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A Copa do Mundo de Clubes deixará qual legado para o futebol brasileiro?

Enquanto a bola rola e a torcida brasileira faz barulho nos Estados Unidos, há um jogo ainda mais importante acontecendo nos bastidores, e ele pode decidir o futuro do nosso futebol

Igor Jesus comemora gol do Botafogo na Copa do Mundo de Clubes 2025 - Vítor Silva / Botafogo

Dentro de campo, os clubes brasileiros estão dando show na Copa do Mundo de Clubes da Fifa. Na primeira fase, por exemplo, Botafogo e Flamengo venceram gigantes europeus e recolocaram o futebol nacional nos holofotes. Já nas oitavas de final, foi a vez do Fluminense fazer o mesmo. Mas a pergunta que realmente importa vem de fora das quatro linhas: estamos prontos para transformar essa exposição inédita em receita, fãs e um produto global?

Apesar de não ter correspondido às expectativas iniciais da Fifa no que tange ao valor da venda dos direitos de transmissão, a primeira edição do torneio tem sido inegavelmente um sucesso em diversos aspectos. É importante destacar que a pedida inicial da entidade máxima do futebol era um tanto quanto irreal: US$ 4 bilhões. O valor final do acordo feito com a plataforma de streaming DAZN foi estimado em US$ 1 bilhão.

Mesmo longe da pedida inicial, o valor arrecadado é um grande feito, especialmente comparando-se com o valor arrecadado no evento televisivo mais assistido pela humanidade: a Copa do Mundo de seleções. Em sua última edição, no Catar, estima-se que a federação faturou algo próximo a US$ 2,8 bilhões com a comercialização dos direitos de transmissão. Considerando-se ser a primeira edição neste formato, atingir pouco mais de um terço em relação à principal fonte de receita da instituição é um sinal de que a competição veio para ficar (para desespero de Javier Tebas, presidente da LaLiga).

Contudo, se for para elencar os maiores beneficiados da nova competição até o momento, os clubes brasileiros estão disparados no topo da lista. Além de ser o único país a ter enviado quatro representantes devido ao amplo domínio recente na principal competição continental, a Copa Libertadores, o Brasil também garantiu todos os representantes na fase eliminatória, o que parecia um tanto quanto improvável quando foi realizado o sorteio dos grupos em dezembro do ano passado.

De toda forma, o objetivo desta coluna não é exaltar os notáveis feitos dos clubes brasileiros na competição, mas, sim, trazer os seguintes questionamentos:

  • O sucesso da Copa do Mundo de Clubes corrobora que teremos a edição mais assistida do Brasileirão de todos os tempos em 2025?
  • A nova competição da Fifa pode deixar um legado de novos fãs estrangeiros para os clubes e a liga brasileira?
  • E, por último, mas não menos importante, os clubes estão prontos para reter e monetizar esses potenciais novos fãs?

Quais indicativos da Copa do Mundo de Clubes são positivos para o Brasileirão?

Em dezembro do ano passado, trouxe aqui alguns motivos que já me faziam acreditar que o Brasileirão de 2025 seria o mais assistido de todos os tempos. De certa maneira, a Copa do Mundo de Clubes tem servido para validar boa parte deles, e explico por que ao relembrá-los abaixo:

1. Transmissão multiplataforma e canais diversos

À primeira vista, a pulverização das transmissões traz aquela dúvida se o efeito imediato é de divisão ou multiplicação. O que vemos até agora, tanto no primeiro terço do Brasileirão quanto no Mundial de Clubes, é que o efeito multiplataforma é multiplicador.

As transmissões da Copa do Mundo de Clubes estão disponíveis em múltiplos formatos entre Globo, Sportv, CazéTV e o próprio DAZN. É TV aberta, fechada, streaming pago, gratuito e canal oficial da Fifa. Enfim, opção é o que não falta. E pelo que temos de dados acessíveis até agora, o torneio tem sido um sucesso absoluto de audiência.

Segundo uma reportagem de Tamires Vitorio para a Exame, mais de 75 milhões de pessoas assistiram aos jogos na primeira semana nos canais Globo. A CazéTV, por outro lado, atingiu 17,4 milhões de dispositivos únicos.

Do lado do Brasileirão, é a primeira vez em muito tempo que temos múltiplos grupos dividindo as transmissões, e o resultado de audiência e comercial tem sido muito satisfatório para todos os grupos envolvidos.

2. Maior quantidade de jogos com sinal aberto e gratuito

Ainda mais importante que a diversidade da oferta, é a disponibilização gratuita de jogos. No caso da Copa do Mundo de Clubes, tanto CazéTV quanto DAZN estão transmitindo todos os jogos de forma gratuita.

A Globo, por sua vez, transmitirá em TV aberta 25 dos 63 jogos da competição, uma cobertura de quase 40%. Pelo Sportv, a cobertura será completa.

O Brasileirão em 2025 teve um incremento relevante com a soma dos jogos gratuitos ofertados por Globo, Record e CazéTV, porém está longe de ter a oferta de 100% dos jogos com sinal aberto, infelizmente.

3. Jogos pagos podem ser mais acessíveis

Apesar de não ter nenhum tipo de oferta pay-per-view disponível apenas para os jogos da Copa do Mundo de Clubes aqui no Brasil, uma vez que todos os jogos têm cobertura gratuita, o sucesso de audiência do Sportv durante a competição traz um paralelo interessante para o caso do Amazon Prime Video com o Brasileirão.

O canal carioca atingiu no primeiro final de semana de competição um pico de audiência que não ocorria desde 2024 durante as transmissões da Copa América e da Euro. O Sportv está disponível na maioria dos pacotes mais básicos de TV por assinatura, além de poder ser contratado por pacotes digitais no Globoplay.

A conveniência do conteúdo pode atrair a audiência menos antenada que eventualmente está consumindo outras coisas da programação e acaba “ficando por lá mesmo”. Em uma medida parecida, os jogos do Brasileirão oferecidos pela Amazon estão atingindo diversos assinantes que foram parar lá por outros motivos inicialmente (frete grátis no varejo ou consumo de outros tipos de conteúdo do streaming, por exemplo).

Não é à toa que o Disney+ se associou à CazéTV recentemente, disponibilizando as transmissões esportivas do canal do YouTube em seu streaming. A capacidade de distribuição muitas vezes é quase tão importante quanto a qualidade do conteúdo.

4. Linguagem adaptada para diferentes públicos, especialmente para a Geração Z

A diversidade de transmissões tem trazido consigo notáveis diferenças editoriais, que ficam bem evidentes quando assistimos aos jogos da Copa do Mundo de Clubes em cada uma das quatro opções de canais (Globo, Sportv, DAZN e CazéTV).

No caso da CazéTV, com uma abordagem mais irreverente, reforçando um pouco do chamado “clubismo” ao trazer ídolos e ex-jogadores dos clubes participantes para a bancada de comentaristas durante os jogos, o que se vê é uma aproximação maior com um perfil de torcedor mais jovem, que talvez não se sentisse tão contemplado com o tom mais formal e técnico das transmissões mais tradicionais.

Para o perfil de fã mais “heavy user”, muito provavelmente essa opção faz pouca diferença para elevar o nível de audiência da competição como um todo (seja a Copa do Mundo de Clubes ou o Brasileirão), mas certamente tem se aproximado mais de uma audiência ocasional do futebol. Esse perfil pode ser convertido no médio prazo e passar a ter maior recorrência no consumo do conteúdo. E isso faz muito bem para o futebol como produto de entretenimento.

5. Valorização do Campeonato Brasileiro como produto

Aqui temos, potencialmente, o maior legado que essa Copa do Mundo de Clubes pode deixar para o futebol brasileiro. O bom desempenho dos clubes nacionais, com ênfase para as vitórias maiúsculas da primeira fase, do Botafogo contra o atual campeão europeu PSG e do Flamengo contra o Chelsea, tem causado dois efeitos: para os brasileiros, dá para notar um sentimento de resgate do orgulho do futebol nacional voltando a rivalizar contra clubes europeus depois de um histórico recente de desempenhos ruins nos Mundiais. Já para os estrangeiros, há uma certa dose de surpresa com o desempenho, além de crescentes demonstrações de respeito e admiração vindas tanto de torcedores quanto de jornalistas e dos próprios jogadores e treinadores rivais.

Isso nos leva para a segunda reflexão: o desempenho dos clubes brasileiros pode deixar um legado de novos fãs estrangeiros para os clubes e a liga brasileira?

Abrindo as fronteiras do futebol nacional (para o espetáculo, não para os artistas)

Na semana passada, abri uma enquete rápida e informal no meu próprio perfil no LinkedIn fazendo essa mesma pergunta para os meus colegas e seguidores. As opções e os resultados foram os seguintes:

  • Sim, vai atrair novos fãs – 10%
  • Depende de ações estruturais – 73%
  • Não, será apenas momentâneo – 17%

A visão das pessoas que responderam resume o que eu penso sobre a possibilidade: um misto de ceticismo com a necessidade de realização de um trabalho sólido para a valorização do futebol nacional como produto de exportação. Mas, de fato, existe uma oportunidade. E essa oportunidade existe porque o Campeonato Brasileiro hoje é pensado, posicionado e executado apenas para o mercado nacional.

Como podemos ver no gráfico abaixo, a participação dos clubes brasileiros fez disparar o volume de buscas no Google realizadas fora do país. Os dados coletados são especificamente das buscas realizadas nos Estados Unidos, mas o comportamento se repete em diversos mercados com ligas fortes de futebol, como Espanha, Inglaterra e Itália.

Para efeito de comparação, o título da Libertadores gerou um pico de buscas quatro vezes menor por termos relacionados ao campeão Botafogo do que a participação do clube carioca na primeira fase da Copa do Mundo de Clubes.

Mas o que isso significa na prática? Por enquanto, apenas abriu-se uma fresta que atraiu os olhares do mundo para o nosso futebol. Porém, estamos prontos para recebê-los na nossa casa? Aí é que entra a tal da necessidade de estrutura, e nisso está incluída uma série de medidas que já conhecemos bem:

  • Revisão do calendário nacional;
  • Melhora geral dos gramados;
  • Elevação da estrutura e da segurança dos estádios;
  • Mais ações de entretenimento e atrações para os dias de jogo (matchday);
  • Profissionalização da arbitragem;
  • Fair Play Financeiro dos clubes;
  • Fortalecimento do Campeonato Brasileiro como marca internacional.

Todas essas medidas são importantes para que seja possível empacotar o futebol nacional em um produto atrativo para venda e distribuição consistente dos direitos internacionais de transmissão.

Mas, para isso acontecer, os clubes precisam se unir em um bloco único, em torno de uma organização mais profunda, muito além do que vimos acontecer até agora. Aí, sim, poderemos sonhar com um legado real de fãs estrangeiros consumindo nosso esporte mais popular.

Com isso, podemos partir para a última e importante reflexão. Os clubes estão prontos para engajar, reter e, principalmente, monetizar fãs de fora do país?

Para gringo é mais caro difícil

Se há pouco falamos da importância de existir diversidade de transmissões tanto em canais quanto em plataformas para o mercado local a partir da edição de 2025 do Campeonato Brasileiro, quando partimos para o mercado internacional a oferta é uma tristeza só.

Na grande maioria dos grandes mercados consumidores, a única opção é por meio da contratação de algum streaming pago que contenha a oferta dos jogos do Brasileirão, como é o caso do DAZN em países como Portugal, Espanha e Inglaterra. Não há oferta de jogos na TV linear nem em canais fechados e muito menos na TV aberta. Isso por si só já demonstra uma oportunidade de maior rentabilização na venda de direitos de transmissão, o que poderia fazer muita diferença diretamente no caixa dos clubes. Mas não para por aí.

Faça um exercício de buscar conteúdo do seu clube do coração em inglês ou espanhol. O que você encontrou? Provavelmente pouco ou quase nada. Dos clubes participantes do Mundial nos EUA, só consegui encontrar uma página oficial de Instagram do Flamengo em inglês e nada dos demais. Em espanhol, nenhum. Entendo que as redes sociais já traduzem automaticamente os textos das postagens, mas isso está longe de ser o suficiente para um projeto satisfatório de internacionalização. 

Se estamos pecando em algo que já fazemos bem no mercado local, mas que é só o começo da jornada de monetização, que é gerar visibilidade e atenção com conteúdos nas redes sociais, quão longe estamos de realmente reter fãs estrangeiros e monetizá-los? É necessário um projeto consistente de construção de marca global, entender quem são esses novos fãs e de onde eles vêm para produzir conteúdos e produtos proprietários adaptados à cultura deles.

E antes de querer abraçar o mundo todo de uma vez só, podemos começar pelos nossos vizinhos. É inaceitável que pelo menos na América Latina nosso futebol não seja amplamente distribuído e difundido. De quase nada adianta o nosso predomínio na principal competição da região se não somos capazes de atrair novos fãs e, principalmente, monetizá-los para deixar nossa liga cada vez mais forte.

Com a construção de uma base sólida de fãs internacionais, é possível construir uma estratégia consistente também para atrair marcas de outras regiões. O objetivo final precisa ser transformar a internacionalização em uma fonte geradora de negócios, afinal, fã que não se converte em receita é métrica de vaidade. Com isso em mente, novos ativos do clube, especialmente aqueles em que há o controle sobre os dados e informações em relação aos fãs, tornam-se uma nova linha relevante de receita e um reforço para as existentes.

Afinal, qual é o legado da Copa do Mundo de Clubes?

Para o mercado nacional, o impacto já é visível: o Brasileirão de 2025 caminha para ser o mais assistido da história, embalado por um novo modelo de transmissão e pelo resgate do orgulho esportivo. Mas o legado de verdade se constrói no longo prazo. E isso exige ação.

Se os clubes, as ligas e a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) não se organizarem para transformar esse momento em um plano estruturado de internacionalização, tudo isso será só mais um pico de “hype”. O mundo abriu os olhos para o futebol brasileiro, então a pergunta que fica é: vamos convidá-lo a entrar ou deixar a porta bater?

Existe um caminho. Ele passa por profissionalismo, união e visão de longo prazo. E talvez, só talvez, seja mais fácil de trilhar do que ganhar do campeão da Champions League.

Vitor Marini é profissional de marketing com mais de uma década de experiência liderando projetos de mídia digital e dados para grandes anunciantes do país, como Samsung e Ford, entre outros. Atualmente, é CEO da Retize, a primeira sports media network (rede de mídia esportiva, em tradução livre) do país, que ajuda os clubes esportivos a transformarem as interações digitais dos fãs em receita no mercado publicitário e também auxilia na conexão das marcas aos seus clientes por meio do esporte e dos games