Poucos sobrenomes remetem tanto ao automobilismo no Brasil (e por que não dizer, no mundo?) quanto Fittipaldi. Muito dessa fama se deve a Emerson, piloto bicampeão de Fórmula 1, que ajudou a popularizar a modalidade esportiva no Brasil, preparando o caminho para que outras lendas também brilhassem nas pistas.
Nesta sexta-feira (23), essa família perdeu um de seus membros ilustres. Wilson Fittipaldi Jr. herdou o nome do pai, famoso radialista, falecido em 2013 (aos 92 anos), que tinha o apelido de “Barão” e se especializou na cobertura de esportes a motor, em uma época em que carros e motocicletas eram situações que estavam a anos-luz da maioria dos brasileiros.
Wilsinho, como era chamado, seguiu a paixão do pai, só que, na prática, encarando o perigo das curvas em alta velocidade. Por ironia da vida, quis o destino que deixasse esta vida aos 80 anos de idade, após passar quase dois meses internado em decorrência de um engasgo com um pedaço de carne e um ataque cardíaco.
Hoje em dia, Wilsinho é lembrado por sua trajetória como piloto na principal categoria do automobilismo mundial, em que disputou 38 Grandes Prêmios, com 35 largadas.
Seus resultados na pista ficaram muito longe do alcançado pelo irmão mais novo, Emerson. A melhor colocação de Wilsinho na carreira, fora um pódio não oficial, foi um quinto lugar no GP da Alemanha de 1973, pela Brabham. Naquele ano, ele anotou três pontos no campeonato de pilotos e terminou em 16º na classificação geral.
Mas sua maior realização não foi construída à frente do volante. Wilsinho foi o responsável por idealizar e tornar realidade aquela que, até hoje, é a primeira e única equipe brasileira de F1: a Escuderia Fittipaldi.
Copersucar e Skol
A equipe brasileira de F1 fez sua estreia nas pistas na temporada de 1975, com o nome Copersucar, cooperativa de produtores de cana, açúcar e álcool, fundada em 1959, no estado de São Paulo.
Em 1973, a empresa adquiriu a Companhia União dos Refinadores – Açúcar e Café, dona da marca União, hoje propriedade do Grupo Camil. Naquela década, depois de experimentar um rápido crescimento econômico na fase inicial da Ditadura, o Brasil passou a vivenciar fortes turbulências econômicas relacionadas aos balanços de pagamento e à inflação, problemas agravados pelas crises do petróleo, que elevaram o preço dos combustíveis no país.
O Programa Nacional do Álcool (Proálcool), criado pelo governo do ditador Ernesto Geisel em 1975 (por coincidência, ano de estreia da equipe brasileira na F1), subsidiava a produção do combustível feito à base de cana-de-açúcar e estimulava a produção de carros movidos a etanol.
Foi nesse contexto que o primeiro carro brasileiro de F1 chegou às pistas, impulsionado pelas usinas de açúcar e álcool. Em 1974, Wilsinho apresentou em Brasília, capital federal, o modelo FD01, primeiro carro brasileiro na categoria.
Essa parceria, que existiu em uma época em que era para lá de incomum as marcas denominarem equipes esportivas, mesmo na F1, vigorou até a temporada de 1977, ano em que o time terminou em nono lugar na classificação geral e marcou 11 pontos no Mundial de Pilotos, contando com nomes como Emerson Fittipaldi e Ingo Hoffmann.
Nos dois anos seguintes, a equipe usou a denominação Fittipaldi Automotive. Em 1980, foi a vez da marca Skol, pertencente ao grupo dinamarquês Carlsberg e que hoje é fabricada no Brasil pela AB Inbev, assumir o nome da escuderia.
Naquele ano, o time brasileiro alcançou o oitavo lugar no Mundial de Pilotos, com 11 pontos. Além de Emerson, a equipe contava com o sueco Keke Rosberg, que seria campeão da temporada de 1982 da F1, pilotando a Williams.
O fim
O sonho dos irmãos Fittipaldi chegou ao fim em 1982, com um ponto conquistado na classificação geral (com Chico Serra) e uma dívida estimada, à época, em US$ 7 milhões.
Aplacados os sentimentos ocasionados pela frustração, Wilsinho passou a ser um grande defensor do legado da Escuderia Fittipaldi. Olhando em perspectiva, se a equipe não foi campeã e nem mesmo venceu uma corrida, ao menos seu desempenho foi digno.
Em oito temporadas e 104 GPs disputados, a primeira e última escuderia brasileira, idealizada por Wilsinho, somou 44 pontos. O desempenho não fica abaixo de equipes que ocuparam o escalão intermediário da F1 ao longo das décadas seguintes.
Pode não parecer muito, em um país que só aprendeu a valorizar quem está no ponto mais alto do pódio. Mas continua a representar uma experiência única e histórica, em todos os sentidos, na qual a maior vitória talvez esteja em arriscar e não temer o fracasso, que também faz parte dessa coisa efêmera chamada vida.