O Brasil é um país de muitos ídolos no mundo esportivo. Pelé e Ayrton Senna estão entre os mais lembrados (e incontestáveis), mas a cada geração novos nomes são elevados a esta condição. Antes de mais nada, porém, é preciso definir o que é ser um ídolo. A definição do dicionário é básica: um ídolo é uma pessoa admirada, amada ou venerada por muitos, em decorrência de suas qualidades, realizações, caráter ou influência positiva.
Muita gente ainda acrescenta no alvo de sua idolatria um caráter de herói, aquele que, indo além da definição enciclopédica de “ser extraordinário por seus feitos, valor ou magnanimidade”, representa um padrão de valor, tem a capacidade de satisfazer à necessidade de um povo, encarna os valores que simboliza. Ser ídolo e ser herói, portanto, são fatos que se misturam.
Mas como, efetivamente, esse status é adquirido? Primeiro, de fato, pelas conquistas. À medida que um atleta vai acumulando resultados incríveis, medalhas, títulos, provas memoráveis (mesmo aquelas que não vence, mas se esforça o máximo que um ser humano pode na tentativa de fazê-lo), lances e movimentos inesquecíveis que ficam gravados na mente de quem os vê, a admiração cresce de maneira orgânica e é exponencial, ainda mais nos dias de hoje, por conta da exposição midiática e pelo registro de tais feitos.
As histórias de vida de cada atleta, as formas com as quais ele ou ela lida com as adversidades da vida, também geram identificação com o público, fazendo com que parte dele não só torça pelo sucesso daquela pessoa pelas conquistas que ela trás para si e para seu país, cuja imagem acaba sendo levada de maneira positiva a cada boa apresentação dela, como também de alguma forma se projetando no próprio ídolo, partilhando com ele o sentindo de conquista, comemorando a vitória como se fosse sua. E, de fato, isso acaba acontecendo: a vitória de um ídolo faz com que seu público se sinta vitorioso junto dele, e o próprio ídolo ganha força da torcida e boas vibrações de seus admiradores, em uma espécie de círculo virtuoso.
A forma com a qual o atleta lida com toda essa exposição e admiração também é um dos fatos fundamentais para que efetivamente ele seja alçado à posição de ídolo. Como ele ou ela trata (ou destrata) os fãs influencia diretamente na percepção que eles têm daquela pessoa e, consequentemente, amplia ou reduz a admiração. Não que ídolos sejam ou devam ser unanimidade, mas com certeza o jeito de ser de cada um deles pode reduzir ou aumentar eventuais rejeições.
A humildade, em algum grau, acaba sendo relevante até mesmo porque ninguém se autoproclama, aceita ou assume oficialmente o “posto” de ídolo. Não cabe a uma pessoa determinar se fulano ou beltrana é um ídolo nacional: os fatos fazem isso. Como recentemente revelou o ex-tenista Fernando Meligeni no Maquinistas, podcast da Máquina do Esporte, nosso querido Gustavo “Guga” Kuerten (sem dúvida um dos ídolos brasileiros do tênis) afirmava que um esportista pode até ser “arrogante” por dentro, sabendo que tem condições de vencer, que vai derrotar o adversário. Por fora, contudo, a humildade é fundamental, até mesmo para que se reconheça os próprios erros e se aprenda com eles.
Então, efetivamente, ninguém se autodetermina ou “assume” ser ídolo. Quem define isso são os admiradores, muitas vezes na casa dos milhares ou dos milhões, dentro e fora do país de origem daquele esportista.
E idade para ser ídolo, conta? A rigor, não, mas é óbvio que é necessário ter “tempo de jogo”, pois grandes conquistas e exposição demandam tempo de vida. Pelé, por exemplo, foi convocado para a seleção brasileira na Copa do Mundo de 1958 quando tinha apenas 17 anos, por insistência do técnico Vicente Feola e contrariando a avaliação inicial da então Confederação Brasileira de Desportos (CBD), atual Confederação Brasileira de Futebol (CBF). O então menino tinha marcado 58 gols no Campeonato Estadual, era um prodígio, mas ainda não era um ídolo ao ser convocado. Contudo, com certeza começou a se tornar um ali.
Inicialmente no banco de reservas, o jovem ganhou uma chance na 3ª rodada da fase de grupos e acabou não saindo mais. Marcou seis gols na competição e disputou a final da Copa, marcando dois contra a Suécia na decisão vencida pelo Brasil por 5 a 2. Nascia ali o “Rei Pelé”.
Aliás, vale aqui um parêntese. Na consciência e no conhecimento coletivo da nossa sociedade, ídolos têm “duração” como tal, muitas vezes de maneira injusta e até cruel. Pelé e Senna ainda são e serão lembrados por muito tempo. Mas e a grande Maria Esther Bueno, com seus quase 600 títulos internacionais de tênis e primeira mulher brasileira a ganhar um Grand Slam?
E Adhemar Ferreira da Silva, primeiro bicampeão olímpico do país e tricampeão do salto triplo nos Jogos Pan-Americanos, além de ter atuado no filme franco-italiano Orfeu Negro, que venceu o Oscar de filme estrangeiro em 1959? Sem dúvida grandes ídolos do esporte brasileiro, mas quantas pessoas saberiam reconhecê-los hoje em uma foto exibida no centro de São Paulo? Muitas vezes, o Brasil se esquece de seus ídolos.
Tudo isso dito e feito, quem são os ídolos do esporte brasileiro atualmente? Não tenho dúvida de que há aqueles que iniciaram uma caminhada neste sentido e que, torço, alcançarão, em breve, esse patamar. O tenista João Fonseca, por exemplo, está entre eles. Vinicius Júnior, sem dúvida, tem um potencial que pode desabrochar nesse sentido, assim como Gui Santos, atualmente o único jogador de basquete brasileiro na NBA. O tempo dirá.
Acredito, contudo, que a ginasta Rebeca Andrade, hoje, preenche todos os critérios aqui expostos. Tem grandes conquistas no esporte, entre as quais se destaca o fato de ser a maior medalhista olímpica do país na história dos Jogos, com seis medalhas, dentre as quais duas de ouro individuais. E ainda foi a primeira mulher brasileira a receber o prêmio Laureus, considerado o “Oscar dos Esportes”.
Mulher negra, de periferia, ela tem uma história de superação na vida e no esporte, com a qual inúmeros brasileiros se identificam. Com milhões de fãs no Brasil e no mundo, é reconhecida aonde vai e faz questão de parar para conversar com quem a aborda, sempre simpática e humilde. Hoje, Rebeca Andrade é, indubitavelmente, o maior ídolo do esporte brasileiro em atividade. Quem diz não sou eu, são os fatos.
Como fã de esportes, tenho orgulho de me incluir entre os milhões de fãs de Rebeca. E tenho certeza de que, em breve, outros ídolos também surgirão ou se consolidarão com tal status.
Danielle Von Schneider é fundadora e CEO da Agência de Atletas, empresa responsável pelo gerenciamento de carreira e imagem de atletas como Rebeca Andrade, Duda Lisboa, Rafaela Silva, Bia Souza, Ana Marcela Cunha, Gui Santos, Bruno Fratus e Alison Mamute, entre outros
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