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Aventuras que nos revelam

Um bate-papo com Eloá Bontempo, gerente da WIBR, que, com disciplina e coragem, reserva momentos só para ela, em que se provoca, testa seus limites e se reconecta consigo mesma

Eloá Bontempo na Gruta do Castelo, no Morro do Castelo, que fica no Vale do Pati, dentro do Parque Nacional da Chapada Diamantina (BA) - Arquivo Pessoal

Em qualquer profissão, seja nos esportes, na tecnologia, na publicidade ou no mundo corporativo, vivemos sob a pressão de resultados, metas e entregas. A rotina nos empurra para frente, e, muitas vezes, esquecemos de parar para olhar para dentro. Mas é justamente nesse momento de pausa, de conexão conosco, que encontramos respostas importantes: quais são os nossos verdadeiros desejos, quais frustrações ainda carregamos, onde estão os nossos limites e até onde conseguimos expandi-los.

Foi pensando nisso que convidei a Eloá Bontempo para esta coluna. Ela é paulista, publicitária com formação em Comunicação Social e gerente da WIBR, unidade do MIBR dedicada a promover inclusão e empoderar mulheres e pessoas que se identificam com o gênero feminino no universo de games e tecnologia. Trabalhamos juntas há dois anos e recentemente me surpreendi ao descobrir um lado dela que vai muito além da executiva dedicada: uma mulher que, com disciplina e coragem, reserva momentos só para ela, em que se provoca, testa seus limites e se reconecta consigo mesma. Confesso que fiquei impressionada ao conhecer os seus feitos, as viagens e os desafios que ela escolheu viver com esse olhar do autoconhecimento.

Suas aventuras vão desde “mochilar” sozinha pela Europa ainda muito jovem, atravessar a América Latina (do Deserto do Atacama a Machu Picchu), mergulhar em grandes profundidades e fazer travessia a nado no litoral paulista, até uma semana de imersão na Chapada Diamantina (BA) em que percorreu 80km de trilha a pé. Histórias que inspiram e mostram que cada um, à sua maneira, pode encontrar essa conexão interior tão necessária.

A seguir, convido vocês para um bate-papo com a Eloá. Que as aventuras dela surpreendam e inspirem cada um dos leitores.

Roberta Coelho (RC): Eloá, para começar, conta um pouco da sua trajetória pessoal e profissional. E, dentro dessa história, como o esporte sempre foi um instrumento importante para você se conectar consigo mesma?

Eloá Bontempo (EB): Sou filha de pais viajantes. Por muito pouco não nasci em uma barraca de camping na Praia do Curral, em Ilhabela (SP). Viajar sempre fez parte da rotina da nossa família. Começamos com barracas, depois passamos para o trailer e, à medida que eu e meu irmão crescíamos, seguimos para viagens de carro mais longas e hospedagens em hotéis. Cresci nesse clima de estrada e aventura.

O esporte também veio comigo desde o berço. Minha mãe foi professora de Educação Física e conta que deu aula de aeróbica até quase nove meses da minha gestação, o que explica muita coisa (risos). Ela me ensinou a enxergar a beleza da prática esportiva, e logo mergulhei em várias modalidades: natação, saltos ornamentais, vôlei, futebol de salão.

Mas foi na natação que realmente me dediquei, conquistando boas medalhas na escola e na faculdade. O que sempre me encantou nesse esporte é o quanto ele te coloca frente a frente com você mesma. A importância da respiração, da consciência e da correção corporal. Pequenos ajustes que fazem toda a diferença quando os segundos contam. Por ser um esporte individual, sempre foi uma busca pelo meu melhor e pela superação dos meus limites. Minha competição nunca foi com os outros, mas sempre comigo.

Na vida profissional, comecei minha carreira em uma grande multinacional de cosméticos. Foram mais de dez anos no marketing de cosméticos, um período cercado de mulheres brilhantes e fortes (sim, éramos maioria nesses ambientes). Isso moldou muito da minha forma de enxergar o trabalho e as relações. Acredito que é daí que vem minha forte conexão profissional com o universo feminino.

RC: Você fez a sua primeira viagem sozinha ainda muito jovem, “mochilando” pela Europa. Como foi tomar essa decisão em um momento em que viajar sozinha não era algo “comum” ou incentivado para mulheres? O que essa experiência te ensinou sobre autoconfiança e limites?

EB: Foi quase por acaso: eu precisava tirar férias, e minha gestora me incentivou a viajar. Confesso que, até então, achava que viajar sozinha era coisa de quem não tinha amigos. Cheguei a dizer, em alto e bom som: “eu nunca vou viajar sozinha”. Mal sabia eu.

Foi libertador. Descobri que medo existe, mas não pode me controlar. Descobri também que estar sozinha não significa solidão: sempre cruzei com pessoas incríveis pelo caminho, histórias que levo comigo até hoje. E talvez a descoberta mais preciosa foi reconhecer que sou uma ótima companhia — para os outros, mas principalmente para mim mesma.

Desde então, mesmo quando viajo acompanhada, tento reservar alguns dias só para mim, para voltar a essa essência em que tudo é escolha minha, sem interferências externas. Hoje, olho para trás e vejo como fui contra um estereótipo (minha mãe que o diga). Mulher viajar sozinha, que já foi tabu, hoje é um movimento enorme: 71% dos viajantes solo são mulheres e, no setor de aventura, já somos 85%. Ou seja, não estamos mais sozinhas nessa jornada.

RC: Depois disso, você viveu outras experiências intensas, como cruzar a América Latina de mochilão, dormir no Deserto do Atacama e provas de natação no litoral paulista. O que te motiva a buscar esses desafios? E o que cada um deles te trouxe de aprendizado pessoal?

EB: Sou curiosa por natureza e valorizo muito a minha individualidade e independência, características que, muitas vezes, não são incentivadas nas mulheres. Para muita gente, eu transpareço alguém mais introspectiva, delicada ou cheia de frescuras. Até minha mãe, que demorou a aceitar que eu não era de vidro, ainda se surpreende quando conto sobre uma travessia de 80km de trilha fechada sem sinal de telefone ou nadando alguns quilômetros em mar aberto. Mas sempre gostei da quebra de expectativa e da sensação deliciosa de fazer algo pela primeira vez.

Cada experiência me trouxe um aprendizado único. No início, havia um apelo cultural: conhecer outras formas de viver, outras crenças, outros mundos que me ajudaram a questionar o que tomamos como verdade absoluta. Hoje, busco cada vez mais desafios ligados ao corpo e ao esporte. No Atacama, descobri resiliência em um ambiente extremo. Em Abrolhos, vivendo seis dias embarcada, aprendi a confiar no coletivo. No mar, a natação me ensinou a lidar com o imprevisível e acreditar na força do corpo. E na Chapada Diamantina, encontrei um mergulho profundo na natureza e na consciência dos meus próprios limites.

No fundo, tudo isso vai além do físico. Como mulheres, acumulamos ao longo da vida muitas camadas sociais — mãe, esposa, cuidadora —, mas raramente somos incentivadas a sermos aventureiras. Para mim, esses desafios são um retorno à essência: a coragem de estar só, de me testar, de me encontrar.

RC: Nessas aventuras, há sempre uma dose de desconforto, de insegurança, mas também de descoberta. Como você enxerga essa relação entre se colocar à prova fisicamente e o processo de autoconhecimento?

EB: Me colocar à prova é, na verdade, um mergulho no autoconhecimento. Grande parte da nossa capacidade física depende do mental. Na Chapada Diamantina, na famosa “Subida do Castelo”, cheguei a cogitar ficar na hospedagem, com medo de desistir no meio do caminho, mas os guias e os parceiros de viagem me incentivaram a seguir. Cheguei ao topo com menos dificuldade do que imaginava e percebi que a força física sozinha não bastava.

Tive uma experiência parecida em Fernando de Noronha (PE). Quase desisti antes de descer 40 metros de profundidade, mas tive o incentivo e o suporte de todos que estavam no barco. Fui, e a experiência foi incrível. Fui com medo, cautela e ajuda, mas fui.

O desconforto e a insegurança sempre aparecem antes do desafio, mas no caminho descobrimos que eles não existem de fato. Nossos limites são muito maiores do que imaginamos. Cada esforço trouxe clareza sobre a minha capacidade e resiliência, sobre como domar o medo e como manter a confiança diante do desconhecido.

RC: Como esses momentos de pausa e aventura impactam a sua rotina como executiva? De que forma eles te ajudam a equilibrar pressões, responsabilidades e escolhas no trabalho?

EB: Essas pausas e aventuras funcionam como um “reset” na minha rotina, uma chance de “limpar a lousa mental”. Me permitem desacelerar, desconectar do que não é necessário, observar as prioridades com clareza e voltar para o trabalho com mais foco e energia.

Os desafios me ajudam a equilibrar pressões e responsabilidades, porque me lembram de que nem tudo precisa ser controlado (isso é muito difícil para mim) e que tomar decisões é muito mais eficiente quando estamos centradas e conectadas conosco. Depois de uma trilha, uma travessia ou até mesmo de uns dias sozinha, percebo que consigo lidar melhor com imprevistos, me ouvir mais e tomar decisões com mais confiança e leveza.

RC: Muitas pessoas têm vontade de viver algo parecido, mas não encontram coragem para dar o primeiro passo. Que conselho você daria para quem sente essa necessidade de se reconectar, mas ainda não sabe por onde começar?

EB: Só vai! O primeiro passo não precisa ser grande ou dramático, pode ser algo simples. Comece indo ao cinema e curta a sua própria companhia por um dia. Gradativamente, aumente esse passo. No contexto de viagem, faça uma trilha perto de casa com pessoas desconhecidas (com segurança) ou passe um fim de semana sozinha em um lugar que você sempre quis conhecer, mas nunca conseguiu companhia. Não deixe de se priorizar. E, sempre que possível, desafie-se a fazer algo pela primeira vez. É uma sensação deliciosa.

O importante é começar. Ao se conectar consigo mesma, você percebe que coragem não é a ausência de medo, mas agir apesar dele. Minhas experiências mostraram que a vida se expande quando nos permitimos sair da zona de conforto e que, muitas vezes, descobrimos que somos mais fortes e capazes do que imaginávamos. Espero que seja assim para vocês também.

Roberta Coelho é CEO da equipe de e-Sports MIBR e criadora da WIBR, ecossistema de ações que busca trazer mais mulheres para o universo dos games. Além disso, é cocriadora e ex-CEO da Game XP e ex-head de desenvolvimento de negócios e ex-diretora comercial do Rock in Rio

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