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À vésperas da Copa do Mundo de 2026, Fifa é alertada sobre políticas anti-imigração de Trump

Cerca de 90 organizações enviaram carta à entidade máxima do futebol pedindo que ela se posicione contra excessos cometidos pelo presidente norte-americano

Donald Trump, presidente dos Estados Unidos, em revista às tropas - Reprodução / Instagram (@realdonaldtrump)

Nos últimos anos, os Estados Unidos voltaram suas atenções ao futebol, investindo no desenvolvimento de suas ligas locais, que atraíram craques como Lionel Messi, e também se convertendo em sede de grandes eventos desse esporte, que por lá é conhecido como “soccer”.

Sede da Copa do Mundo de Clubes de 2025, a nação norte-americana também receberá diversos jogos, incluindo a grande final, de outra competição promovida pela Federação Internacional de Futebol (Fifa).

A Copa do Mundo de 2026 terá os Estados Unidos como sede, juntamente de México e Canadá. A escolha dos países foi anunciada em 2022, época em que a terra do “Tio Sam” era governada pelo democrata Joe Biden.

No ano passado, o país passou por uma troca de comando, com a eleição do republicano Donald Trump. Uma das principais marcas do governo do novo presidente consiste nas políticas anti-imigração, uma de suas principais promessas de campanha.

País com maior Produto Interno Bruto (PIB) nominal do mundo, os Estados Unidos têm, ao longo de várias décadas, atraído milhões de imigrantes vindos de diversas regiões pobres do planeta, em especial da América Latina, por conta da proximidade com o território norte-americano.

Desde que chegou ao poder, Trump tem adotado uma série de ações visando identificar, prender e deportar uma parcela desses imigrantes, sob o argumento de que eles estariam vivendo ilegalmente no país.

Grupos de defesa dos direitos humanos que atuam nos Estados Unidos vêm denunciando abusos que estariam sendo cometidos pelas autoridades, nessas operações.

Nesta terça-feira (1), cerca de 90 entidades sediadas no país enviaram uma carta endereçada ao presidente da Fifa, Gianni Infantino, expressando “profunda preocupação” com as políticas anti-imigração do governo Trump.

No documento, as entidades de direitos humanos alertam que a Fifa corre o risco de se tornar uma “ferramenta de relações públicas para encobrir a reputação de um governo cada vez mais autoritário”.

As entidades que assinam o documento pedem à Fifa que exorte publicamente o governo Trump, para que reverta as políticas anti-imigração introduzidas pelo atual presidente.

A carta conjunta é coordenada pela FairSquare, organização de pesquisa e defesa focada na responsabilidade no esporte e nos direitos humanos, e a coalizão Dignity 2026.

O documento conta com endossos de entidades como a União Americana pelas Liberdades Civis (Aclu), o Centro de Direitos Humanos e Direito Constitucional, a NAACP, o Centro para Vítimas de Tortura, o Centro de los Derechos del Migrante, a Anistia Internacional dos EUA e a Human Rights Watch, além de oito grupos de torcedores e uma série de sindicatos e organizações que representam trabalhadores em cidades que sediarão jogos na Copa do Mundo de 2026.

“O governo Trump tem buscado agressivamente uma campanha sistemática contra os direitos humanos para atingir, deter e desaparecer com imigrantes em comunidades nos Estados Unidos – inclusive em cidades onde a Copa do Mundo acontecerá”, disse Jamil Dakwar, diretor do programa de direitos humanos da Aclu.

“A própria política da Fifa afirma que eles alavancarão suas relações comerciais para mitigar os impactos adversos aos direitos humanos – e é fundamental que eles exerçam essa influência para encorajar o governo dos Estados Unidos a proteger não apenas os direitos dos visitantes estrangeiros, mas também os direitos dos muitos imigrantes que já vivem, trabalham e contribuem para as comunidades selecionadas para recebê-los”, prosseguiu.

Quais são os pontos de alerta

Entre os pontos de alerta indicados na carta está a possibilidade de pessoas sem cidadania dos Estados Unidos serem impedidas de entrar no país, de maneira arbitrária, correndo o risco ainda de serem detidas ou deportadas.

O risco de detenção ou deportação para indivíduos que expressam opiniões divergentes ao governo Trump é outro aspecto crítico trazido pela carta, que também faz menção ao suposto tratamento cruel, desumano e degradante que vigoraria em centros de detenção de imigrantes nos Estados Unidos.

Por fim, o documento também lembra que o governo do país impôs restrição ou proibição de entrada em seu território para moradores de 19 países.

Nesta semana, por exemplo, a Federação Cubana de Vôlei informou que 16 membros da delegação de sua seleção feminina tiveram vistos negados pelos Estados Unidos e não poderão participar do Norceca Final Four, que ocorrerá de 16 a 21 de julho em Porto Rico, ilha no Caribe que é território estadunidense.

O caso é mais um episódio do recrudescimento das ações adotadas pelo governo de Donald Trump, que busca fortalecer sua interlocução com segmentos do eleitorado que se posicionam mais à direita.

“Pessoas de todas as nacionalidades devem poder viajar para os Estados Unidos sem medo de negação arbitrária de entrada, detenção arbitrária ou deportação sem o devido processo; as pessoas nos Estados Unidos devem poder exercer seu direito à liberdade de expressão sem medo de detenção arbitrária e deportação; e as comunidades de imigrantes não devem viver com medo perpétuo das invasões do CBP e do ICE. Se a Fifa continuar em silêncio, não apenas milhões serão colocados em risco, mas a marca Fifa também será usada como uma ferramenta de relações públicas para encobrir a reputação de um governo cada vez mais autoritário”, afirma a carta.

Fifa deve “lavar as mãos”

Por mais que a carta tenha conseguido mobilizar um número significativo e representativo de entidades nos Estados Unidos, a tendência é que a Fifa opte por “lavar as mãos” e permanecer em silêncio diante das possíveis arbitrariedades contra os direitos humanos, que são denunciadas no documento.

A postura histórica da entidade máxima do futebol mundial sempre seguiu por essa linha, tanto no passado quanto em tempos mais recentes.

Em 1978, por exemplo, a Fifa promoveu uma Copa do na Argentina, enquanto o país sul-americana vivia o auge de uma ditadura militar que assassinou cerca de 30 mil pessoas.

Fatos como tortura, sequestros de bebês, homicídios, censura ou perseguição a opositores não foram capazes de comover a cartolagem mundial, que permaneceu em silêncio diante de todos esses abusos contra os direitos humanos, que eram cometidos no porões da ditadura, enquanto a bola rolava solta nos estádios.

Alguns poderão alegar que os tempos eram outros e que o mundo mudou. Em 2022, porém, a Fifa não titubeou em promover uma Copa do Mundo no Catar, ignorando as inúmeras denúncias de violações aos direitos humanos, especialmente de mulheres, pessoas LGBTQIA+ e opositores do governo.

De quebra, a Fifa ainda proibiu seleções como Inglaterra, Holanda e Alemanha de utilizarem no Mundial uma braçadeira de capitão que trazia as cores do arco-íris e a frase “One Love”.

Em 2025, a entidade promove a Copa do Mundo de Clubes nos Estados Unidos, enquanto o país é agitado por uma série de protestos contra as medidas adotadas pelo governo Trump.

Isto sem contar que, em 2034, a Fifa levará a Copa do Mundo para a Arábia Saudita, monarquia absolutista que também é criticada pela perseguição a mulheres, pessoas LGBTQIA+, minorias religiosas e opositores do regime.

A propósito, o Fundo de Investimento Público (PIF, na sigla em inglês), da Arábia Saudita, é um dos parceiros da Fifa na Copa do Mundo de Clubes de 2025.