Tanto ouvimos nos últimos anos sobre o “pós-verdade” e, se era algo que muito explicava o que vivíamos, hoje explica muito pouco ou já está quase ultrapassado. Para entendermos o que acontece, vamos às definições para, na sequência, evoluirmos com a ideia.
A Academia Brasileira de Letras traz pós-verdade como “a informação que distorce deliberadamente a verdade, tomando como base crenças difundidas, em detrimento de fatos apurados, tende a ser aceita como verdadeira, influenciando a opinião pública e comportamentos sociais”. Para o Dicionário Oxford, pós-verdade indica “circunstâncias em que fatos objetivos são menos influentes na formação da opinião pública do que apelos à emoção e à crença pessoal”. Ainda segundo este dicionário, o prefixo “pós”, em pós-verdade, não se refere a “tempo posterior”, mas a “tempo em que a verdade tornou-se sem importância ou irrelevante”. E é justamente sobre o tempo desse conceito que nos debruçamos nesse debate. Porque se não se refere ao tempo posterior, essa distorção pode acontecer antes.
Temos visto inúmeros exemplos não apenas de fatos sendo distorcidos, mas uma crescente de avaliações, julgamentos e, portanto, decisões futuras, sendo antecipadamente tratadas como fatos consumados ou verdades. Para ser fato consumado, é preciso que já tenha acontecido. Qualquer outro movimento, é estudo, idealização, projeção, avaliação ou planejamento. Essa projeção pode ser científica, profissional ou uma perspectiva pessoal. Obviamente que devemos nos atentar a estudos científicos que nos trazem uma projeção de futuro para o ponto presente porque são baseados em dados presentes ou passados. Daí, no coloquial, a tal da estimativa. Mas nem sempre os dados são base para afirmações.
Um enorme problema da sociedade atual é o nosso anseio pelo julgamento quase como entretenimento. Para isso, muitas vezes e cada vez mais, cravamos como fato consumado algo que não ocorreu ou, pior, que sequer ocorrerá. Quantas pessoas absolvidas pela Justiça (falo de processo de absolvição, não de ausência de julgamento aqui) são julgadas e previamente condenadas nas redes sociais, perdendo muito do que têm? Aqui, obviamente, não importa se já tinham muito ou pouco.
Se a “pós-verdade” considera o momento em que a verdade se torna quase irrelevante, isso tem acontecido antes mesmo do fato, o que nos leva – e aqui é avaliação, não estudo – para um caminho perigosíssimo, ainda mais ancorado nas novas inteligências artificiais, que geram discursos realistas irreais. O professor Mario Sergio Cortella nos indica que “a mentira é algo que a pessoa prova, e a crença popular é subjetiva e desprovida de comprovação”.
Vivemos a era da pré-mentira. A mentira nem se consolidou ou foi comprovada e já a abraçamos como se fosse nossa maior e única verdade. Estou mentindo?
Vinicius Lordello é diretor de inteligência da Máquina do Esporte, professor na CBF Academy e especialista em gestão de reputação e crises no esporte