Quando se trata de bom exemplo a ser seguido em gestão de esporte, a Espanha é frequentemente apontada. Sede dos Jogos Olímpicos de 1992, o país se transformou desde então, e hoje é uma potência esportiva. Uma das entidades que acompanhou esse processo de perto, a Fundação Valência, chegou ao Brasil com parceria com a Unimonte e a Mozel Gestão Educacional, e dará um curso de MBA sobre o assunto.
O coordenador da fundação, Jorge Coll, conversou com a Máquina do Esporte. Maurício Fragata, proprietário da Fragata MKT, acompanhou a entrevista e também fez perguntas para o espanhol.
Para Coll, sua chegada ao Brasil vem em um momento que o país precisa de novos cursos e possibilidades de formação em gestão do esporte. Com o know-how adquirido, o país estaria apto a receber outros grandes eventos com uma maior capacidade de gerenciá-los com a iniciativa privada. “Essa formação foi o principal caminho para chegar onde estamos”, taxou ao relembrar as duas últimas décadas da Espanha.
Durante os Jogos Olímpicos de 1992, a maior parte da organização ficou nas mãos de dinheiro público, mas os eventos futuros conseguiram se armar com o suporte de empresas. “A iniciativa pública deve aparecer para facilitar o papel das empresas, para dar a possibilidade de entrar nesse setor, com um marco normativo e fiscal adequado”, sugeriu. Sua cidade, Valência, foi palco da Copa América de Vela e recebe anualmente um circuito da Fórmula 1.
Em seu curso no Brasil, denominado de “The Academy Brasil”, a proposta de Jorge Coll é que a grade consiga compreender os ensinos teóricos, mas com pessoas que estejam no mercado e convivam com a gestão esportiva. Esse já é uma dos objetivos da formação na Espanha, mas no Brasil esse fator ganha importância, já que a realidade das teorias precisam passar por um processo de adaptação à realidade brasileira.
Leia a entrevista na íntegra:
Máquina do Esporte: Qual é o interesse que tem a fundação Valência em vir para o Brasil, criar o curso e poder trabalhar a formação de gestores?
Jorge Coll: Em primeiro lugar, o Brasil é um país de quase 200 milhões de habitantes que receberá grandes eventos esportivos em breve. Nós formamos gente na Europa, com a fundação e o suporte de outras escolas na França para o mundo do esporte. Nesse momento, o Brasil é um país que demanda trabalhadores. Vocês estão em um período de crescimento, enquanto a Europa está em uma época de crises. Em um primeiro momento, nós também poderíamos ser exportadores de mão de obra, de pessoas que querem conhecer a realidade do Brasil e, sobretudo, poder transferir conhecimentos. Nós temos um know-how de vinte anos em cursos na Espanha, e estamos transferindo todo esse conhecimento com esse MBA que nós teremos no Brasil.
ME: Como a gente pode traçar o momento do Brasil com o que era a Espanha em relação ao esporte há vinte anos? É uma realidade semelhante?
JC: Teria que conhecer melhor o Brasil para poder responder essa pergunta. O que eu posso deduzir, pelo o que vejo e leio, é que dá sim para traçar um paralelo. A Espanha se transformou com os grandes eventos esportivos. Não só em infraestrutura, mas em imagem internacional, em credibilidade, em confiança do próprio país com as suas possibilidades. E isso certamente pode ocorrer igualmente aqui. Na época eu fiz um trabalho importante, naquele momento, de planificação estratégica, com força na formação. E eu acho que essa deve ser a aposta. Modestamente acho que a formação é a aposta, por isso queremos estar aqui.
ME: Como a cidade de Valência se beneficiou e se preparou ao longo dos anos para o crescimento do esporte na Espanha?
JC: Valência, há muitos anos, tem uma mesma política, com um plano estratégico para o esporte da região e um posicionamento claro para o seu desenvolvimento por meio do esporte. Lógico que o esporte e os grandes eventos são uma locomotiva. Eles abrem a possibilidade de Valência receber a Copa América de Vela, a primeira no continente europeu, e abrem para outros grandes eventos esportivos do mundo. Surge a etapa europeia de Fórmula 1. Com eles vêm uma série de empresas interessadas. E se unem a elas a possibilidade de negócios para pequenas empresas, com congressos. E é uma estratégia de trabalhar o esporte não só de alto rendimento, mas de base, com instalações nos bairros. Ou seja, o desenvolvimento com o esporte vai para a estrutura e para os recursos humanos.
Maurício Fragata: O Valência pretende entrar no Brasil com outras ações com a marca e o clube Valência, outras ações que não sejam educacionais?
JC: É uma pergunta que quem deve responder são os responsáveis pelo clube. Eu lhe digo que do ponto de vista educacional, sim. O primeiro produto educacional que vamos entrar é o mestrado, mas vamos entrar com outros tipos de produtos, com formação online e outros tipos de ações. Em nível estratégico, do ponto de vista educacional, sim. Do ponto esportivo, não posso responder.
ME: Qual foi o papel da iniciativa pública, da cidade, no apoio ao esporte?
JC: Acho que isso foi em outra época, para chegar ao que está. Nós desenvolvemos cursos de gestão no esporte, com estudos sobre o assunto na universidade. Primeiro exemplo: na Copa América de Vela se instala no porto de Valência, que não era uma área desenvolvida na cidade e eles conseguiram transformar a região. Eles transformaram a fachada da cidade. Como conseguiram? A iniciativa pública desenvolveu um planejamento para atrair algo para chegar a isso. A iniciativa política conseguiu levar a competição a Valência, conseguiu que se trouxesse a Fórmula 1, mas o restante foi pago pela iniciativa privada. Se quer saber minha opinião, a iniciativa pública deve aparecer para facilitar o papel das empresas. Para a possibilidade de entrar nesse setor, com um marco normativo e fiscal adequado, e trazer locomotivas. Eventos como o Brasil vai receber, Jogos Olímpicos e Copa do Mundo, trazem essas locomotivas que as empresa podem assumi-las. Na Espanha, surgiram uma série de pequenas empresas que trabalham com o esporte, e no Brasil essa oportunidade também está surgindo.
ME: Os Jogos Olímpicos de Barcelona tiveram um investimento público muito grande para se realizar, assim como acontecerá no Rio de Janeiro. Um evento desse tamanho pode ser usado como um primeiro passo para depois a iniciativa privada seguir? Se não houver uma formação não dá certo?
JC: Eu entendo que um evento como os Jogos Olímpicos, não só o seu final, mas o seu início também, ou seja, no seu planejamento, não se pode ver como um evento efêmero, porque não se acaba com os anos. Isso tem que ser um propulsor, uma ponta do início. A Barcelona de hoje teve início nos Jogos Olímpicos. Falamos da Copa América de Vela e a reforma no porto foi um início de desenvolvimento, não o seu fim.
ME: E a Copa América foi paga como?
JC: Foi um consórcio. Foi o governo da Espanha, da região e a iniciativa privada. Teve as duas partes.
ME: O esporte ainda não se vê como uma plataforma de negócio em muitos lugares, e o Brasil é um exemplo onde isso é muito pequeno. Como é a realidade na Espanha e como isso tem mudado os negócios do esporte? Houve uma evolução nesse período?
JC: Parto da base que existem escolas que se chamam Business Sport. O esporte em si deve ser um negócio. Investir por caridade no esporte não entra nesse esquema. Na Espanha, hoje há uma realidade diferente porque estamos passando por uma profunda crise. Mas é verdade que o esporte é um mercado que se passa bem, que se pode ter rentabilidades importantes. Em Valência, que é onde eu conheço melhor, há microempresas, pequenas empresas que fazem marketing esportivo há 20 anos. O que sustenta o mercado do esporte, segundo o meu ponto de vista, é oferecer muitos nichos de mercado. Temos uma globalização, mas temos especialização. Temos coisas muito específicas para coisas muito específicas. E esse nichos de mercado eu acredito que é para onde devem ir as pequenas empresas. Então quem tem formação, visão estratégica, pode ver muitas oportunidades no mercado com esses nichos.
Maurício Fragata: A realidade econômica de Brasil e Espanha está invertida. Mas os clubes de futebol no Brasil pararam no tempo. Os gestores não são gestores, são políticos. Como vocês fizeram para transformar isso?
JC: Realmente, acredito que a transformação seja criar modos de mercantilizar ou criar uma lei com fiscalização para que os gestores sejam responsáveis pela sua gestão. Em minha opinião, eu acredito que a transformação da Espanha, em geral, sobretudo em sua melhora em nível educacional, o país tem hoje os melhores números de sua história, a melhor taxa de educação de nível superior, apesar de ter uma conjuntura econômica difícil. Está aí, esse capital humano. Essa formação foi o principal caminho para chegar onde estamos. Um bom exemplo é a Alemanha, que se sai bem após crises porque seu capital humano está bem formado.
ME: Este ano nós tivemos um predomínio de Real Madrid e Barcelona. Como gestor, atrapalha ter apenas dois times lutando por títulos?
JC: Se me fala em nível esportivo, não é a minha área. Se me fala em nível empresarial, eu creio que isso não seja bom. Eu acredito que a competitividade é o que dá valor.
ME: O que a Fundação Valência consegue trazer para o clube e para o esporte? Qual é o principal legado nessa formação de pessoa?
JC: Um dos principais objetivos era se aprofundar na sociedade, algo mais que o futebol. Eu penso que com os cursos de formação, os MBA, que nós realizamos, com profissionais de alto nível e um preço competitivo, estamos aumentando a formação da Espanha de uma forma geral. A fundação abrange muito mais porque trabalha também com obras sociais, mas com formação, poder dar um curso de alta qualidade. Sobretudo com o nosso ponto forte, que é ter um clube, temos profissionais que estão no dia a dia em aulas teóricas. Uma universidade em geral, claro que há exceções, são excessivamente teóricas. Mas aplicar as teorias, principalmente no Brasil, onde a realidade tem que ser adaptada, exige profissionais que estão no dia a dia.
ME: Hoje é fácil para um estudante da fundação conseguir um emprego na Espanha?
JC: Hoje em dia, com o momento vivido pela Espanha, para ninguém está fácil de conseguir um emprego, em nenhum setor. Mas, sim. Não tenho números, mas é um fato; nossos alunos conseguem emprego na área. A formação no esporte é muita específica, então um profissional bem formado, consegue entrar no mercado.
ME: O modelo americano de gestão é muito diferente do que é feito no restante do mundo?
JC: Não sou um grande conhecedor dos esportes nos Estados Unidos, mas pelo o que eu conheço, eles têm um modelo, um modelo competitivo, compatível com a política educacional daquele país, com os seus valores. Eles dão resultados competitivos e duráveis, mas outros países têm outro modelo. Se é melhor, depende. Se nós temos como objetivo a competitividade, lógico que eles são os melhores do mundo. Se há outro objetivo, talvez não seja o melhor modelo.
ME: Qual é o trabalho que a fundação faz com os atletas que jogam no Valência? Alguns nem são do país, nem conhecem a história do clube. É feito um trabalho para adaptá-los?
JC: Para aquela pessoa que vem de fora, a primeira coisa que fazemos é dar um curso de espanhol. Nesse caso, é um curso personalizado para cada profissional da equipe, dependendo de sua formação, de suas características, por mais complicado que seja, já que ele viaja muito. Assim mesmo, temos atletas que fizeram nosso curso de MBA. De qualquer modo, colaboramos com o departamento de comunicação do clube, para traduções, apresentações da Liga dos Campeões, com sua história e seus patrocinadores.
Maurício Fragata: Os patrocinadores do Valência se envolvem com a fundação? Fazem ações com ela?
JC: Issoé algo voltado ao departamento de marketing do clube. Há vezes que sim, há vezes que não. Depende do momento e dos projetos que podem existir ou não. Mas existe uma predisposição do departamento do clube, coisas que podem ser oferecidas. Não há uma política definida para isso, mas é possível.
ME: Lembra de algum exemplo em que isso aconteceu?
JC: Há muitos exemplos. Mercedes foi um patrocinador da fundação e do clube, mas nós da área de formação não entramos nesse tipo de patrocínio. Nós da formação trabalhamos apenas com critérios universitários, e os critérios de rentabilidade ficam unicamente com o departamento social. A unidade de negócio é absolutamente independente.
ME: Os patrocinadores podem fazer os cursos?
JC: Todos os sócios podem fazer o curso com descontos. Todas as empresas que apóiam, todas as instituições relacionadas. Eles têm 10% de descontos nos cursos universitários.
ME: Eles têm interesse? Procuram o curso para fazer?
JC: Sim, claro. Alguns mais do que os outros, dependendo do curso que fazemos. Por exemplo, nossos cursos de inglês esportivo são praticamente cheios com treinadores da fundação, membros associados e até vereadores.
ME: O ex-atleta se tornar um gestor esportivo é um caminho mais fácil? Ele entende mais do negócio ou não?
JC: Isso é difícil de afirmar. Mas uma coisa importante de ser avaliado é a formação desse atleta que tenta a carreira de gestor esportivo. Acredito que um atleta, assim como em qualquer outra profissão, se tem mais contatos, se tem uma maior preocupação com a imagem, pode entrar em certas áreas. Mas isso vai depender da formação dele.