O presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), Samir Xaud, oficializou, na última sexta-feira (25), a criação do Grupo de Trabalho (GT) que estabelecerá as regras de fair play financeiro para o futebol do país.
A iniciativa já havia sido noticiada com exclusividade pela Máquina do Esporte, no mês passado. A única alteração é que, em vez de 36 times inicialmente aguardados, agora serão 32 clubes (das Séries A e B do Brasileirão) envolvidos na elaboração de medidas com o objetivo de reduzir o fosso financeiro no futebol do país e garantir maior governança aos clubes.
Participarão do GT do Fair Play Financeiro: América-MG, Atlético-MG, Athletic-MG, Athletico-PR, Avaí, Bahia, Botafogo, Botafogo-SP, Ceará, Chapecoense, Corinthians, CRB, Cruzeiro, Ferroviária, Flamengo, Fluminense, Fortaleza, Goiás, Grêmio, Internacional, Juventude, Mirassol, Novorizontino, Palmeiras, Paysandu, Red Bull Bragantino, Remo, Santos, São Paulo, Sport, Vasco e Vitória.
O fair play financeiro era uma das principais promessas de campanha de Samir, que foi eleito para o comando da entidade máxima do futebol em maio deste ano, na condição de candidato único, tendo o apoio de 25 das 27 federações estaduais.
Divisão de receitas
Por ironia ou obra do acaso, o lançamento do GT do Fair Play Financeiro ocorre em meio a uma polêmica sobre a divisão mais igualitária das receitas comerciais e de mídia entre os clubes, condição que é considerada fundamental para a criação de uma liga unificada no Brasil.
O debate é protagonizado por dirigentes de Flamengo e Palmeiras, dois clubes que participarão do grupo liderado pela CBF.
Há cerca de duas semanas, em entrevista concedida à TV do clube, o presidente do Flamengo, Luiz Eduardo Baptista, mais conhecido como Bap, disse que não aceita a distribuição igualitária das receitas prevista no memorando de entendimento (Memorandum of Understanding ou MOU, na sigla em inglês) que está sendo discutido entre os dirigentes da Liga do Futebol Brasileiro (Libra) e a Liga Forte União (LFU).
Bap se recusou a assinar o documento, alegando que os termos acarretariam em perdas financeiras para o clube.
“Sabe quando que eu vou aceitar que eu receba no máximo 3,5 vezes a mais do que quem é pequeno? Nunca. Nunca, não vai acontecer esse acordo nestas condições”, afirmou.
“Isso é um processo de desapropriação de um ativo que é nosso, por nenhuma razão, por nenhum mérito, nenhum critério que possa ser aventado”, prosseguiu Bap, que ainda conclamou torcedores de Corinthians, São Paulo, Vasco e Palmeiras a não aceitarem o acordo previsto no MOU.
A presidente do Palmeiras, Leila Pereira, reagiu às declarações do cartola rubro-negro. Em entrevista ao programa CNN Esportes S/A do último dia 20 de julho, a dirigente afirmou que ninguém é maior do que o futebol brasileiro.
“Eu jamais vou achar que o Palmeiras é maior do que o futebol brasileiro, porque nenhum é. Eu penso diferente do presidente do Flamengo”, afirmou ela.
“Não adianta o Palmeiras jogar com clubes completamente quebrados. Se quisermos um produto forte, que interesse o mercado exterior, precisamos fortalecer a todos”, defendeu a dirigente.
Como funciona no exterior
O modelo de divisão de receitas previsto no MOU elaborado por Libra e LFU, que tantos calafrios provoca em Bap, é menos igualitário, por exemplo, que o da Premier League, competição nacional de futebol mais rica do planeta.
Na temporada 2023/2024 da primeira divisão inglesa, a diferença nas receitas compartilhadas distribuídas ao campeão e ao último colocado foi de apenas 1,6 vez.
Naquele ano, o Manchester City, ganhador do título, recebeu da Premier League £ 175,9 milhões, enquanto o lanterna Sheffield ganhou £ 109,7 milhões.
Além disso, as principais ligas da Europa possuem regras que buscam impedir os clubes de estourarem os gastos com contratações e folha de pagamento, embora casos como o do Manchester City (que enfrenta processo por supostamente maquiar suas finanças, ao contabilizar como patrocínios da Etihad Airways recursos que, na verdade, representariam aportes feitos pelos donos do City Football Group) demonstram que o fair play financeiro está longe de ser infalível.
Nas grandes ligas do Estados Unidos, a divisão de receitas compartilhadas obtidas pelas organizações esportivas (direitos de mídia, licenciamento, acordos comerciais) é totalmente igualitária.
Segundo o relatório financeiro divulgado pelo Green Bay Packers, a National Football League (NFL) distribuiu US$ 432,6 milhões a cada franquia, na última temporada.
Essa quantia (de R$ 2,42 bilhões, pela cotação atual) equivale ao dobro de todo o faturamento bruto obtido pelo Flamengo no ano passado, que, segundo informações do Relatório Convocados/Outfield 2025, ficou em pouco mais de R$ 1,28 bilhão.
Nas ligas norte-americanas, as regras de fair play financeiro também garantem às equipes com piores classificações no campeonato o direito de exercerem as primeiras escolhas no draft, que é a seleção dos jovens atletas vindos dos esportes universitários.
Além disso, as organizações impõem tetos salariais aos times. No caso da National Basketball Association (NBA), caso a franquia ultrapasse o limite, fica sujeita a uma punição chamada “luxury tax”.
Todo o valor arrecadado com essa cobrança é redistribuído entre as demais equipes da liga. Para termos de comparação, no Brasil o Flamengo, atual líder do Brasileirão da Série A, com 36 pontos, foi o clube que mais gastou em contratações entre as temporadas 2020 e 2024, com o acumulado de R$ 1,3 bilhão investidos.
Em contrapartida, o Juventude, penúltimo colocado da competição deste ano, gastou R$ 18 milhões no mesmo período para renovar seu elenco. O investimento da equipe rubro-negra com pessoal em 2024, segundo o Convocados/Outifield, foi de R$ 605 milhões, enquanto os do Juventude ficou em R$ 67 milhões.
