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Entre cripto e tradição: Entenda por que a Tether tentou comprar a Juventus

Notícia gerou debate mundo afora sobre o futuro estratégico de uma das marcas mais tradicionais do futebol europeu

Zagueiro brasileiro Bremer em ação durante partida da Juventus pela Serie A Italiana - Divulgação / Juventus

A Juventus recebeu uma proposta de € 1 bilhão da Tether para a aquisição do controle do clube, notícia que gerou debate mundo afora nos últimos dias sobre o futuro estratégico de uma das marcas mais tradicionais do futebol europeu. Abaixo, a Máquina do Esporte traz uma abordagem sobre o que esta oferta (e recusa) representa para clube e marca.

A oferta

Na última sexta-feira (12), a oferta da Tether pela Juventus de cerca de € 1 bilhão incluía ainda o compromisso de um investimento adicional de mais € 1 bilhão voltado ao desenvolvimento esportivo e estrutural do clube. A resposta da família Agnelli, controladora da Juventus por meio da holding Exor, que também controla a Ferrari e a Stellantis, foi imediata: “A Juventus, a nossa história e os nossos valores não estão à venda”.

O que é a Tether e um “stablecoin”?

Fundada por italianos, a companhia tem à frente Giancarlo Devasini, nascido em Turim, e Paolo Ardoino, CEO que se declara torcedor do clube e já é acionista relevante da Juventus, com 11,5% das ações após compras realizadas ao longo deste ano (veja a composição acionária). A empresa é dona do USDT, a maior “stablecoin” do mundo, uma criptomoeda atrelada ao dólar e usada por centenas de milhões de pessoas, com reservas alocadas principalmente em títulos da dívida norte-americana, em volume superior ao de países como o Canadá (saiba mais). Apesar da escala e da rentabilidade, a Tether ainda convive com questionamentos recorrentes sobre transparência, o que ajuda a contextualizar a cautela do mercado diante de movimentos fora do setor financeiro.

Aprofunde-se no tema com esta leitura

Valuation: A proposta faz sentido?

A proposta feita para a Juventus embutia um prêmio de cerca de 21% sobre o preço das ações, o que chega ao valuation de € 1 bilhão mencionado e que teve efeito imediato no mercado: mesmo após a recusa da família Agnelli, as ações da Juventus subiram 18,5% no pregão seguinte. Em termos relativos, a oferta não foge do padrão recente do futebol europeu, ficando próxima do valor da venda do compatriota Milan, em 2022, por US$ 1,3 bilhão, e abaixo da compra do Atlético de Madrid pela Apollo Asset Management, avaliada em US$ 2,6 bilhões, nas últimas semanas.

Situação financeira da Juventus

Desde 2020, a Juventus acumulou quase € 1 bilhão em prejuízos antes dos impostos, com perdas concentradas principalmente nos últimos cinco anos. Apenas em 2024, o déficit superou € 190 milhões. Além disso, o clube não registra lucro líquido desde 2017, tem sido sustentado, em grande medida, por aportes recorrentes da Exor, e tem suas receitas no mínimo estagnadas. Nesse contexto, uma proposta que combinava liquidez imediata e promessa de investimento estrutural não apareceu agradar.

O que quer dizer a oferta (e a recusa)?

Para além do preço, o interesse da Tether aponta para uma leitura mais ampla do futebol como infraestrutura de alcance global. A empresa sinaliza enxergar na Juventus uma plataforma para conectar tecnologia financeira a públicos ainda pouco monetizados, especialmente em mercados emergentes.

O uso de “stablecoins” em pagamentos, engajamento e fidelização dentro do mercado esportivo já está no radar do setor e pode ganhar tração ao longo do tempo (e à medida que algumas regulações se alteram). Nesse contexto, a Juventus pode servir menos como fim e mais como meio para testar alguns modelos e validar o produto da Tether.

A recusa da família Agnelli, por outro lado, não encerra o debate e reafirma um modelo de controle enraizado na tradição e identidade, mas também expõe um dilema de até quando grandes clubes conseguirão esticar a corda das receitas sem perder o controle da gestão (algo que, guardadas as devidas proporções, também vem acontecendo aos poucos no Brasil).

Mesmo sem a aquisição, a oferta acabou por “reprecificar” a Juventus e mostra mais uma vez que o futebol (ao menos o europeu) de elite segue atraindo atores vindos de fora do sistema tradicional, e agora também da fronteira entre tecnologia e finanças.

O conteúdo desta publicação foi retirado da newsletter semanal Engrenagem da Máquina, da Máquina do Esporte, feita para profissionais do mercado, marcas e agências. Para receber mais análises deste tipo, além de casos do mercado, indicações de eventos, empregos e mais, inscreva-se gratuitamente por meio deste link. A Engrenagem conta com uma nova edição todas as quintas-feiras, às 9h09.