Quem vive ou acompanha o esporte no Brasil, país que tem no futebol sua modalidade mais popular, já escutou em algum momento que “todo brasileiro é um pouco técnico de time”. O ditado nasce da convicção pessoal de que conhecemos de futebol (e isso vale para quaisquer modalidades) o suficiente para cravarmos o que mais ninguém vê.
Nosso olhar “clínico e muito apurado” nos garantiria assistir a um vídeo de dois minutos de um jovem atleta compartilhado no zap e cravar se ele terá ou não um belo futuro. Comentamos sobre qualidade técnica de jogadores, treinadores, gestores, jornalistas, analistas, gramado, tecnologia, uniforme, arbitragem, marketing, jurídico, arquibancadas, comunicação, contratações, finanças…
Enfim, somos inacreditavelmente muito bons em tudo.
Só que o esporte, lembremos, definitivamente não é uma ciência exata.
Os Titãs, uma das bandas mais geniais do Brasil, têm em seu repertório a música “O Que”, do celebrado álbum Cabeça Dinossauro, lançado em 1986. Na letra, há um questionamento permanente sobre limites e conceitos, envoltos em uma confusão gerada pela repetição das frases. Em determinado momento, uma tentativa de orientação:
“O Que não é o que não pode ser que
Não é o que não pode
Ser que não é
O que não pode ser que não
É o que não
Pode ser
Que não
É”
O caos se estabelece porque mesmo entre aqueles que trabalham com o esporte, profissionais ou não, tem havido uma zona cinzenta sobre o que de fato conhecemos, afinal é um segmento que começou a se profissionalizar há pouco tempo no país. Os exemplos são diversos e, em um breve exercício, o nobre leitor lembrará de alguém: o profissional brilhante do marketing e inapto à gestão da técnica da modalidade para a qual trabalha com soluções prontas para a parte técnica; o jornalista que acompanha o time por anos e que não necessariamente (ou quase nunca) entende de contratações; o gestor de futebol que mesmo sem ter obrigação de entender como funcionam as redes sociais (e, cá entre nós, algumas vezes é difícil de entendê-las até para os especialistas) quer ditar o que ali aparecerá; o cara da comunicação que questiona logística…
Embora tenha de tudo um pouco, é extremamente comum a frase “trabalho nisso há tantos anos, sei exatamente como funciona”. Uma frase dita com peito estufado, sem considerar a possibilidade de desatualização ou mesmo que possa estar funcionando mal ao longo daquele determinado número de anos. Nos aprofundamos pouco (infelizmente cada vez menos) na maioria das coisas e é improvável que venha a ser diferente.
O problema surge quando a nossa opinião, que é só uma opinião, transforma-se em uma verdade irrefutável. É óbvio que todos temos o direito de opinar sobre o que quisermos, e não há aqui a menor intenção de restringir o ato de opinar, por mais absurda que seja a opinião. O problema está no coro de convicções absurdas e no quanto encontram força coletiva justamente pela juventude da nossa profissionalização. O argumento técnico tem perdido por muito para a opinião forte de quem afirma que conhece, muito também pela fragilidade do repertório técnico.
Fica fácil encontrar clubes e entidades sem bússola, navegando não por decisões técnicas, mas pela força e eventualmente pelo medo que o coro coletivo apresenta nas redes sociais ruidosas. E nem entro aqui no espaço das possibilidades de falcatruas. Falamos de aleatoriedade mesmo.
Claro, mesmo com índice de erro menor, decisões técnicas também falham. Mas saber os motivos pelos quais foram adotadas e falharam faz toda a diferença.
Quando regidos pela aleatoriedade ou pelas quase (in)certezas absolutas que orbitam o esporte, perdemos todos os rumos da evolução. Se o “Que não é o que não pode ser” seguir apenas com o achismo convicto, sem base técnica, definitivamente não será.
Cravo com a certeza de quem trabalha com isso há anos. Sei exatamente como funciona.
Vinicius Lordello é diretor de comunicação e relações públicas da N Sports e professor de Comunicação (Gestão de Reputação e Crises no Esporte) na CBF Academy. Foi executivo de comunicação e conteúdo do Santos (2018), do Cruzeiro (2021/2022, na primeira transição para SAF do Brasil) e do Coritiba SAF (2024/2025). Tem dupla graduação (Ciências Sociais e Direito); pós-graduações em Jornalismo Esportivo, Gestão Financeira Estratégica e ESG; MBA em Gestão e Marketing Esportivo; e Mestrado em Gestão de Reputação no Esporte
Conheça nossos colunistas