O domínio do setor de apostas no futebol brasileiro tem sido destaque nas discussões das últimas semanas. Textos brilhantes, inclusive aqui na Máquina do Esporte, já falaram sobre impactos econômicos, sociais e jurídicos do cenário atual.
As bets aparecem neste artigo para uma reflexão diferente: com a regulamentação que (finalmente) está para chegar, é hora de debater como outros setores podem reagir e recuperar o espaço perdido nos últimos anos. É o futuro dos patrocínios esportivos no Brasil que está em jogo.
Os números são impressionantes e amplamente conhecidos. Em 2023, as bets investiram R$ 560 milhões em patrocínios, dominando camisas e placas de publicidade nos estádios. No entanto, o alcance dessas empresas vai muito além dos campos: elas também investiram R$ 2 bilhões em compra de mídia, ocupando praticamente todos os canais de comunicação.
O impacto foi profundo e imediato. A ascensão das bets em um ambiente sem regulamentação proporcionou contratos recordes de Norte a Sul, em todas as divisões, proporcionando gastos robustos e imediatos que impulsionam o futebol brasileiro.
A sensação é de que empresas de qualquer segmento fora do mundo das apostas desapareceram das camisas, das placas de publicidade, dos intervalos comerciais e dos conteúdos digitais. Mas como os outros setores podem reagir para recuperar o espaço perdido no futebol?
Viva a diversificação
Diante da comunicação massiva das bets, o mercado consumidor, naturalmente, se ampliou. Isso começa a gerar preocupações. Um em cada três jovens brasileiros está adiando o ingresso no ensino superior devido aos gastos com apostas. Além disso, um em cada quatro brasileiros deixou de comprar roupas, e um em cada cinco deixou de comprar alimentos.
Esses dados revelam um alarme que atinge setores tradicionais e resilientes da economia brasileira. Até empresas de telefonia, como Claro e TIM, já identificaram as casas de apostas como uma das suas maiores concorrentes. E o futebol pode ser uma plataforma estratégica para reconquistar parte do “share of mind” perdido.
A história do futebol brasileiro prova que há espaço para diversos mercados. Nos anos 2000, os clubes campeões brasileiros exibiam em suas camisas as marcas dos seguintes patrocinadores másteres: Ace (Procter & Gamble), TIM, Fiat Stilo, Bombril, Samsung, LG e Postos ALE. Hoje, esses mesmos clubes buscam o troféu do Brasileirão Betano expondo Betfair, Esportes da Sorte, Blaze, Superbet e Pixbet, todas do mesmo setor.
A falta de diversidade e de consistência entre os patrocinadores agrava o risco de dependência excessiva de um único setor. Não se trata “apenas” de uma questão social, mas da sustentabilidade financeira do futebol brasileiro.
O mercado de apostas é altamente volátil: em um cenário adverso, mudanças regulatórias, investigações ou até a saturação do público podem levar a uma queda abrupta nos investimentos, empurrando o esporte nacional para uma crise econômica sem precedentes.
Além disso, o excesso de marcas do mesmo segmento dilui o impacto dos patrocínios. Com tantas marcas semelhantes, o engajamento dos torcedores enfraquece. As apostas, antes vistas como novidade, agora competem entre si sem oferecer tanta diferenciação, tornando-se quase intercambiáveis aos olhos do público.
Em consultorias recentes feitas pela Vesta, temos apontado que é necessário reconduzir ao esporte, com papel de protagonismo, setores mais sólidos e materiais. Pelo bem do próprio esporte.
Como competir com as bets?
Embora as casas de apostas dominem o cenário financeiro, empresas de outros setores não estão necessariamente derrotadas. A solução não está em igualar os milhões investidos, mas em adotar um planejamento sólido e ambicioso junto de uma estratégia criativa e autêntica que ofereça experiências genuínas e diferenciadas para os torcedores.
Empresas que entenderem a importância de conexões autênticas e o valor de longo prazo podem reverter o quadro. É preciso coragem para contra-atacar, ajustando orçamentos de marketing para o contexto atual. A nossa experiência demonstra que há, sim, diretores de marketing dispostos a ganhar menos em curto prazo, caso a parceria correta bata à porta.
“Storytelling” é fundamental, mas não basta. Marcas precisam fazer a diferença de maneira tangível, melhorando a experiência dos fãs, tanto pessoal quanto coletivamente. Ações que valorizem a comunidade local ou ofereçam valor agregado podem criar laços profundos e duradouros com os torcedores-consumidores.
Estudos mostram que consumidores, inclusive brasileiros, estão cada vez mais inclinados a apoiar marcas que demonstram compromisso com responsabilidade social. O futebol, em seu papel de manifestação cultural mais poderosa do país, capaz de engajar dezenas de milhões de pessoas todos os dias, é o palco ideal para iniciativas que não apenas promovam marcas, mas que criem legados significativos. E, em troca, o futebol pode oferecer às empresas resultados alinhados à estratégia de negócios.
Rumo a um futuro sustentável
Este deve ser um momento de autocrítica para todos os operadores do mercado. O futebol brasileiro não pode aumentar sua dependência de um único segmento.
A diversificação dos patrocinadores é essencial para garantir um futuro sustentável para o nosso esporte mais importante. Para isso, será necessário que os dois lados da mesa tenham pensamento estratégico e visão de longo prazo. Clubes e empresas precisam se alinhar em parcerias que tragam mais do que dinheiro imediato, pois só uma contribuição sólida e consistente ao longo do tempo será capaz de diminuir a nossa vulnerabilidade.
As marcas precisam ajustar suas expectativas e estar dispostas a se conectar com os torcedores de maneira mais autêntica, mesmo que o retorno não venha no curto prazo. O futebol brasileiro é um terreno fértil para a inovação, e há espaço para novas vozes, dispostas a compartilhar não apenas a paixão pelo esporte, mas também histórias que inspirem e criem mudanças duradouras.
No momento em que as casas de apostas lutam para ocupar o “top of mind”, espaço mais importante da mente dos torcedores, outros setores precisam encontrar seu próprio espaço no coração desses fãs. O potencial para inovação e parcerias sólidas existe e é hora de aproveitá-lo para construir um futuro mais sustentável para o nosso futebol e criar oportunidades para empresas que aceitem este desafio.
Ana Teresa Ratti possui mais de 20 anos de experiência corporativa, é mestra em Administração, trabalha atualmente com gestão esportiva, sendo cofundadora da Vesta Gestão Esportiva, e escreve mensalmente na Máquina do Esporte
Braitner Moreira é cofundador da Vesta Gestão Esportiva e ajuda marcas e detentores de direitos a resolver desafios corporativos por meio do esporte, tendo experiência em estratégia e ativação de patrocínios em quatro continentes