Começou há poucos dias no Reino Unido a Uefa Euro Feminina, a maior competição de seleções nacionais da Europa. Até a abertura, já haviam sido vendidos 500 mil ingressos para a competição, um recorde para o evento.
A explosão do interesse pelo futebol feminino em algumas regiões do mundo não deveria ser uma surpresa. Ela é consequência da convergência de muitos fatores que ganharam importância nos últimos anos, principalmente em países desenvolvidos.
O primeiro deles não tem nenhuma relação com o futebol: a pressão social por igualdade de direitos entre homens e mulheres.
Em países onde a diferença entre os direitos dos homens e mulheres nas sociedades são menores, o futebol feminino se desenvolve mais rapidamente. O “World Economic Forum” avalia estas diferenças sociais em quatro categorias: participação econômica e oportunidade; alcance educacional; saúde e sobrevivência; e empoderamento político. No seu mais recente relatório (o “Global Gender Gap Report 2021”), os países onde as mulheres têm mais direitos, foram também os que mais têm se destacado nos campos.
Outra influência importante é a forma com que o setor privado tem reagido às pressões sociais e investido no futebol feminino.
Muitas empresas entenderam os benefícios de ter um quadro de funcionários mais balanceado entre gêneros. Os esforços recentes para contratar, desenvolver e promover especialmente mulheres são necessários, urgentes e evidentes. Além de moralmente ser a coisa certa a fazer, estes esforços trazem benefícios econômicos, de reputação e retenção de funcionários.
Uma das manifestações mais visíveis da mudança na mentalidade das empresas acontece por meio dos investimentos em patrocínios dentro do futebol feminino. Patrocinar equipes, eventos e atletas masculinos e ignorar as mulheres é uma garantia de crise de relações públicas.
Por isso mesmo, Visa, Heineken, Pepsico, Booking.com, Volkswagen, Adidas, Euronics, Grifols, Hisense, Nike, Hublot e TikTok investem em patrocínios e promoções da Uefa Euro.
E os administradores do futebol também estão fazendo a sua parte.
Federações nacionais europeias, Uefa e Fifa criaram departamentos, contrataram pessoas e investiram em desenvolvimento, capacitação e promoção do futebol feminino. Independentemente das motivações de cada uma destas organizações para investir, o resultado é uma infraestrutura muito melhor do que havia há alguns anos.
Outra influência positiva é o aumento das transmissões dos jogos.
Os principais eventos do futebol feminino passaram a receber atenção e investimento respeitáveis por parte das emissoras de televisão e empresas de mídia. A qualidade da transmissão destes eventos não deixa nada a dever ao futebol masculino em número de câmeras, equipe dedicada e tempo nos programas esportivos.
A experiência do esporte ao vivo também contribui muito para o desenvolvimento.
Assistir a uma partida de futebol feminino nos estádios é algo muito diferente do futebol masculino. O perfil do público muda radicalmente. Os hooligans e torcidas organizadas dão espaço para famílias com crianças de todas as idades. A ausência da violência em jogos femininos motiva um público que havia abandonado os estádios a voltar e trazer seus filhos e filhas.
Quem acompanha o desenvolvimento do futebol feminino internacional não se surpreende com o sucesso inicial da Uefa Euro. Com o trabalho de base feito pelas federações, a pressão social, as empresas investindo mais em patrocínios, as redes de TV dedicando mais tempo de suas grades aos jogos e o excelente ambiente nos estádios, era esperado que o interesse dos torcedores explodisse.
Mas nenhum destes fatores teriam tido um impacto real caso a qualidade do futebol feminino não tivesse melhorado proporcionalmente também.
A melhor jogadora do mundo, segundo o Fifa Best, é a espanhola Alexia Putellas, do Barcelona. O Lyon tem uma das melhores equipes da Europa e frequentemente disputa títulos continentais com equipes da Inglaterra, como o Manchester City e o Chelsea, por exemplo. Enquanto isso, os países nórdicos continuam desenvolvendo e exportando muitas atletas.
O Brasil – e a América Latina como um todo – está no caminho certo, apesar de atrasado em relação à Europa e aos Estados Unidos, pois questões econômicas e sociais não ajudam no desenvolvimento do futebol feminino. Entretanto, iniciativas isoladas como as de Palmeiras e Corinthians já mostram o potencial do futebol feminino nacional.
Como torcedor, podemos fazer a nossa parte acompanhando os campeonatos nacionais, as nossas jogadoras e apoiando os produtos dos patrocinadores. Se você quer entender o futuro do futebol feminino, assista à Uefa Euro nesta semana. Se tudo der certo, chegaremos lá mais cedo ou mais tarde.
Ricardo Fort é CEO da consultoria SportByFort e escreve mensalmente na Máquina do Esporte