Quem acompanha meus textos aqui ou nas minhas redes sociais (@fleurysportmkt) sabe que tenho criticado bastante algumas das adoções das tecnologias por trás dos NFTs e blockchains. Até o momento, além dos fan tokens, a maior parte da conversa que ouvi sobre NFT e blockchain nos esportes foi quase inteiramente sobre ingressos seguros e colecionáveis digitais – que ainda não provaram serem apostas de futuro.
Mais recentemente, alguns investidores têm explorado DAOs (organizações autônomas descentralizadas) para comprar propriedade, participações em ligas e equipes. No entanto, acredito que pode haver uma transformação muito maior no horizonte para os negócios de esportes profissionais impulsionados pelo pensamento blockchain, NFTs e Web 3.0: um realinhamento de propriedade e controle entre ligas, proprietários, jogadores e fãs.
A Lentidão da Indústria do Esporte
A indústria do esporte no Brasil é tradicionalmente lenta. Já comentei sobre isso em diversos artigos. Principalmente no que se refere ao conceito de inovação e tecnologia, o esporte brasileiro age de forma retardatária e conservadora. Apostando na crença antiga da fidelidade inigualável do cliente (torcedor) – que já se provou ser um mito –, o esporte sempre evitou planos de longo prazo.
Porém, as marcas hoje não se interessam mais por exposição apenas. O esporte possui o apelo do mercado de massa, uma alta tendência à comercialização (atletas, equipes, ligas e diversas plataformas são atraentes para patrocinadores, mídia e outras partes interessadas no esporte) e permite estar na vanguarda das novas tecnologias e tendências de dados.
Isso é especialmente visível quando a inovação vem “de fora para dentro“, ou seja, quando marcas, patrocinadores, provedores de tecnologia ou outras entidades com apetite comercial tentam utilizar organizações esportivas como veículo para mostrar ou alavancar sua tecnologia e produtos, serviços, experiências ou ofertas transformacionais baseadas em dados.
WEB 3
Muitos falam sobre NFTs e como isso vai mudar o esporte, mas o foco, como comentei no mês passado aqui na Máquina do Esporte, deveria ser nas tecnologias que permitem criar os NFTs, como o blockchain. Por consequência, as entidades esportivas devem estar de olho na Web3. Assim como todos nós.
Primeiro, vamos entender o conceito. Vamos partir da premissa de que a internet moderna começou nos anos 90 (Web1) como uma rede descentralizada construída por e para usuários, enquanto a era seguinte (Web2), entre meados dos anos 2000 a 2020, viu a ascensão de grandes empresas de tecnologia construindo e controlando funcionalidades e serviços avançados.
A Web3 será uma “nova era“. Um conceito que visualiza uma internet descentralizada com funcionalidades avançadas, de propriedade de construtores e usuários. A infraestrutura que permite que a Web3 prospere inclui tecnologia, que está se tornando cada vez mais mainstream, como blockchains, criptomoedas e tokens. A ideia é criar uma plataforma que seja descentralizada de portais como o Google ou o Facebook/Meta.
Algumas das aplicações da Web3 incluem métodos de pagamento, contratos inteligentes, moedas digitais, NFTs (tokens não fungíveis) e até videogames. Ao se afastar do pensamento tradicional de upload de conteúdo on-line, o aplicativo se concentra em transformar as pessoas em usuários mais engajados, ou seja, uma espécie de acionistas, ganhando tokens no sistema blockchain e, assim, ganhando influência sobre como as coisas são operadas.
Mas será que tudo isso é realista?
Muita gente contesta se essa suposta descentralização, esse efeito democrático, não é uma tentativa de investidores de risco de implantar sua visão de uma internet melhor com mais “hype” e marketing do que uma mudança real. Ou seja, seria esse mais um movimento de inovação, que enfatiza altruisticamente a sustentabilidade, mas ainda assim é coberto pela noção capitalista de “onde há dinheiro, há ganância”?
Por exemplo, a 16z, um fundo de capital de risco e um dos maiores defensores do conceito Web3, tem mais de US$ 3 bilhões em ativos sob gestão em empresas de portfólio relacionadas a criptomoedas. Pode servir a um propósito perguntar se isso surpreende alguém.
Vamos traçar um paralelo com os e-Sports. Onde há um mercado e um fluxo de dinheiro, a demanda para obter uma fatia dessa espiral de crescimento econômico normalmente aumentará – especialmente no espaço de tecnologia e dados, onde há um bom potencial de interação e capitalização do “universo dos sonhos“ relacionado ao marketing das gerações mais jovens com experiência em tecnologia, como a Geração Z (tecnologia e dados sempre fizeram parte de suas vidas), com preferências de marca menos manifestadas do que Baby Boomers, Geração X e, até certo ponto, os millennials.
Outro ponto a se debater é se existe uma chance para um novo modelo, onde a tomada de decisão seja verdadeiramente compartilhada, em que não pensemos em inovação e blockchain apenas em termos de melhor monetização de fãs, mas em como isso pode criar um modelo melhor de propriedade e governança entre jogadores, torcedores, executivos e proprietários.
Ironicamente, em um momento em que o mundo pode estar se tornando mais descentralizado, o principal tópico no Brasil é o aumento do capital privado e a propriedade institucional mais centralizada das equipes. Clubes virando SAFs para serem adquiridos por pessoas ou fundos de investimentos, assim como fundos de private equity estão comprando participações de parceria limitada em ligas e, em alguns casos, assumindo ligas inteiras. Estamos olhando para um futuro de curto prazo, em que existem menos proprietários e tomadores de decisão no mundo dos esportes profissionais.
Independentemente do termo em si, no entanto, muitos dos aplicativos em torno da Web3 são uma resposta direta e atual, contínua, à forma como a internet está evoluindo. Embora seja muito cedo para dizer quais impactos reais a longo prazo a Web3 pode ter no negócio dos esportes, há uma convergência de fatores, até agora relativamente independentes da Web3, mas bastante contemporâneos e contextualmente relevantes para a indústria, que acabam gerando benefícios a partir da aplicação do seu conceito.
Para pensar…
É absolutamente necessário que as ferramentas de engajamento de fãs do futuro sejam construídas em blockchains?
Que valor agregado as empresas oferecem em relação às tecnologias substitutas e são fundamentalmente melhores para gerar engajamento ou receita?
Quanto disso é realmente uma estratégia de engajamento de fãs versus uma oportunidade de investir em novos ativos financeiros digitais?
Quais são os benefícios reais para os fãs e para as propriedades esportivas?
A maioria dessas respostas ainda não foi vista, mas, no entanto, há lógica em impulsionar mais capitalização de ativos por meio da digitalização, e isso atende às gerações mais jovens.
Ao longo do mês, falarei mais sobre o assunto nas minhas redes sociais (@fleurysportmkt).
Fernando Fleury é fundador da Armatore Market + Science e escreve mensalmente na Máquina do Esporte