É hexa! Sim, o nosso futsal conquistou, no mês passado, o título de hexacampeão mundial. Um feito incrível, que nos orgulha e inspira, além de reafirmar que somos, também, o país do futsal.
Nesse contexto de sucesso, a coluna deste mês busca refletir sobre os pilares que sustentam essa trajetória vitoriosa e sobre os desafios que permanecem para o crescimento sustentável do esporte.
A valorização do aspecto humano dentro da nossa seleção, o fortalecimento da saúde mental e o incentivo à educação contínua são temas fundamentais defendidos por Marquinhos Xavier, técnico da seleção brasileira de futsal, que busca aliar a prática esportiva com o desenvolvimento acadêmico e pessoal dos atletas e da comissão técnica. O impacto desses valores devem servir de inspiração para esportistas e gestores do futsal, do futebol e das demais modalidades. Por isso, fizemos um bate-papo visando a entender como a promoção de um ambiente onde os atletas são incentivados a pensar, aprender e crescer além das quadras pode ser, também, um ambiente competitivo e de alto rendimento.
Além disso, buscamos nessa conversa entender como a integração entre a academia e as instituições esportivas pode representar ganho de força e ser um caminho importante para embasar práticas e desenvolver estratégias que beneficiem o esporte de alto rendimento.
Ana Teresa Ratti: Parabéns pelo hexacampeonato! O que essa vitória representa para você e para o futsal no Brasil?
Marquinhos Xavier: Obrigado, estou muito feliz pela conquista. É uma chancela profissional importante, pois reforça muitas questões que defendo no esporte, em especial a questão humana que está sempre presente nestas relações, mas que acabam dando lugar ao medo, à pressão e principalmente afetando a saúde mental dos atletas. Quando ganhamos com leveza, com valores humanos e mostrando que isso é possível, tudo fica ainda melhor. Para o futsal brasileiro, acredito que reforçamos a nossa imagem e nos reposicionamos mundialmente. Essa também é uma luta que temos por territórios ao redor do mundo onde temos profissionais trabalhando.
ATR: Como a conclusão do seu doutorado influenciou sua carreira e qual é a importância do desenvolvimento acadêmico para o esporte?
MX: Eu senti que precisava me sentar para ouvir as pessoas. O programa de mestrado e doutorado me trouxe reflexões importantes, e acredito que foi vital para um amadurecimento, pois me sinto mais confiante em relação ao que desenvolvo na prática, sem contar a possibilidade que temos de produzir informações mais organizadas sobre o esporte. Essa caminhada no doutoramento foi e será significativa. Além desse crescimento pessoal/profissional, sempre defendi a bandeira da qualificação contínua, e precisava dar esse exemplo prático. Foi desafiador, mas ao mesmo tempo uma missão muito prazerosa.
ATR: Acredita nos ganhos vindos pela aproximação entre o universo acadêmico e as instituições esportivas?
MX: Acredito muito, acho até que estamos atrasados nesse tema. Não faz sentido o mundo acadêmico sem a prática, pois ele existe justamente para ajudar a resolver os problemas que temos no cotidiano profissional. Por outro lado, não consigo entender como quem está na prática não busca entender o que faz e os motivos pelos quais não procuram a academia. Existem tantos estudos que embasam nossa profissão. Nem todos estão no esporte, existem outras áreas que fazem correlação com nosso trabalho. Penso que a busca deve ser de mão dupla. Por meio dessa relação, sei que hoje planejo melhor, executo melhor e avalio melhor, e para mim esse é o grande benefício.
ATR: A educação deve ser prioridade para os atletas? Quais são os benefícios diretos e indiretos para aqueles que valorizam o aprendizado além do esporte?
MX: Culturalmente, parece um antagonismo essa relação. Penso que em algum momento realmente os desafios eram maiores, mas hoje em dia só não estuda quem realmente não quer. As plataformas digitais vieram com força para provar que é possível, e realmente é possível. Atletas ativos intelectualmente, além de produzirem crescimento pessoal, desencadeiam mecanismos cognitivos que os ajudam a decidir melhor. É a base de todo o sucesso na carreira profissional: tudo gira em torno das melhores decisões que tomamos, e o benefício maior é estar sempre ativo mentalmente.
ATR: Como você motiva seus jogadores e a comissão técnica a valorizarem os estudos?
MX: Hoje falo com muita alegria que tenho atletas que são acadêmicos de Educação Física, tenho pelo menos uns quatro ou cinco na seleção que foram buscar a qualificação por se sentirem desafiados para isso. É muito legal influenciar todos eles e provocar essa inquietação para que busquem respostas. Sobre a comissão, os exemplos são ainda maiores, todos são referências em suas áreas e seguem conectados ao aperfeiçoamento profissional.
ATR: Futsal é uma modalidade independente, mas também é vista como base para desenvolver atletas que desejam atuar no futebol de campo. Como você olha para isso?
MX: Foram meus estudos no Mestrado e no Doutorado. Gosto dessa relação, acho que é importante pensar de que forma podemos contribuir na formação de crianças e jovens, independentemente do caminho que eles irão optar no futuro. Não penso que temos que formar para o futebol, penso que o ponto é formar e formar melhor. O caminho é uma questão de adaptação, gosto e também oportunidades, não controlamos isso. Nossa comunidade muitas vezes não enxerga com bons olhos, se sentem desvalorizados, mas eu penso o contrário, e acredito que isso valoriza nosso trabalho formativo e também penso que não temos lugar para todos no futsal. Quanto mais oportunidades gerarmos, melhor seremos vistos.
ATR: Que mensagem você deixa para jovens atletas que querem seguir a carreira no futsal?
MX: Que perseverem, pois todos os dias temos vontade de desistir. O caminho no esporte não é uma tarefa simples, é algo além do talento. Aliás, esse é um outro mito que temos no esporte, que somente quem tem talento irá conseguir. Isso não é verdade, pois eu nunca tive o talento que muitos indicam ser o necessário para obter resultados, sempre fui desenvolver habilidades que me permitiram me tornar profissional. Os jovens precisam saber ouvir, aprender com os mais experientes e vivenciar de verdade o processo. Isso irá garantir que alcancem uma carreira profissional.
ATR: Qual é o próximo passo para o futsal no Brasil?
MX: Seguir as etapas do plano, seguir atento aos novos desafios. Após uma conquista mundial, toda a comunidade poderá se beneficiar disso, basta que cada um olhe para o fortalecimento da modalidade no Brasil de forma universal e não individual. Temos nesse momento o melhor período para plantarmos coisas novas e colhermos os bons resultados no futuro, pois nada é imediato.
ATR: Futsal nas Olimpíadas: logo ali ou não é bem assim?
MX: Eu desejo que isso aconteça, mas não acredito que acontecerá no tempo que as pessoas querem, isso porque não fizemos absolutamente nada para pensar que é possível em curto prazo. Não temos um plano de desenvolvimento na nossa modalidade, estamos afastados das universidades e dos profissionais que estudam o esporte. Como queremos ser olímpicos se não conseguimos explicar aquilo que fazemos e por que fazemos? O futsal precisa se desenvolver ainda em alguns continentes e principalmente ter uma igualdade de participação no naipe feminino, sem isso não me sinto confortável em pleitear espaço em um programa olímpico, tampouco me engajar em ações nas redes sociais que não atingem o coração dos comitês olímpicos.
A visão de Marquinhos nos ajuda a compreender que é preciso olhar para o futuro com responsabilidade, buscando inovação e reforçando as possibilidades de conexão entre o desenvolvimento humano e intelectual com o desenvolvimento esportivo. Para completar a compreensão sobre o que vem sendo feito para o futsal e, com isso, buscarmos referências positivas que possam ser extrapoladas para as demais modalidades, convidei o Prof. Dr. Diogo Netto, coordenador nacional da CBFS Academy, para nos contar qual é a missão do programa e como ele vem contribuindo para o desenvolvimento de profissionais que elevam o patamar do futsal brasileiro.
Veja abaixo o que Diogo falou:
“A educação é um dos alicerces mais poderosos para o desenvolvimento do esporte. E é com essa visão que nasceu a CBFS Academy, um programa educacional inovador da Confederação Brasileira de Futsal, com a missão de promover a formação continuada dos profissionais que atuam no futsal.
O programa é estruturado em seis escolas, cada uma dedicada a áreas essenciais do futsal. São elas: 1. Escola Técnica; 2. Escola de Saúde e Performance; 3. Escola de Inovação e Tecnologia; 4. Escola de Iniciação ao Futsal; 5. Escola de Arbitragem; e 6. Escola de Gestão, Liderança e Negócios no Futsal.
Desde o lançamento, em outubro de 2023, mais de 15 mil profissionais já participaram de cursos, palestras, máster classes e do renomado ‘Congresso Mundo do Futsal Experience’, o maior congresso de futsal do mundo, que reúne os maiores especialistas e acontece em Foz do Iguaçu (PR). A próxima edição será de 16 a 20 de dezembro de 2024.
O diferencial da CBFS Academy está no seu corpo docente de excelência. Profissionais como o Prof. Marquinhos Xavier, referência máxima em resultados, produção técnica e científica, e liderança, trazem conhecimentos e práticas que impactam diretamente a evolução do futsal brasileiro.
Com uma rede robusta de parcerias estratégicas, abrangendo as 27 federações estaduais, clubes, prefeituras e a Secretaria Nacional de Futebol e dos Direitos do Torcedor do Ministério do Esporte, a CBFS Academy se consolida como um pilar de fortalecimento e inovação para profissionais de diferentes níveis e especializações.
O futsal brasileiro vive um novo tempo: é a era de recuperar sua hegemonia internacional nas quadras e de estabelecer uma referência em gestão e profissionalismo fora delas.”
Para finalizar, Diogo disse uma frase que resume perfeitamente o que representa o trabalho que vem sendo feito e apresentado nesta coluna: “o conhecimento vira o jogo”.
Ana Teresa Ratti possui mais de 20 anos de experiência corporativa, é mestra em Administração, trabalha atualmente com gestão esportiva, sendo cofundadora da Vesta Gestão Esportiva, e escreve mensalmente na Máquina do Esporte