Nas últimas semanas de 2023, o clima de “Game of Thrones” resolveu tomar conta da alta cúpula do futebol pentacampeão do mundo.
Quem observa a batalha judicial surgida desde a destituição de Ednaldo Rodrigues do cargo de presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) ou mesmo a intensa mobilização de dirigentes, em público e nos bastidores, pode ser levado a crer que estamos diante de uma questão iminentemente política.
Mas a situação é bem mais complexa do que aparenta. A luta pelo poder político na entidade máxima do futebol brasileiro esconde a disputa econômica motivada pelo controle sobre os direitos comerciais e de mídia das principais competições nacionais.
Segundo a Máquina do Esporte apurou nos bastidores, os “atores” ocultos dessa intrincada trama são as agências Brax e LiveMode, e a disputa é motivada por mudanças ocorridas na correlação de forças no mercado, a partir da chegada de Ednaldo Rodrigues ao cargo de presidente.
A ascensão da Brax
A Brax é resultado da fusão de outras três empresas especializadas em comercialização e montagem de placas de publicidade em campos de futebol: Esportecom, Market Sport e Printac. Fundada em 2021, mesmo ano em que Ednaldo Rodrigues assumiu a presidência da CBF, a agência passaria, a partir do ano seguinte, a abocanhar diversos contratos lucrativos na elite do futebol brasileiro.
O crescimento da Brax fez-se notar com força em abril de 2022, quando a agência fechou acordos com 12 clubes que estavam na Série A do Brasileirão, todos integrantes da antiga Liga Forte Futebol (LFF), atual Liga Forte União (LFU): América-MG, Athletico-PR, Atlético-GO, Atlético-MG, Avaí, Ceará, Coritiba, Cuiabá, Fortaleza, Fluminense, Goiás e Juventude.
A partir de então, com apoio da CBF, a empresa conseguiu desbancar a Sport Promotion, sua concorrente no negócio das placas publicitárias do Brasileirão, que estava inadimplente com a entidade máxima do futebol. Foi essa falta de pagamentos aos clubes que também abriu caminho para a Brax abocanhar os contratos que eram da concorrente.
Em fevereiro deste ano, a Equipe Sport, criadora da Sport Promotion, entrou em processo de recuperação judicial, com dívidas de R$ 158 milhões. A empresa atribuiu sua derrocada financeira ao fim abrupto do contrato com a confederação e os clubes da Série A.
Enquanto isso, a Brax seguiu avançando com seus tentáculos por outras propriedades no futebol brasileiro. Uma das suas próximas “vítimas” foi a Klefer, que detinha os direitos comerciais e de mídia da Copa do Brasil.
O divórcio da CBF com a agência criada pelo jornalista e ex-presidente do Flamengo Kléber Leite resultou na tentativa de captura das redes sociais da Copa do Brasil pela Klefer, que pretendia manter os perfis sob seu domínio, mas com outros nomes. A polêmica resultou em uma notificação extrajudicial feita pela entidade máxima do futebol brasileiro, tentando reaver o controle das páginas.
A LiveMode foi outra empresa afetada pelo avanço da Brax, que abocanhou os direitos de transmissão da Copa do Nordeste, competição que, nos últimos anos, vinha despertando interesse por parte de plataformas de streaming e de canais de TV por assinatura.
Neste ano, por fim, a Brax adquiriu os direitos de transmissão da Série B do Brasileirão, competição também realizada pela CBF. Na edição de 2023, foi feito o pagamento de R$ 210 milhões pela agência para poder explorar a competição. A empresa foi uma alternativa de última hora encontrada pela CBF depois de ver ruir o projeto de concorrência pelos direitos, sem alcançar o valor mínimo de R$ 200 milhões. A Brax assumiu o risco do negócio e passou a negociar os acordos para a conta “fechar”.
As peças se movem
Ednaldo Rodrigues foi afastado da presidência da CBF no dia 7 deste mês, por determinação da 21ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ).
Desembargadores do tribunal não validaram o Termo de Ajuste de Conduta (TAC) assinado entre a CBF e o Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) para a realização das eleições, em 2018. Para o tribunal, o MP-RJ não tinha competência para assinar esse documento, já que a CBF é uma entidade privada.
Assim, no momento, a confederação é presidida interinamente por José Perdiz, presidente do Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD), que tem prazo de até 30 dias para convocar novas eleições na entidade.
Tanto a Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol) quanto a Federação Internacional de Futebol (Fifa) afirmam não reconhecer Perdiz como interventor. As duas entidades pretendem enviar uma delegação ao Brasil, em janeiro, para averiguar de perto a situação e então darem (ou não) o aval para a nova eleição.
No entanto, conforme a Máquina do Esporte apurou, as chances de Rodrigues retomar o cargo são praticamente nulas, embora seus aliados ainda tentem manobrar em seu favor na Justiça.
Nos últimos tempos, o presidente afastado vinha perdendo apoio das federações. Com sua queda, as forças envolvidas no comando do futebol brasileiro passaram a se articular.
No começo desta semana, o presidente da Federação Paulista de Futebol (FPF), Reinaldo Carneiro Bastos, conseguiu reunir os mandatários de Botafogo-SP, Corinthians, Guarani, Ituano, Mirassol, Novorizontino, Palmeiras, Ponte Preta, Red Bull Bragantino, Santos e São Paulo, clubes que disputarão as Séries A e B do ano que vem.
O objetivo declarado pelo grupo foi de que todos na foto caminharão unidos “em relação ao processo eleitoral da CBF, visando a um projeto moderno para o futebol nacional”.
Na prática, porém, o encontro representou uma demonstração de força da provável candidatura de Bastos à presidência da CBF. De acordo com a apuração feita pela Máquina do Esporte, o presidente da FPF conta com o suporte da LiveMode nessa disputa. A empresa é parceira da federação nos direitos de transmissão do Paulistão.
O objetivo do cartola paulista seria tentar promover a futura união entre a LFU e a Liga do Futebol Brasileiro (Libra). A legenda da foto divulgada pela FPF e os clubes participantes da reunião faz menção explícita à “construção de uma liga única”.
A eventual vitória de Bastos poderia representar o fim do curto reinado da Brax nos direitos comerciais e de mídia das competições da CBF.
Enquanto isso, porém, outro grupo tem se articulado para tentar alcançar o comando da entidade. O nome mais cotado para encabeçar a possível chapa é o de Flavio Zveiter, ex-presidente do STJD e um dos principais articuladores da Libra.
Caso este grupo triunfe, as chances da Brax manter pelo menos uma parte do que conquistou nos últimos anos torna-se maior.
Para estar apto a participar da disputa, um candidato precisa contar com o apoio de, no mínimo, oito federações filiadas à CBF, além do endosso de cinco times que disputarão as Séries A e B no ano em que a votação for realizada.
Os votos na eleição da CBF seguem um sistema proporcional, com o das federações valendo 3, enquanto os dos clubes das Séries A e B têm, respectivamente, pesos 2 e 1.