A “Estratégia Nacional para o Futebol Feminino” destrinchada

Ladeado por Ana Moser (ministra do Esporte) e Ednaldo Rodrigues (presidente da CBF), Lula ergue a taça da Copa do Mundo de Futebol Feminino - Ricardo Stuckert / PR

A primeira rodada da edição de 2023 da Série A1 do Campeonato Brasileiro de Futebol Feminino foi marcada pela vitória expressiva do Corinthians sobre o Ceará por 14 a 0. O placar elástico, obtido em uma disputa entre dois clubes tradicionais na modalidade masculina, despertou discussões acerca do estágio atual do futebol feminino brasileiro.

Poucas semanas depois, foi editado o Decreto 11.458/2023, por meio do qual o Governo Federal instituiu a “Estratégia Nacional para o Futebol Feminino”, a ser implementada pelo Ministério do Esporte. Trata-se, portanto, de um momento fundamental para o desenvolvimento da modalidade, podendo-se aproveitar, ainda, o destaque que deverá advir da realização, no meio deste ano, de mais uma edição da Copa do Mundo de Futebol Feminino. 

Apesar disso, constata-se que, até o momento, a “Estratégia Nacional para o Futebol Feminino” ainda é desconhecida por muitos que acompanham e contribuem para a atividade esportiva. Sendo assim, esta coluna pretende esmiuçá-la, acreditando que o desenvolvimento efetivo da modalidade só será alcançado mediante esforços coletivos.

Por meio do Art. 3º do Decreto 11.458/2023, definiu-se como objetivos da “Estratégia Nacional para o Futebol Feminino”:

  1. Promover condições favoráveis para o desenvolvimento do futebol feminino profissional e amador no país;
  2. Combater a discriminação de gênero no futebol;
  3. Combater comportamentos intolerantes ou violentos contra mulheres no futebol, seja dentro ou fora dos estádios;
  4. Fomentar a participação de mulheres na gestão e na direção técnica dos clubes, assim como na arbitragem;
  5. Fomentar a implementação de centros de treinamento específicos para o futebol feminino; e
  6. Incentivar que os clubes contribuam para a formação esportiva de meninas e mulheres.

É interessante notar, nesse contexto, que a “Estratégia Nacional para o Futebol Feminino” adota uma visão global da questão da mulher no futebol. Afinal, os objetivos elencados não abarcam apenas a melhora na situação das atletas profissionais de futebol, mas sim de todas aquelas ligadas ao esporte, seja como atletas profissionais, atletas amadoras, torcedoras, técnicas, dirigentes ou árbitras.

Dando continuidade, como forma de implementar esses objetivos, o Decreto 11.458/2023 autoriza que o Ministério do Esporte adote as seguintes medidas:

  1. Estabeleça critérios e mecanismos para incentivar o futebol feminino, seja de forma isolada ou em parceria;
  2. Estabeleça metodologia de aprendizado específica para o futebol feminino, adaptada às necessidades das meninas e mulheres;
  3. Amplie a implantação de centros de desenvolvimento especializados em futebol feminino; e
  4. Adote outras medidas “(…) de incentivo destinadas à criação de projetos relativos ao futebol feminino, ao empoderamento da menina e da mulher na prática do futebol, ao aumento da participação feminina no futebol, à modernização de instalações para treinamento, entre outros benefícios em favor da prática esportiva”.   

Assim, ao menos em um primeiro momento, constata-se que as diretrizes da “Estratégia Nacional para o Futebol Feminino” são, de certa forma, genéricas, o que não parece ter sido feito por acaso. Afinal, apesar de ser nítido o potencial para aprimorar e desenvolver o futebol feminino no país, ainda não há clareza quanto ao real cenário atual ou quanto à forma de melhorá-lo.

Ciente desse desafio, o Decreto 11.458/2023 concedeu ao Ministério do Esporte um prazo de 120 dias para elaborar um diagnóstico da real situação atual da modalidade, assim como, diante disso, sugerir planos de ação para seu desenvolvimento. Foi criado, então, um grupo de trabalho para cumprir essa tarefa desafiadora.

Além disso, no mesmo prazo de 120 dias, o Ministério do Esporte deverá, em conjunto com a Confederação Brasileira de Futebol (CBF), as federações estaduais, os clubes e as atletas:

  1. Definir o calendário do futebol feminino, seja em âmbito estadual ou nacional;
  2. Fixar um prazo mínimo para vigência dos contratos de trabalho das atletas profissionais de futebol;
  3. Fixar um limite de atletas amadoras por clube em competições estaduais e nacionais;
  4. Definir as condições mínimas dos estádios utilizados nas competições de futebol feminino; e
  5. Definir parâmetros para a formação de atletas de futebol feminino.

Percebe-se que, quanto à implementação dos planos de ação, o Ministério do Esporte não poderá atuar sozinho, devendo contar com a colaboração dos agentes do futebol organizado. De qualquer forma, o diagnóstico da situação da modalidade no país deverá ser de grande valia, contribuindo para aprimoramentos estatais e/ou associativos.  

É interessante notar ainda que a “Estratégia Nacional para o Futebol Feminino” não constitui um ato isolado, tratando-se, na realidade, de um momento propício para o desenvolvimento da modalidade no país.

Com efeito, em março de 2023, a Confederação Brasileira de Futebol autorizou que as competições amadoras de futebol sejam mistas, contando, portanto, tanto com atletas homens quanto com atletas mulheres. Trata-se, portanto, de uma forma de ampliar o acesso de meninas e mulheres a competições de futebol. 

Ademais, a Federação Paulista de Futebol (FPF) vem discutindo a viabilidade de implementar, o quanto antes, a edição feminina da Copa São Paulo de Futebol Júnior, principal campeonato de base do país.

Como se não bastasse, o Brasil também formalizou sua candidatura para sediar a edição de 2027 da Copa do Mundo de Futebol Feminino.                

Percebe-se, portanto, que o futebol feminino brasileiro se encontra em um momento de ebulição, tratando-se de um cenário propício para que todos aqueles que pretendem contribuir com o desenvolvimento da modalidade forneçam suas sugestões e acompanhem os próximos passos atentamente.

Para conversar sobre o tema desta coluna, basta mandar um e-mail para alice.msblaurindo@gmail.com.

Alice Laurindo é graduada na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, em que cursa atualmente mestrado na área de processo civil, estudando as intersecções do tema com direito desportivo. Atua em direito desportivo no escritório Tannuri Ribeiro Advogados, é conselheira do Grupo de Estudos de Direito Desportivo da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, membra da IB|A Académie du Sport e escreve mensalmente na Máquina do Esporte

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