setembro, ele viu sua cotação disparar, alcançando € 2,5 milhões. A proximidade do início da Copa do Mundo e a convocação foram decisivas para essa valorização.
Expulso nos acréscimos do jogo das quartas de final contra Portugal (vencido pelo Marrocos por 1 a 0), ele não enfrentará a França. Se seu possível retorno será na final ou na disputa pelo terceiro lugar, só saberemos depois de encerrado esse confronto entre realidades tão extremas que convivem no interior desse planeta chamado futebol.