O Grupo Disney deve aumentar os investimentos em séries documentais de esporte como forma de atrair o público para o Star+. A fórmula não é nova. Já é seguida por concorrentes de peso como Netflix e Prime Video, plataforma de streaming da Amazon. Para Carlos Maluf, líder de esportes da Disney Brasil, esses produtos audiovisuais trazem audiência também para as transmissões de eventos ao vivo, que ganharão novo fôlego na plataforma em 2024.
“A partir do ano que vem, teremos condição de, além dos quatro [eventos ao vivo] da ESPN, transmitirmos mais oito [eventos simultâneos] no Star+. Aí teremos que ter investimento com narradores e comentaristas”, contou o executivo.
Maluf conversou com exclusividade com a Máquina do Esporte durante a pré-estreia para convidados de “Por que Waldemar? Eis a questão no futebol brasileiro”, série documental que examina a gestão do futebol brasileiro a partir de um meme que surgiu com o anúncio do novo técnico do Flamengo, que completou 20 anos no último sábado (14).
Na conversa, o executivo falou do portfólio de competições que hoje estão nas mãos da Disney, da concorrência cada vez mais acirrada no Brasil, da multiplicação de plataformas de streaming esportivo e em que lugar ele acredita que chegará esse processo. Leia abaixo os principais trechos da entrevista:
Quais são os planos do Star+ para séries documentais de esportes?
Estamos sempre planejando coisas para o Star+, porque a ideia é ter documentários junto com eventos para que agreguem valor ao streaming. Isso não só aqui no Brasil, como lá fora. Por exemplo, temos o Wrexham [“Bem-Vindos ao Wrexham”], feito lá fora. Produção nacional, a gente fez o Zico [“Zico em Família”] e uma das mulheres [“Gerações – A evolução do futebol feminino no Brasil”]. Estamos sempre tentando agregar documentários com eventos nossos.
Temos vários projetos, mas temos uma limitação de orçamento. Tudo é muito pensado para fazer de uma maneira correta. Esse aqui [“Por que Waldemar? Eis a questão no futebol brasileiro”] demorou mais de um ano para fazer. Saiu da ideia do meme, que viram que tinha 20 anos [completados no último sábado (14)]. Foi uma pesquisa enorme e conseguiram lançar agora.
Como tem sido o retorno do público?
Tem sido muito bom. Em geral, os picos [de audiência] são nos eventos ao vivo. Temos uma análise diferente para séries. Nas séries, a audiência é mais prolongada. Comparado com outras plataformas, temos muito mais eventos ao vivo do que documentários de esportes. Mas a tendência é produzir mais, para ter uma audiência mais prolongada com séries.
“Na gíria, deixamos de ‘tomar porrada’. Antigamente, tínhamos que cortar o evento, atrasar o outro ou deixar de exibir. Hoje, quem tem o Star+ sabe que vai encontrar tudo lá”
Carlos Maluf, líder de esportes da Disney Brasil
Com o Star+, a ESPN consegue exibir todos os eventos que possui os direitos de transmissão?
Na gíria, deixamos de “tomar porrada” por causa disso. Antigamente, tínhamos que cortar o evento, atrasar o outro ou deixar de exibir. Hoje, quem tem o Star+ sabe que vai encontrar tudo lá. Quem assina os dois, por exemplo, sabe que não vamos precisar cortar uma quadra de tênis porque todas as quadras vão estar sendo exibidas no Star+. Não temos mais que exibir todos os jogos do Mundial de Rúgbi no linear [ESPN], o que muitas vezes conflitava. Agora, exibimos tudo no Star+. Na Premier League, todo sábado tem quatro jogos simultâneos. Exibimos os quatro no Star+. E temos o mosaico, que é um canal em que exibimos os quatro [jogos] ao mesmo tempo. Então, conseguimos entregar tudo o que o fã de esporte precisa na plataforma de streaming, sem nenhum problema.
Como é a estratégia para decidir o que vai para a ESPN e o que fica no Star+?
Temos que levar os dois lados em conta. Vou dar um exemplo: no Campeonato Inglês, temos os Top 6 times [Arsenal, Chelsea, Liverpool, Manchester City, Manchester United e Tottenham]. Então, damos uns dois ou três jogos exclusivos no Star+ e os outros na ESPN, com transmissão simultânea no streaming. Não vamos deixar de colocar bons jogos na TV linear. No tênis, o jogo da quadra principal, que normalmente é o melhor, vai para a TV e também está no streaming.
Toda a NFL e a NBA estão na televisão e no streaming. Na NHL, um bom jogo está na TV. Todos os outros estão no Star+. O cara que gosta de hóquei no gelo tem 10 jogos por rodada no streaming. Fazemos uma Olimpíada por semana no Star+. Quem gosta, vai ter os melhores eventos na ESPN, mas vai ter 60 feeds por dia para escolher no streaming.
Haverá investimento para ampliar as transmissões no Star+?
No streaming, dos 60 ou 70 feeds, não sei ao certo, temos como produzir os quatro que vêm da ESPN e produzimos mais quatro exclusivos em português para o Star+. Os demais não temos condição. Então, são em som ambiente ou em inglês ou espanhol, que a gente recebe. A partir do ano que vem, teremos condição de, além dos quatro da ESPN, transmitirmos mais oito [eventos simultâneos]. Aí teremos que ter investimento com narradores e comentaristas. A tendência é começar a produzir mais em português para o streaming do que fazemos hoje.
Qual é a sua avaliação sobre os eventos que a ESPN e o Star+ transmitem hoje?
O portfólio nunca esteve tão bom. Sabemos que não teremos tudo no mercado brasileiro. Do jeito que está, estamos conseguindo ir muito bem, com recordes de audiência. Temos tênis, NBA, ligas europeias de futebol, Libertadores, Copa Sul-Americana e Copa do Nordeste.
A Copa do Brasil já está vendida pelos próximos três anos. Daqui três anos, voltará para o mercado, e analisaremos. A Champions League já está na Warner por mais três anos. Se você falar se eu não gostaria? Claro que gostaria [voltar a ter os direitos da Champions]. Mas temos que ver onde investir o dinheiro. E investimos em Libertadores. Sul-Americana, Premier League e LaLiga neste momento. Diferentemente dos concorrentes, que têm um ou dois eventos bons, nosso pacote contempla muitas horas ao vivo. É um diferencial que temos.
Como foi a integração do antigo Fox Sports à estrutura da ESPN?
Desde o começo, não distinguimos a Fox da ESPN. No começo, tinha que separar as duas empresas, tinha que colocar a Libertadores no Fox Sports. Mas sempre tratamos como se fosse tudo Disney. Claro que não é fácil. É uma mudança de mentalidade. Hoje já não se fala mais nisso. Bola para frente. Teremos que devolver o nome Fox Sports no ano que vem. Mas vamos manter os seis canais [na TV fechada].
O que o senhor acha do fenômeno recente da proliferação de canais esportivos no streaming? Há espaço para que todos sejam sustentáveis?
Há dois jeitos de monetizar no streaming, que são pagamento de assinatura e publicidade. Temos hoje os canais de streaming que são pagos e os que vão tentar rentabilizar via YouTube. Há eventos, como Champions, Libertadores e Copa do Brasil, que o público vai pagar para assistir. Os demais são um grande desafio.
“O mercado brasileiro, diferentemente da América Latina, tem mais concorrência. A tendência é colocar muito dinheiro tentando tirar o direito [de transmissão] um do outro. É normal. Faz parte da concorrência, mas entendo que tem um teto”
Carlos Maluf, líder de esportes da Disney Brasil
O que vamos ver é uma pulverização de direitos pelo mercado. Vejo direitos que estavam na ESPN e hoje estão espalhados pelo mercado. É até difícil saber onde assistir a um jogo X. Então, além de monetizar, é preciso informar. É preciso gastar dinheiro para dizer ao público que tem tal jogo. Isso vai ser a sobrevivência desses novos entrantes.
Hoje, o público precisa colocar no Google para descobrir onde vai passar determinado jogo…
Já temos 30 anos de mercado. Não quer dizer que é mais fácil, mas já temos uma base, tradição, o público já nos reconhece como multiesportivo, sabe que temos as ligas americanas, futebol europeu, tênis… Hoje, o esporte feminino também está muito forte aqui. Então, o esforço é menor para chamar o público. Mas continuamos divulgando.
Com os direitos pulverizados e a concorrência acirrada, haverá uma inflação de valores quando houver renovação de contratos?
Acredito que o mercado brasileiro, diferentemente da América Latina, tem muito mais concorrente. E a tendência é essa, de colocar muito dinheiro tentando tirar o direito [de transmissão] um do outro. É normal. Faz parte da concorrência, mas entendo que tem um teto. Tem canal que faz um investimento para ter um direito e depois não consegue renovar. Já vi muita gente entrando nesse mercado que acabou saindo por não conseguir se manter.
Algumas dessas plataformas esportivas de streaming poderão morrer no futuro por não conseguirem se tornar sustentáveis, assim como aconteceu anos atrás com a TV fechada?
Eu vejo assim: no Brasil, pela penetração que tem, sempre vai ter público para a TV aberta. A TV fechada, que está decaindo, ainda tem uma penetração boa, ainda vai continuar por um tempo. Os novos entrantes vão ter que testar a forma de rentabilizar grandes eventos no streaming porque os direitos estão caros. Não tenho dúvida de que vai entrar muita gente. Quem vai sobreviver, vai depender do fôlego que tiverem para isso.
Há público para tantos canais?
Acho que o público já está saturado de mesa-redonda e programas de estúdio. Mas não de eventos. Se a Premier League deixar a ESPN e for para outro canal, o público vai para lá. Então, acredito que o número de canais vai depender de como vão estar divididos os eventos. Se tiver Premier League, LaLiga, [Campeonato] Italiano, Champions League e Libertadores em canais diferentes, o público vai escolher onde vai botar seu dinheiro.