A recente conquista da seleção brasileira de futsal feminino, que pela oitava vez sagrou-se campeã da Copa América, pode indicar, além da conquista em si, um caminho estratégico para fortalecer o futebol feminino de campo? Faltando pouco mais de dois anos para a Copa do Mundo de Futebol Feminino, que acontecerá no Brasil, a reflexão é especialmente oportuna, e a resposta pode estar na sinergia entre as modalidades e no potencial de estruturação do esporte feminino como um todo.
A campanha invicta e dominante no campeonato continental reafirma o protagonismo do Brasil na modalidade, mas também abre uma discussão importante: como essa vitória pode contribuir para o desenvolvimento do futebol feminino de campo? Historicamente, o futsal tem um papel relevante na formação de atletas que atuam no futebol de campo masculino. Assim, isso pode nos fazer pensar que o fortalecimento da modalidade praticada nas quadras pelas meninas sinaliza resultados positivos também nos gramados.
Essa relação entre as modalidades é conhecida no Brasil. Muitos jogadores, das modalidades feminina e masculina, iniciam suas carreiras no futsal antes de migrarem para o futebol de campo. A modalidade de quadra, com seus espaços reduzidos e exigência de raciocínio rápido, desenvolve habilidades técnicas que se traduzem bem no campo, como controle de bola, dribles curtos e precisão nos passes.
Marquinhos Xavier, técnico da seleção brasileira de futsal masculino, declarou, em uma coluna escrita em novembro do ano passado, aqui na Máquina do Esporte: “Não penso que temos que formar para o futebol, penso que o ponto é formar e formar melhor. O caminho é uma questão de adaptação, gosto e também oportunidades, não controlamos isso. Nossa comunidade muitas vezes não enxerga com bons olhos, se sentem desvalorizados, mas eu penso o contrário, e acredito que isso valoriza nosso trabalho formativo e também penso que não temos lugar para todos no futsal. Quanto mais oportunidades gerarmos, melhor seremos vistos”.
Atletas como Marta e Debinha começaram no futsal antes de brilharem nos gramados, o que demonstra como uma modalidade pode agregar à outra. Além disso, o futsal tem a vantagem de ser mais acessível em termos de infraestrutura, permitindo que mais meninas tenham contato com o esporte desde cedo.
Por outro lado, vemos exemplos igualmente inspiradores, como Amandinha, atleta de futsal eleita oito vezes a melhor do mundo. Perguntei a ela o que a motiva a continuar evoluindo e buscando novas conquistas na modalidade. A resposta: “O que me move é a paixão pelo que faço e os objetivos, sobretudo porque sinto que posso contribuir para os objetivos femininos. A Copa do Mundo Fifa que vai acontecer em novembro, por exemplo, é fruto de uma luta global da modalidade, com as atletas sendo ouvidas. Os prêmios que ganhei tornam a minha voz mais forte e essa é a utilidade deles. Quando eu parar, passam a ter uma segunda utilidade, que é a recordação. Por enquanto, o que importa é a força pra continuar lutando”.

Como mencionado pela Amandinha, o Brasil garantiu vaga na primeira Copa do Mundo Feminina de Futsal da Fifa, o que pode ser um marco para o crescimento global da modalidade. Nesse sentido, o título da Copa América de Futsal Feminino não só reforça a hegemonia brasileira na modalidade como também pode gerar mais visibilidade para o esporte feminino como um todo. Em um momento de crescimento do futebol feminino, essa conquista traz novos argumentos para que clubes, federações e patrocinadores invistam no futsal como um caminho estratégico para formar jogadoras e atrair público.
Ainda contando com a colaboração da Amandinha para esta coluna, compartilho duas outras perguntas respondidas e que nos estimulam a fazer reflexões importantes:
Ana Teresa Ratti (ATR): O futsal feminino tem crescido no Brasil, mas ainda enfrenta desafios em termos de visibilidade e investimento. O que você acredita que precisa mudar para que a modalidade atinja um novo patamar?
Amandinha: No Brasil, o futsal feminino ainda é uma bolha. Isso afeta tanto a visibilidade quanto o investimento, são coisas ligadas. Eu vivi um episódio nas Leoas da Serra em 2019 que foi marcante: o clube criou uma competição, a Copa das Campeãs, e conseguiu, com o apoio do comentarista Marcelo Rodrigues, exibir no Sportv. Foi a primeira vez que o futsal feminino de clubes passou no Grupo Globo em rede nacional. Os efeitos foram notáveis, para o time e para as atletas. Abriram-se portas. Boa visibilidade traz investimento. Precisamos ser vistas por mais gente ou o investimento não vai crescer.
ATR: Você teve a experiência de jogar tanto no Brasil quanto na Europa. Quais as principais diferenças entre as duas realidades?
Amandinha: A diferença é estrutural. No Brasil, cheguei a passar 80 horas em um ônibus entre ida e volta para fazer um jogo. Aqui [Amandinha atua no Torreblanca Melilla, da Espanha, desde 2022], vamos de avião. Agora, a Liga Feminina entrou no CBC [Comitê Brasileiro de Clubes] e vai ter passagens de avião, o que será um salto de qualidade. O calendário de jogos na Europa é melhor distribuído. Eu cheguei a jogar Estadual em Santa Catarina com vários jogos em fase classificatória e fase final empolgante. Porém, o Estadual foi sendo esquecido, arrastado para o fim do ano, quadrangular em sede única, depois triangular, até que no ano passado foi um único jogo entre duas equipes. Quando isso aconteceu na pandemia, ok, estava justificado. Mas em 2024? Um campeonato de um jogo só? Como vai atrair investimento assim? Na Europa, há mais organização e isso também atrai investimento. Não tenho prazer nenhum em fazer essa crítica. É só um exercício de constatação. Espero que um dia o futsal feminino no Brasil tenha, fora de quadra, a mesma visibilidade que tem dentro.
Investimento e estruturação para um futuro promissor
Aproveitando as questões trazidas pela experiente atleta de futsal e pensando em potencializar a conexão entre futsal e futebol feminino de campo com foco em fortalecer ambas as modalidades, vale ressaltar que planejamento estratégico é essencial. É necessário pensar na conexão entre as modalidades e no desenvolvimento das categorias de base. A criação de centros de formação que integrem as duas modalidades, a valorização de campeonatos femininos de futsal e o incentivo das federações estaduais são algumas das medidas que podem ampliar o potencial dessa relação.
O artigo publicado na Máquina do Esporte em novembro do ano passado, intitulado “Somos o país do futsal: Educação, desenvolvimento profissional e muito trabalho impulsionam a modalidade”, reforça a importância de um planejamento estruturado para o crescimento do futsal. A abordagem discutida no artigo pode servir de inspiração para que a modalidade feminina receba o mesmo nível de atenção e suporte.
Conclusão
O futsal feminino brasileiro vive um momento histórico, e essa conquista recente pode ser um catalisador para o fortalecimento do futebol feminino de campo. Se for bem aproveitado, esse sucesso pode inspirar novos investimentos, atrair mais visibilidade e, principalmente, consolidar o Brasil como referência mundial tanto no futsal quanto no futebol feminino.
Agora, cabe aos gestores esportivos enxergarem essa oportunidade e transformá-la em um plano de ação concreto, garantindo que talentos sejam descobertos e desenvolvidos de maneira estruturada para o futuro do esporte feminino nacional.
Ana Teresa Ratti possui mais de 20 anos de experiência corporativa, é mestra em Administração, e trabalha atualmente com gestão esportiva, sendo cofundadora da Vesta Gestão Esportiva