Gosto de olhar para atletas com ferramentas de branding, buscando entender, a partir de suas carreiras, entrevistas e atuações nas redes, como sua identidade e personalidade constroem sua imagem. Entendo que atletas não são influenciadores, mas suas páginas nas mais diferentes redes sociais estão sempre apresentando suas narrativas, e isso muitas vezes confunde patrocinadores.
Lembro do profissionalismo de Ayrton Senna; para mim, foi ele quem criou o uso dos bonés para destacar seus patrocínios. Se antes já era uma ferramenta, no mínimo ele transformou no uso com recorrência. O tricampeão mundial de Fórmula 1 foi sempre muito cuidadoso com o Banco Nacional, mantendo uma forte relação com seus patrocinadores.
Poderia também lembrar do cuidado e respeito de Michael Jordan com a Nike, mas o recente filme “Air: A História por Trás do Logo” deu uma nova dimensão para este relacionamento. Para mim, Michael amplificou a Nike, e a Nike, com seu brilhante trabalho de comunicação, ajudou a construir um dos mitos do esporte mundial.
Atletas têm personalidade, e isso não pode ser controlado por ações de marketing e treinamento de mídia. É claro que essas ferramentas funcionam, mas a personalidade supera o treinamento e as ações coreografadas. É no calor da pressão, na busca por resultados, que conhecemos quem os atletas de fato são.
Aprendi em uma excelente entrevista do nosso podcast Maquinistas com Frederico Pena, CEO da Roc Nation Sports Brazil, que um atleta não é um avatar, ele não é uma ferramenta que uma marca pode usar como bem entender. Um atleta tem uma identidade e uma personalidade que precisam ser trabalhadas. A grande diferença é sua exposição.
Gosto de exemplos, e vou usar o fenômeno Rayssa Leal, nossa principal atleta no skate. Hoje, aos 16 anos, vemos uma identidade clara, mas ainda é difícil trabalhar sua personalidade, pois ela ainda está se formando. Desde os 13, Rayssa está exposta às câmeras em competições e vem aprendendo a conviver com a pressão dos resultados.
Seus números são incríveis. Desde 2019, são 34 pódios; nenhum atleta brasileiro do skate conquistou tanto. Arrisco-me a dizer que nenhum outro atleta em qualquer esporte tenha tantas conquistas neste mesmo período (5 anos).
O interessante é que ela é fruto das redes sociais. Foi um vídeo que transformou sua carreira: no dia 8 de setembro de 2015, aos 7 anos de idade, quando ela vestiu uma fantasia de fada para participar do desfile de 7 de setembro com amigos e amigas da escola. Depois do compromisso escolar, ela quis ir direto andar de skate, sem nem voltar para casa para trocar de roupa. Rayssa queria fazer o que gostava, queria andar de skate. E foi esse vídeo dela fazendo manobras vestida de fada que milhões de pessoas visualizaram, a partir do momento que Tony Hawk compartilhou em suas redes.
Aos 7 anos, ela passou a ser conhecida ao redor do mundo, quando ainda nem competia, transformando-se em um sucesso nas redes. Mas foram precisos mais seis anos de treino, campeonatos e conquistas para que conquistasse uma medalha de prata nos Jogos Olímpicos de Tóquio, superando colegas de equipe do Brasil que tinham muito mais experiência e carreira.
São dois eventos isolados que associamos. O vídeo da fadinha não teve consequência direta no resultado da medalha de prata, mas se transformou em parte de sua narrativa. A partir do pódio na Olimpíada, ela se transformou em uma personalidade do esporte. Rayssa conquistou milhões de seguidores, alcançando, hoje, apenas no Instagram, 6,4 milhões.
Como ainda é muito jovem, fica fácil trabalhar o conceito das asas de fada, mas é seu comportamento nas provas que permite as melhores associações. Rayssa é uma adolescente que se diverte em competições de skate. Ela faz suas conquistas parecerem fáceis, tem leveza, confiança e, principalmente, uma humildade que toca. Mas é sua confiança que assombra, considerando que ela tem apenas 16 anos de idade. Basta assistir a um vídeo de uma de suas competições; a expressão dela ao final de um conjunto de manobras bem executadas é impressionante.
Para mim, é a conexão com a família, escola e amigos que lhe dá a percepção de menina, uma espécie de proteção. E o interessante é que, quando falo de amigos, em grande parte suas amigas são de fato suas grandes rivais. O skate feminino mundial vive uma das mais geniais gerações do esporte. Além de Rayssa, temos a britânica Sky Brown e a japonesa medalhista de ouro Momiji Nishiya, ambas com 16 anos de idade. Difícil imaginar até onde o skate dessas meninas pode chegar, mas o fato é que estamos vendo esse desenvolvimento a cada competição.
Recentemente, vi no Instagram de Rayssa as fotos da atleta em uma ação da Louis Vuitton; ela é a primeira brasileira embaixadora global da marca. Após a conquista da medalha de prata, fomos assistindo a uma profusão de marcas buscando seu endosso, buscando sua juventude. Hoje, Rayssa ainda é, para mim, pura identificação para as grandes marcas. Sua pouca idade e o controle na exposição ainda nos privam de suas opiniões; temos pouco de sua personalidade. Aos 16 anos, ela está no começo de uma carreira que pode seguir por mais 12, 13 anos, ou quem sabe muito mais.
O trabalho do agente, do empresário, muitas vezes, é identificar associações, mas principalmente proteger o talento. Ele deve dizer mais “não” do que “sim”.
Os próximos anos revelarão um pouco mais da personalidade de Rayssa. Vamos poder conhecer mais de suas ideias, e isso pode mudar um pouco a imagem que hoje temos quando pensamos em Rayssa Leal. Isso não é ruim; é apenas mais um capítulo de sua narrativa. Mas é nesse ponto que a diferenciação entre um atleta e um influenciador fica mais evidente. São as conquistas que projetam o sucesso dos negócios e da marca Rayssa Leal, e não simplesmente sua atuação nas redes.
Devemos ver bem menos da Fadinha e muito mais da atleta no futuro, mas torço para que o começo de tudo, a vontade e a alegria de andar de skate, permaneçam com ela para sempre. Continue voando, Rayssa.
Regi Andrade é um vendedor de ideias especializado na área comercial de veículos de comunicação, tendo trabalhado em TV aberta, TV fechada, internet, jornal, rádio, revistas e eventos. Hoje, como diretor comercial da Máquina do Esporte, orienta clientes a maximizarem seus investimentos em mídia e patrocínios por meio de projetos de comunicação, além de contribuir com artigos sobre publicidade e patrocínio