No dia 18 de julho, será aberta a janela de transferências do futebol brasileiro. Até 15 de agosto (quando fecha a janela), testemunharemos diversas negociações e contratações de atletas pelos principais clubes nacionais, buscando reforçar seus elencos para a continuidade do Campeonato Brasileiro, da Copa do Brasil e das competições sul-americanas. Em função disso, possivelmente o público se deparará com notícias relacionadas ao transfer ban.
Apesar da expressão em inglês, o transfer ban é um instituto de simples definição no Brasil: proibição de um clube registrar novos jogadores junto ao sistema federativo do futebol. Essa definição se extrai de normas editadas pela própria Confederação Brasileira de Futebol (CBF), em especial o Regulamento Nacional de Registro e Transferência de Atletas de Futebol (RNRTAF) e o Regulamento da Câmara Nacional de Resolução de Disputas (RCNRD), que são de extrema importância na regulamentação do futebol brasileiro.
Como indica o próprio nome, o RNRTAF versa sobre o registro de atletas perante a CBF. Em outras palavras, ali se encontram as condições básicas para que se aperfeiçoe o vínculo federativo entre jogador e clube em nível nacional, o que é indispensável para que o atleta tenha condição de jogo. No caso de um atleta profissional, por exemplo, o registro deve ser acompanhado do seu respectivo contrato especial de trabalho desportivo, o qual deve observar todos os requisitos legais mínimos. A esse respeito, destaca-se o artigo 6º do RNRTAF, que exige que o aludido contrato contenha “o nome do atleta e do clube, com os respectivos números de inscrição, dados da CTPS e CPF do atleta, além do período de vigência contratual, remuneração, cláusulas indenizatória e compensatória desportiva pactuadas nas hipóteses de transferência nacional e internacional”.
Por sua vez, o RCNRD regulamenta o funcionamento da Câmara Nacional de Resolução de Disputas (CNRD) da CBF, bem como os procedimentos sob sua competência, a qual se define no artigo 3º do RCNRD e abarca diversos litígios de diferentes naturezas que envolvem clubes, atletas e intermediários. Em linhas gerais, pode-se dizer que a maior parte desses litígios é de natureza patrimonial, envolvendo cobrança de valores de parte a parte. Portanto, não se confundem, sob nenhuma hipótese, com aqueles de natureza disciplinar cujo processamento compete à Justiça Desportiva.
Embora os escopos de cada um desses regulamentos sejam absolutamente distintos, ambos são igualmente importantes para a compreensão do transfer ban e de sua aplicação. Do RNRTAF se extrai, de maneira abrangente, a importância desse tipo de sanção: uma vez que um clube fica proibido de registrar novos jogadores, encontra-se impedido de efetivamente reforçar sua equipe. Cuida-se de uma sanção estritamente associativa, que não interfere na capacidade civil do clube de celebrar contratos, portanto não se trata de uma proibição de contratar em si, mas de um mecanismo que impede que novos contratados tenham condição de jogo.
De outro lado, o RCNRD evidencia o transfer ban como um dos mecanismos à disposição da CNRD para tentar compelir um clube a cumprir suas decisões. O artigo 40 do RCNRD lista diversas sanções aplicáveis aos jurisdicionados do órgão, tais como advertência e multa. Especificamente em relação às pessoas jurídicas (como é o caso dos clubes), destacam-se penalidades como o bloqueio de premiação a ser recebida da CBF ou de federação estadual e o transfer ban. A incidência dessas sanções comumente decorre do descumprimento de sentença prolatada pela CNRD: uma vez que um clube deixa de efetuar um pagamento, determinado em sentença, à outra parte do processo (seja um atleta, um intermediário ou mesmo outro clube), encontra-se sujeito às penalidades previstas no RCNRD.
Como se pode notar, o transfer ban é um instituto essencialmente associativo, inserido no âmbito da Lex Sportiva (sistema jurídico autônomo, regente do esporte organizado, sobre o qual já expusemos em nossos textos anteriores). E, embora até aqui tenhamos abordado especificamente sua aplicação em nível nacional, cumpre destacar que essa sanção é possível também sob uma perspectiva transnacional. Ela tem origem, inclusive, nos regulamentos da FIFA, o que incentiva (e recomenda) sua incorporação em nível nacional pela CBF.
Nos termos do Regulamento da FIFA sobre o Status e a Transferência de Jogadores (FIFA Regulations on the Status and Transfer of Players – FIFA RSTP), compete ao FIFA Football Tribunal (Tribunal FIFA) processar e julgar litígios diversos de dimensão internacional envolvendo relações entre clube e atleta, entre clube e treinador ou entre dois clubes. Considera-se que o litígio é de dimensão internacional quando as partes envolvidas são de nacionalidades distintas, portanto um clube brasileiro poderá se submeter à jurisdição do Tribunal FIFA ao estabelecer relação com clubes, atletas e treinadores estrangeiros, ressalvadas exceções em hipóteses específicas.
Consequentemente, os clubes brasileiros se sujeitam às sanções aplicáveis diretamente pela FIFA. E, a exemplo do que ocorre em nível nacional, o transfer ban é uma possibilidade também nos casos em que o clube deixa de cumprir uma decisão do Tribunal FIFA determinando a efetivação de pagamento a um credor. O rol de penalidades aplicáveis consta do Código Disciplinar da FIFA e inclui sanções ainda mais graves em hipóteses de descumprimento reiterado, como a perda de pontos e até mesmo o rebaixamento do clube.
Enfim, do exame desse conjunto normativo, tanto em nível nacional quanto em nível transnacional (vale lembrar que os regulamentos da FIFA são aplicáveis em todo o mundo), extrai-se a importância do sistema de resolução de litígios do futebol e como ele pode influenciar as atividades dos clubes brasileiros. Ainda que os órgãos julgadores (CNRD e Tribunal FIFA) não se confundam com o Poder Judiciário, as ferramentas oferecidas pela Lex Sportiva lhes permitem não apenas julgar os casos sob sua competência como também tornar efetivo o cumprimento de suas decisões, tendo em vista a gravidade das sanções possivelmente aplicáveis, a ponto de potencialmente impedir que um clube registre novos atletas e reforce seu elenco, mesmo nos períodos de janela de transferência aberta.
Pedro Mendonça é advogado especializado na área esportiva desde 2010, com vasta experiência na assessoria a diversas entidades esportivas, como comitês, confederações e clubes, além de atletas, e escreve bimestralmente na Máquina do Esporte