Em uma manhã ensolarada de 9 de maio de 1970, o filho jogava bola no quintal no momento que escutou seu pai lhe chamar para acompanhar a estreia da seleção brasileira no Campeonato Mundial. Rapidamente, o garoto colocou a bola debaixo dos braços e correu em direção à sala, onde se sentou no tapete no chão, entre a poltrona do seu pai e o rádio que transmitia as primeiras palavras nas vozes de José Carlos Silva.
Enquanto o filho enxugava o suor da testa em meio ao bafo calorento que soprava pela janela, a mãe trouxe um copo de água gelada observando a excitação nos olhos do filho, que interrogava o pai na expectativa de ver seu país conquistar o tricampeonato mundial.
– Pai, nós temos o melhor time do mundo?
– Não sei. Há muitas seleções fortes da Europa, além dos nossos vizinhos sul-americanos. Mas somos bicampeões mundiais, não é?
Ao mesmo tempo em que o jogo começava, o pai resgatava em suas memórias as recentes conquistas que despertavam o orgulho dos brasileiros. Em cinco edições, o país tinha dois títulos, um vice e um terceiro lugar. Àquela altura, nenhuma outra seleção fazia frente ao Brasil.
O Brasil também possuía alguns dos melhores jogadores do mundo, um deles estava em quadra e tinha a responsabilidade de liderar a seleção. As poucas informações que chegavam sobre os adversários eram trazidas nos noticiários esportivos dos jornais e das rádios. Sabia-se que o Brasil teria dificuldades de lutar pelo título, pois era o primeiro Mundial que jogaria sem um dos seus melhores atletas, considerado em anos anteriores o melhor do mundo. Assim que escutou os comentários de Nóri Coutinho sobre a ausência do histórico camisa 04, o garoto questionou o pai.
– Pai, quem é Amaury? Temos chance de ganhar sem ele?
Ao olhar para o pai, o filho percebeu uma ponta de preocupação.
– Não sei, meu filho. Será difícil. Foram mais de 10 anos com ele, quatro Mundiais. Ainda temos o Wlamir, então tudo é possível. Mas o Amaury nos dava muita segurança.
– Ele era tão bom assim?
Antes de terminar a pergunta, o pai abriu um sorriso com mistura de orgulho e saudosismo. Antes de responder, o velho levou o copo de suco à boca como se precisasse de um tempo para reunir palavras para falar sobre seu maior ídolo.
– Bom, meu filho. O Amaury foi o melhor jogador do mundo mais de uma vez, jogando em posições diferentes. Ele jogou quatro Mundiais, o primeiro em 1954, quando fomos vice-campeões. Depois, em 1959 e 1963, ele ganhou os dois. E, no último, fomos terceiros colocados com ele, mas sem o Wlamir. Além disso, ainda ganhou duas medalhas de bronze nas Olimpíadas de Roma e Tóquio. Antes dele, o Brasil era só o país do futebol.
O filho segurou a bola mais forte no colo, com um olhar a distância, imaginando um herói vestindo a camisa verde e amarela.
– Pai, ele é maior que o Pelé?
A pergunta interrompeu a concentração do pai no rádio, e ele deu uma gargalhada sincera.
– Essa é uma ótima pergunta. Analisando somente os resultados, os dois são bicampeões mundiais e foram considerados o melhor jogador do mundo. Se o Pelé jogar a Copa do Mundo desse ano, pode se tornar tri. Amaury não terá essa chance. A popularidade do futebol é maior, então o Pelé tem mais reconhecimento mundial. O Pelé também foi campeão mundial duas vezes com o Santos. Mas qual país tem dois bicampeões mundiais em modalidades diferentes? Nem a Itália nem o Uruguai nem os Estados Unidos.
A estreia brasileira seguia em um jogo disputado, emocionante. Quase nada se sabia da Coreia do Sul, exceto pela guerra de duas décadas antes. Nem os jornalistas tinham informações sobre o time sul-coreano, mas isso não importava. A vitória era um primeiro passo para o sonho do tri. Era a primeira vez que o pai escutava um jogo da seleção no Mundial ao lado do filho. Para ele, um momento que esperava desde 1967, quando a seleção terminou com o bronze.
Noventa minutos depois, a partida se encerrou com uma vitória pelo placar de 82×77. A tensão do pai se dissipou à medida que o filho levantou com os braços para o alto e pediu um abraço, deixando a bola cair no chão. Aquele momento ficaria na memória do pai pelo resto da vida. Não importaria se o Brasil perdesse o Mundial. A emoção compartilhada com o filho iniciava uma relação de paixão daquela criança com o esporte, um legado de geração para geração. Só o que lamentava em seus pensamentos era a ausência do ídolo das quadras, quando foi interrompido pelo filho.
– Pai, vamos jogar bola?
– Vamos lá, meu filho. Eu serei o goleiro.
O filho, com uma camisa amarela e o número 10 nas costas, replicou:
– Tá bom, pai. Posso ser o Amaury?
Alvaro Cotta é diretor de marketing da Liga Nacional de Basquete (LNB) e escreve mensalmente na Máquina do Esporte