Se você está lendo esse texto, provavelmente é porque é apaixonado por esportes como eu e como tantas pessoas. As razões que fazem as pessoas se apaixonarem por uma ou mais modalidades esportivas são inúmeras, mas tenho certeza de que você concorda que a emoção é uma delas.
Memória emocional é a lembrança de algo baseado principalmente em uma emoção sentida no passado, incluindo tanto as memórias boas quanto as ruins. Entretanto, elas têm algo em comum: todas deixam marcas fortes no cérebro.
Se você tem 40 anos ou mais, deve se lembrar bem daquele gol do argentino Claudio Caniggia contra o Brasil na Copa do Mundo de 1990. E que tal Roberto Baggio batendo pênalti para fora da estratosfera quatro anos depois, que definiu o Brasil como tetracampeão mundial? No meu caso, o primeiro título mundial que vi o Brasil ganhar.
Que tal a conquista do ouro olímpico no vôlei em 1992 ou aquela manhã triste de 1º de maio de 1994, na qual perdemos um dos maiores ídolos da nossa história? Você se lembra da alegria do primeiro título mundial de Gabriel Medina, em 2014, ou da medalha olímpica de Ítalo Ferreira em 2021? Você consegue se lembrar onde estava naquele momento e com quem celebrou ou chorou?
Eu aprendi a gostar de esporte com o meu pai. A minha rotina com ele era muito mais de assistir do que de praticar, mas me lembro com detalhes das noites nas quais ficávamos até tarde acordados para assistir às lutas do Mike Tyson, do sabor especial do Chicabom nas arquibancadas do Estádio do Morumbi nos domingos à tarde ou do Brasil x Camarões na Copa do Mundo de 2022, sem saber que aquele seria o último jogo de futebol ao qual assistiríamos juntos. Emoções… sempre elas.
Dias atrás, estive em um evento do Jornal Meio&Mensagem na Bahia, um encontro anual de diretores de marketing e players do mercado publicitário que, além de servir para networking, tem sempre um conteúdo muito interessante. Dessa vez, atendendo ao convite da Genial Investimentos, uma das palestras foi com o tricampeão de Roland Garros, condutor da tocha olímpica na Cerimônia de Abertura do Rio 2016 e maior tenista brasileiro da história, Gustavo Kuerten.
O fato de Guga não ser palestrante profissional fez do encontro algo muito intimista e especial. Estava programado para a sessão um painel com o editor da publicação que faria perguntas em um formato de talk e buscaria relacionar as lições aprendidas por Guga na sua vitoriosa carreira com os desafios profissionais dos executivos e executivas que estavam presentes.
Depois de uma calorosa salva de palmas inicial, já na primeira pergunta, com seu jeito simpático e engraçado, como se estivesse começando o primeiro set de um jogo com uma torcida não conhecida, Guga levantou da poltrona e disse que se sentia melhor mais solto, fazendo alguns movimentos com a mão como se estivesse dando um backhand e já arrancando risadas de todos. A pergunta era sobre Pete Sampras, ex-número 1 do mundo e, segundo Guga, adversário temido por todos dentro do circuito quando ocupava essa posição.
Havia chegado o dia de Guga enfrentar Sampras em uma semifinal. Ele nos descreveu em detalhes o seu nervosismo e relatou que até se esqueceu de aquecer o voleio antes do apito inicial, o que já serviu para o adversário como um sinal claro de que estava muito balançado.
Resultado: jogo perdido, placar adverso! A partir daí, já conectado com as mais de 200 pessoas que o escutavam, Guga começou a lembrar de suas origens, avançou na rede e relatou momentos da sua vida e da relação com sua família.
É incrível saber que Aldo Kuerten, seu pai e incentivador da carreira profissional, só esteve presente por 8 anos em sua vida, mas, nesse pouco tempo, conseguiu moldar tanto o caráter de seu filho como a sua paixão pelo esporte, além de apresentá-lo a Larri Passos em um fatídico churrasco. Seis anos depois, Larri, seguindo a vontade de Aldo, viria a se tornar seu treinador. Guga, então, começou a embargar a voz e relatar como seu pai se fez presente tantas vezes na sua vida nos momentos difíceis, nas viradas, nos ressurgimentos em quadra depois de jogos que pareciam perdidos. Não demorou para começar a se ver no auditório, em todas as fileiras, olhos lacrimejando em sintonia, de alguma forma, com a sua dor.
Em 1998, muito próximo de conquistar pela primeira vez o status de número 1 do mundo, Guga nos contou que faltava um jogo para o feito, mas ele não conseguiu ganhar essa partida. A partir daí, mesmo estando entre os Top 3 do mundo, posição jamais atingida por um brasileiro, não conseguia enxergar o lado positivo de tamanha conquista e passou a perder jogos consecutivos, caindo para posições que alternavam entre 20º e 30º do mundo.
O jogo com a plateia já estava ganho, mas, nessa hora, “o surfista do saibro”, começou a dar seu show. Ele nos contou que entrou em quadra Dona Alice Kuerten, sua mãe. Aquela que conhecemos torcendo por ele nas tribunas, mas que, talvez, não soubéssemos a força especial que tinha essa mulher e mãe.
Para Dona Alice, mais importante do que ser número 1 do mundo, era a felicidade de seu filho. Foram, portanto, suas sábias palavras, seu acolhimento e companheirismo nas infindáveis viagens dando força para seu filho, os responsáveis para que, em março de 1999, Guga retomasse a confiança em seu tênis, acumulasse vitórias e rumasse para a posição mais alta do ranking, em dezembro de 2000. Vê-lo falando da relação com sua mãe, enquanto intercalava a sua fala com vídeos de seus feitos em quadra, foi algo arrebatador. Fim de jogo, 200 pessoas emocionadas, celebrando como uma conquista e batendo palmas de pé a ponto do “Labrador Humano” se dizer arrepiado.
Pete Sampras, certa vez, disse: “Se você me perguntasse quem é o cara mais legal com quem joguei, eu provavelmente diria que é o Guga. Ele estava sempre bem-humorado e com um sorriso no rosto, tinha um ar descontraído que o fazia popular, não só entre os fãs de tênis, mas entre os fãs de todos os esportes. Simplesmente estava feliz, jogava e vivia assim, mas na quadra era um competidor duro”.
Em outras palavras, elas novamente! Quem? As emoções!
Ivan Martinho é presidente da World Surf League (WSL) na América Latina e escreve mensalmente na Máquina do Esporte