Era maio de 2022 quando tratamos pela primeira vez nesse espaço sobre a aplicação do direito às atividades dos intermediários no futebol. Esses profissionais, já há algum tempo, vêm assumindo papel de destaque no esporte, como então mencionamos, e agora convém repetir: “à medida que o esporte se desenvolve como negócio, movimentando cifras elevadíssimas, esses profissionais assumem crescente relevância na assessoria a clubes e atletas em meio a negociações contratuais”.
Já naquela ocasião, o mundo do futebol aguardava modificações na regulamentação que a Fifa direcionava aos intermediários. Pois bem, enfim chegamos a esse momento: recentemente, a Fifa publicou a íntegra do novíssimo “Regulamento de Agentes de Futebol” (Regulamento).
Aprovado em 16 de dezembro de 2022, o Regulamento revela uma mudança drástica na abordagem da Fifa em relação às atividades dos intermediários/agentes. Se até então vigorava um normativo que outorgava às federações nacionais de futebol (no caso do Brasil, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF)) a prerrogativa de registro de intermediários (agora novamente denominados “agentes” sob a nova regulamentação), o Regulamento restabelece o sistema usado antigamente, pelo qual a concessão de licença a esses profissionais cabe primariamente à própria Fifa.
Para se registrarem, os candidatos a agentes precisarão realizar uma prova. A princípio, haverá duas provas por ano (em 2023, a primeira será realizada em abril, e a segunda em setembro). O fato de o candidato estar atualmente registrado como intermediário não dispensa a necessidade de aprovação, e a única exceção a essa regra diz respeito aos profissionais que já haviam se qualificado como agentes conforme antigos regulamentos da Fifa sobre o tema (o último deles de 2008). Estes últimos estarão dispensados da prova desde que requeiram a licença de agente até 30 de setembro de 2023, observadas determinadas condições adicionais estabelecidas no Regulamento.
A obtenção da licença, aliás, não encerra as obrigações do agente. Pelo contrário: além da contínua observância de todos os requisitos indispensáveis ao licenciamento (por exemplo, a impossibilidade de atuar como dirigente ou empregado de clubes, ligas, federações, confederações, etc.), sua manutenção requererá a realização de cursos e o pagamento da taxa anual de licença, inicialmente definida pela Fifa em US$ 600.
É interessante notar que o Regulamento traz uma nova abordagem acerca da possibilidade de os agentes atuarem por meio de pessoa jurídica. Enquanto a regulamentação anterior permitia que pessoas jurídicas fossem cadastradas como intermediárias, agora se passará a restringir a licença a pessoas físicas.
Contudo, o Regulamento desde já soluciona o que poderia ser um “problema”, autorizando expressamente que os agentes se utilizem de pessoas jurídicas (“agências”) como veículos de suas atividades. Em termos práticos, portanto, a diferença mais significativa nesse aspecto poderá ser a eventual necessidade de que diversos sócios e funcionários vinculados às agências sejam licenciados como agentes, na medida em que o contato com os clientes na prestação de serviços de representação é privativo de agentes licenciados.
Dentre todas as mudanças apresentadas pela Fifa, certamente há uma que mais se destaca e que vem gerando debates desde antes mesmo da publicação do Regulamento: o estabelecimento de limitações à remuneração dos agentes.
A limitação se inicia a partir de restrições expressas do Regulamento à possibilidade de dupla representação (isto é, quando um agente é autorizado a representar mais de uma parte envolvida numa mesma transação). Na transferência de um atleta, somente é admitida a dupla representação se o agente atuar em assessoria ao próprio atleta e ao clube adquirente. Assim, passam a ser quatro os escopos de atuação possíveis a um agente numa transferência: (i) representação do clube cedente; (ii) representação do clube adquirente; (iii) representação do atleta; ou (iv) representação do clube adquirente e do atleta.
A diferenciação entre esses escopos é relevante, inclusive, para fins de definição do teto de remuneração possível ao agente que atue em determinada transação, que deve observar a tabela abaixo:
Portanto, além de tetos aplicáveis a cada situação, o Regulamento determina que apenas o agente que represente o clube cedente pode ser remunerado com base no valor da taxa de transferência. Em todas as demais circunstâncias, a remuneração do agente baseia-se no valor da remuneração anual do atleta ou treinador envolvido na transação.
Diante de tantas alterações significativas, o mercado terá ainda um período de adaptação.
A exigência de que o profissional possua a licença de agente Fifa para estar apto a representar clubes, atletas e treinadores em suas transações somente estará em vigor a partir de 1º de outubro de 2023. Até lá, os intermediários cadastrados junto à CBF seguem autorizados a prestar os serviços de intermediação. Contudo, o prazo estabelecido evidencia a importância de que esses profissionais realizem o exame e submetam seu pedido de licença à Fifa até 30 de setembro, evitando, assim, qualquer descontinuidade na relação com seus clientes.
Por outro lado, contratos de representação celebrados no presente momento e cuja vigência se estenda para além de setembro de 2023 precisarão, a partir de 1º de outubro, estar devidamente adaptados às novas regras em vigor.
Cabe ressaltar ainda que, em linhas gerais, o Regulamento se aplica a atividades essencialmente relacionadas a transações internacionais. As transações nacionais no Brasil serão regidas por regulamento próprio a ser ainda editado pela CBF. No entanto, conforme comando da própria Fifa, o normativo nacional não poderá escapar às características principais estabelecidas no Regulamento Fifa. Ainda que se tenham preestabelecidas as premissas a serem seguidas pela CBF em seu regulamento, convém aguardar a sua publicação para se ter a exata noção das regras aplicáveis em território brasileiro a partir de outubro quanto às transações nacionais, que poderão, inclusive, ser ainda mais rígidas que as determinadas pela Fifa.
Enfim, são muitas as novidades apresentadas pela Fifa quanto às atividades dos agentes, incluindo diversas outras que não caberiam neste espaço. Diante do período de transição que se estende até o início de outubro, os próximos meses prometem ser de muito debate e trabalho para os intermediários/agentes e seus clientes na adaptação de seus contratos e modelos de negócio à nova regulamentação.
Pedro Mendonça é advogado especializado na área esportiva desde 2010, com vasta experiência na assessoria a diversas entidades esportivas, como comitês, confederações e clubes, além de atletas, e escreve bimestralmente na Máquina do Esporte