Entre 18 de junho de 2020 e até a promulgação da alteração na Lei Pelé que criou a tal “Lei do Mandante”, apanhamos bastante na Máquina do Esporte por tentar defender o que parecia indefensável: a manutenção da legislação que concedia a mandante e visitante de um evento esportivo o direito de arena dos jogos e, com isso, exigia que os dois vendessem em comum acordo os direitos de mídia de suas partidas.
Fomos acusados de ser contra os clubes, pró-Globo, retrógrados. Os argumentos para acabar com a antiga lei eram quase sempre os mesmos. Ela é moderna, na Europa toda só se faz isso, a lei do Brasil é uma “jabuticaba”, só assim será possível acabar com apagões de jogos, etc.
Não adiantou mostrar que, na Espanha, na Itália e em Portugal, os clubes tinham a lei do mandante e isso detonou um enorme abismo de arrecadação entre os grandes e os pequenos, que tenta desesperadamente ser recuperado agora. Desde 2015 os espanhóis não mudaram a lei, mas criaram outra que torna obrigatória a venda coletiva de direitos de transmissão. Na Itália, dois anos depois, a Lega Calcio ruiu e a Serie A ressurgiu com a obrigatoriedade de vender os direitos em conjunto, acabando com a aberração de que Juventus, Milan e Inter ganhavam 80% da fatia dos direitos de mídia. Em Portugal, a venda coletiva será obrigatória a partir de 2027, quando terminam os contratos individuais vigentes.
Nos três países, a conclusão era óbvia: venda individual para os mandantes gera uma diferença de arrecadação absurda que derruba a cadeia produtiva do futebol.
Mas o Brasil fechou os olhos para isso e adotou meias verdades. Não por acaso, como principais defensores da nova lei estavam os que mais se beneficiam com a mudança: prestadores de serviços para os clubes e entidades esportivas, que passam a se tornar possíveis produtores de imagens das transmissões e, por que não, criam plataformas próprias de transmissão.
Apropriando-se de um discurso de modernização e independência dos clubes, essas agências diziam que o futebol seria mais democrático e menos dependente da mídia com a nova lei.
Pois bem. O Campeonato Mineiro acaba de anunciar um acordo com o Grupo Globo para a transmissão de jogos. Quer dizer. Não é o Campeonato todo. O Cruzeiro, usando a nova lei, já tinha vendido suas partidas como mandante para o grupo O Tempo. Aí, a Globo entrou e negociou. Quis comprar apenas os jogos dos times grandes: vai mostrar a partida quando tiver Atlético, América e Cruzeiro. Dos dois primeiros, o acordo vale para partidas como mandante e visitante. Do terceiro, como não há chance de mostrar o de mandante, fica só o de visitante.
E o Ipatinga x Caldense, como fica? Pois é. Não fica. O clube é livre para não depender da mídia. E fica à mercê da lei da oferta e da procura. Como não se negocia em bloco, compra-se só os jogos que interessam. E o jogo que não se compra? Pois bem. O clube tem que arcar com o custo de produzi-lo. E o torcedor, de pagar a conta para assistir.
Viva a liberdade de escolha! Viva a independência! Viva o livre mercado!
Ops… Não, pera…
Quem é que se beneficia mesmo da Lei do Mandante? Ah, claro! A mídia, que agora só paga por 25 jogos, em vez de mais de 50. E aquelas agências que se dizem modernas e disruptivas, que aparecem, veja só, como solução para os problemas de falta de capacidade de produção audiovisual da partida pelos clubes. Elas recebem pelo seu trabalho. E o clube que se vire para achar quem paga a conta…
A Lei do Mandante acaba de mostrar seu cartão de visitas no mercado brasileiro. Se os clubes não mudarem a mentalidade de forma de negociação de direitos até 2024, quando se encerra o contrato do Campeonato Brasileiro da Série A, será o caos. Uma autêntica jabuticaba.
Não é por força de lei que vamos mudar a dependência da TV Globo no esporte brasileiro. É com um trabalho de união de esforços e pensamento coletivo dos clubes. O basquete faz isso, independentemente da legislação vigente, há mais de dez anos.
O futebol caiu no conto das agências-coach… Não foi por falta de aviso.