Na coluna do mês passado, discutimos como o engajamento da torcida com os clubes gera valor no futebol brasileiro e quais clubes estão sendo mais eficientes em rentabilizar essa relação. Agora, a pergunta é: como os clubes podem trabalhar para gerar mais receita direta e indireta por intermédio da relação com os fãs?
Primeiro, é crucial perceber que, mesmo com a notável evolução na maturidade digital do futebol brasileiro, a maioria dos clubes ainda está explorando só uma fração do potencial de sua base de fãs. Os direitos de transmissão representam a maior fatia de receita do futebol brasileiro como um todo, mas há um grande espaço para mudar gradativamente esse nível de dependência e fortalecer a receita gerada com produtos e serviços diretamente aos fãs, além de rentabilizar o tempo de atenção deles colocando marcas na equação.
O verdadeiro poder está na construção de uma relação direta cada vez mais próxima e cativante com o torcedor. E o caminho para transformar essa relação em receita passa por cinco pilares que formam o ciclo de monetização do fã do esporte.
1. Conhecer profundamente o fã
A paixão e o fanatismo da torcida brasileira pelo futebol são características já bem conhecidas por todo mundo, mas qual é o perfil de consumo desse fã?
Os clubes precisam entender não só quantos torcedores possuem, mas como eles interagem, onde estão localizados e o que os leva a consumir (ou não) os produtos do clube. Definir as principais perguntas que guiarão esse processo de conhecimento é o primeiro passo. E o objetivo é chegar em respostas consistentes que se transformarão em um plano de ação para remodelar os produtos, serviços e toda experiência ofertada aos fãs pelo clube:
- Por que apenas um pequeno percentual da torcida é convertido em programas de associação? Os benefícios são claros e tangíveis?
- Qual é o perfil de quem compra produtos oficiais? Qual é o perfil de quem não compra? E quais os motivos que os levam a alternativas no mercado paralelo?
- Que tipo de conteúdo produzido pelo clube, hoje, mais engaja a torcida? E quais outras experiências as pessoas gostariam de ter com o clube?
Os exemplos acima elencam um pequeno número de perguntas cujas respostas podem ser obtidas de diversas formas. Uma delas, a mais óbvia, é perguntar diretamente para os fãs, mas essa não deve ser a única forma.
E como é possível saber mais sobre o comportamento do fã sem perguntar diretamente para ele?
2. Estruturar, integrar e organizar os dados dos fãs
Atualmente, todas as plataformas digitais, em menor ou maior escala, geram algum tipo de dado que pode ser analisado e interpretado com o objetivo de responder às perguntas do pilar anterior.
Grande parte dessas ferramentas são gratuitas e já estão disponíveis, como as áreas de insights de redes sociais, outras exigem um mínimo trabalho de implementação como Google Analytics ou plataformas de gestão de relacionamento com o cliente (CRM) específicas ou não para fãs de esportes. Para obter visões mais integradas da jornada completa do fã, muitos clubes optam por realizar projetos mais robustos de dados. É aqui que encontramos uma armadilha na estratégia de monetização dos clubes.
Projetos robustos de dados levam tempo e não são baratos. Isso acontece principalmente porque a maioria dos clubes possui dados espalhados por um grande número de diferentes fornecedores: programas de sócios, tiqueteiras, franquias de lojas oficiais, redes sociais, administradoras de estádio, enfim, a lista é longa. A estruturação de dados não é um fim. Ela precisa ser uma das ferramentas que suportam as ações tomadas pelo clube para a estratégia de monetização dos fãs.
Mas o que fazer com esses dados?
3. Conferir propósito aos dados com ativações e testes recorrentes
Como mencionei, o clube não precisa esperar transformar a estrutura de dados de um Fusca em uma Ferrari para começar a colocar o carro na rua. Um Fusca com as manutenções em dia não vai te levar de 0 a 100km/h em 3 segundos, mas é o suficiente para dar bons passeios pela cidade e até arriscar algumas viagens mais longas. Portanto, antes de avançar em um grande projeto de dados, sugiro começar por aqui:
- O que é possível testar com o que já existe dentro de casa?
- Quais perguntas de negócio que elencamos acima podem ser respondidas da forma mais simples e barata?
Começar com o que já tem e ir ajustando com base em pequenos testes é o mais indicado. Fazer testes A/B em campanhas digitais para descobrir o que mais atrai os fãs e como essas descobertas podem enriquecer a relação com os patrocinadores existentes e novas marcas certamente trarão resultados ótimos.
Para clubes que possuem contratos com metas variáveis de patrocínio, é possível testar mensagens diferentes para cada perfil de público para avaliar o que tem o maior potencial de mover o ponteiro. Além da geração direta de receita com o atingimento de metas, entender como o fã se relaciona com uma determinada marca e seus produtos agrega muito valor à relação clube-patrocinador, além de abrir uma janela de possibilidades para se relacionar com novas marcas.
Ajustar os produtos com base no que funciona e aprender rapidamente com os erros é sempre a chave de qualquer negócio, e no esporte não é diferente. Dados parados custam dinheiro, mas quando usados de maneira inteligente, eles geram oportunidades e novas fontes de receita.
Só que será que todo dado tem o mesmo valor?
4. Trazer o fã e seus dados para ambientes proprietários
Os dados do clube devem estar cada vez mais em um ambiente proprietário, como websites e aplicativos próprios. Quando os dados estão nas redes sociais, eles se tornam mais valiosos para as “big techs” do que para o próprio clube, que fica com acesso limitado de toda inteligência gerada pela interação dos fãs. Afinal, o objetivo das redes sociais é manter o maior tempo de atenção e engajamento dos usuários para rentabilizar com marcas via publicidade. Não é muito parecido com o que os clubes deveriam almejar para atrair seus próprios patrocinadores?
Portanto, é fundamental existir um equilíbrio e definir muito bem a função de cada canal utilizado pelo clube durante toda a jornada do fã. As redes sociais tem, sim, um papel importante na construção de grandes audiências, com uma possibilidade quase inesgotável de alcance. Mas o próximo passo de aprofundamento e construção de relacionamento com esse fã deve acontecer nos domínios do clube, onde é possível entender muito melhor sobre o comportamento desse fã para proporcionar uma jornada única e cativante.
O que dá para fazer com todos esses dados e inteligência?
5. Personalizar a experiência do fã
Uma das coisas mais importantes para fãs de futebol é se sentir parte de uma comunidade, de perceber que pode fazer a diferença apoiando seu time do coração. Por muito tempo, milhões de torcedores mantiveram sua fidelidade ao clube do coração apesar da experiência entregue nos canais de contato, no processo de compra de ingressos, na ida ao estádio e ao consumir produtos e serviços do clube em geral. Mas o mundo mudou, o nível de exigência dos fãs cresceu, e a experiência de forma geral melhorou com a evolução dos estádios, as novas ferramentas disponíveis e o amadurecimento da indústria esportiva como um todo.
Ainda existe uma infinidade de oportunidades a serem exploradas que podem significar uma capacidade bem maior de geração de receita, e tudo isso passa por personalizar a experiência do fã. Seja para converter torcedores em clientes com produtos e serviços oficiais, desenvolvendo esses produtos de acordo com a expectativa do próprio fã, ou ainda para enriquecer a oferta de patrocinadores e marcas parceiras com um maior entendimento do perfil de consumo da torcida, entender as individualidades e necessidades específicas de cada fã é a chave para alavancar as métricas de negócio, principalmente a receita média por torcedor.
Um fã que já é associado, mora próximo ao estádio e tem alta taxa de frequência nos jogos precisa ter uma experiência completamente diferente de outro que não é associado e mora em outro estado. O clube deve desenvolver diferentes ofertas que se encaixam em cada perfil e que permitam trazer uma possibilidade de consumo recorrente em produtos e serviços do clube, patrocinadores e novas marcas. Isso deve estar refletido na jornada em todos os canais de interação do clube com o fã.
Com jornadas personalizadas e a realização de inúmeros testes e ativações, um grande volume de dados será gerado para conhecer cada vez mais o fã e, consequentemente, desenvolver novas hipóteses e produtos para aumentar a geração de receita, completando, assim, o ciclo.
A hora de começar é agora
O futebol brasileiro, como espetáculo, continua a atrair multidões, mas o tempo está passando. Aqueles que não transformarem sua relação com os fãs em algo acionável ficarão para trás em uma indústria que se transforma rapidamente. As grandes plataformas de publicidade digital estão aí, mostrando o poder da personalização e da segmentação para transformar tempo de atenção em receita.
Os clubes têm à disposição um tesouro: torcedores apaixonados que passam horas e horas consumindo conteúdo do clube toda semana. Não precisa de muito para começar, basta dar o primeiro passo.
Na próxima coluna, falaremos um pouco sobre o outro lado da moeda: o que as marcas esperam encontrar ao se relacionarem com o esporte?
Vitor Marini é profissional de marketing com mais de uma década de experiência liderando projetos de mídia digital e dados para grandes anunciantes do país, como Samsung e Ford, entre outros. Atualmente, é CEO da Retize, a primeira sports media network (rede de mídia esportiva, em tradução livre) do país, que ajuda clubes esportivos a transformarem as interações digitais dos fãs em receita no mercado publicitário