Durante muito tempo se especulou se e quando a Netflix seria um player relevante para o mercado de transmissões esportivas. Executivos da plataforma afirmaram durante muitos anos que o esporte não era importante e não tinha relevância para o negócio deles, enquanto executivos da concorrência evidenciavam a importância do esporte para atrair e reter assinantes.
No início, nem mesmo documentários relacionados ao esporte eram populares na Netflix. Até que surgiu uma série chamada “Drive to Survive” contando os bastidores da Fórmula 1.
E tudo mudou.
A série ajudou a popularizar ainda mais a principal categoria do automobilismo mundial, mas também trouxe para a Netflix uma audiência que, antes, não estava lá. A tão desejada relação “ganha-ganha”. O sucesso foi tão grande que até algumas escuderias que não quiseram participar da primeira temporada acabaram entrando nas outras cinco que já foram produzidas. A sétima temporada já está em produção e deve ser lançada em março de 2025, pouco antes do início de mais uma temporada da F1.
Foi após “Drive to Survive” que passamos a ver mais conteúdo relacionado ao esporte na plataforma. Pouco depois, outro grande sucesso que ajudou a impulsionar ainda mais o apetite por este tipo de conteúdo foi a série “The Last Dance”, lançada durante a pandemia, quando as pessoas estavam ávidas por conteúdo esportivo de qualidade. Michael Jordan e seu último título da NBA com o Chicago Bulls comprovaram de vez o valor do esporte para uma plataforma que depende de assinaturas para financiar o seu negócio.
O passo seguinte seria, então, começar a exibição de eventos ao vivo. Só que, para evitar a concorrência e a inflação que envolvem os valores dos direitos, a Netflix resolveu criar produtos próprios, não precisando, assim, adquirir direitos. Foi dessa forma que nasceu a Netflix Cup, um torneio de golfe entre pilotos de Fórmula 1 e jogadores de golfe da série “Full Swing”, mais uma exibida pela plataforma. O escolhido foi um esporte não muito popular e um evento específico em que poderiam ser testados novamente o apelo de audiência e, por que não, a própria capacidade da plataforma em lidar com uma grande quantidade de usuários assistindo a um mesmo conteúdo ao vivo.
Depois disso, veio o Netflix Slam, um confronto amistoso de tênis entre Rafael Nadal e Carlos Alcaraz no final do ano passado. E, há duas semanas, tivemos o confronto de boxe entre Mike Tyson e Jake Paul, quando a plataforma sentiu o poder do esporte de verdade. Cerca de 60 milhões de residências acessaram a luta simultaneamente em todo o mundo.
Como referência, esta é praticamente a metade da quantidade de pessoas que assiste ao Super Bowl pela TV no mercado norte-americano. Parece pouco, mas, levando-se em consideração que a plataforma reúne pouco mais de 280 milhões de assinantes globalmente, chegamos à conclusão que 1 em cada 4 assinantes da Netflix estava sintonizado na luta.
Vale destacar também que esta foi a primeira vez que foram relatados problemas de acesso e queda de sinal da principal plataforma de streaming do mundo, o que mostra a força do esporte ao vivo. Até por isso, Tyson x Paul serviu de teste para as duas principais aquisições da Netflix até aqui no universo esportivo, os jogos de Natal da NFL e a WWE (acordo sobre o qual escrevi esta coluna em janeiro deste ano).
No dia 25 de dezembro, a plataforma exibirá dois jogos da NFL (Kansas City Chiefs x Pittsburgh Steelers e Baltimore Ravens x Houston Texans), o que deve levar um número enorme de usuários a acessar o serviço de streaming simultaneamente. Será uma prova de fogo para a equipe de tecnologia para que tudo funcione direitinho e a experiência do usuário seja positiva, mesmo com uma expectativa de público maior do que a luta Tyson x Paul.
Com relação à WWE, apesar da popularidade da liga aqui no Brasil não acompanhar outros mercados como o México e a Índia, o canal dela no YouTube, que já foi o maior do mundo, hoje está em décimo lugar, muito à frente de qualquer liga de futebol ou qualquer outro esporte. Os números são impressionantes, com 105 milhões de seguidores e consumo mensal de mais de 600 milhões de minutos. A partir de janeiro, justamente esta liga de lutas é que será o primeiro evento esportivo cuja temporada completa será exibida na Netflix, com conteúdo ao vivo e muita coisa sob demanda também.
Parece que a Netflix finalmente entendeu o valor do esporte para o seu negócio e resolveu abrir a carteira. NFL e WWE não serão os últimos movimentos na área com toda certeza. E agora que a especulação de quando a plataforma investiria no esporte já acabou, vamos para a próxima: qual será o próximo investimento da Netflix no esporte? Seguindo a onda das casas de apostas… em que você apostaria?
Evandro Figueira é vice-presidente da IMG Media no Brasil e escreve mensalmente na Máquina do Esporte