A recente explosão de escândalos sobre as apostas no futebol brasileiro inflamou o debate público e estimulou o meio político a pedir que a CBF “fizesse mais” no combate a essa praga crescente de corrupção relacionada às apostas esportivas.
Apesar de as apostas online serem legais no Brasil desde 2018, a ausência de uma regulação, até dias atrás, permitiu, infelizmente, que a corrupção infestasse o futebol brasileiro. O crime organizado continua a explorar a indústria, que opera numa “terra de ninguém”, sem uma completa supervisão e sanções do governo.
Porém, com a assinatura da Medida Provisória (MP) pelo presidente Lula semana passada, é preciso aproveitar essa grande oportunidade para que a nova regulação autorize medidas robustas de integridade para fortalecer nossa habilidade de detectar, proteger e prevenir a manipulação de resultados no futebol e em todos os esportes brasileiros.
Como parceiro oficial de integridade de mais de 40 federações de futebol globalmente, incluindo a Premier League (Inglaterra) e a Associação de Futebol Alemã, a Genius Sports entende que transparência e responsabilidade são fundamentais para qualquer mercado de apostas esportivas sustentável.
Mas para a que indústria consiga operar de maneira transparente, os principais stakeholders, como as ligas e federações, casas de apostas, polícia e governo precisam ter a possibilidade de ver e entender como as apostas são feitas em todos os mercados globais. Para que isso se torne realidade, é necessária a tecnologia para prover a todos as informações e o conhecimento que vão ajuda-los a desvendar esse mundo desconhecido.
Trazendo as apostas esportivas à tona
Desde janeiro deste ano, um relatório da Genius Sports identificou 68 partidas de futebol realizadas no Brasil em que ações de apostas potencialmente suspeitas foram detectadas, mais do que qualquer outro país no mundo.
Nosso país ficou chocado com a ampla cobertura jornalística sobre a corrupção relacionada às apostas que impactaram o futebol brasileiro em todas as divisões. Em relatórios mais recentes, mais de uma dúzia de atletas foram considerados suspeitos por aceitarem dinheiro e, deliberadamente, realizarem ações em suas partidas, como receber um cartão amarelo ou cometer pênaltis nos adversários, para beneficiar uma organização criminosa que apostava online nesses mesmos incidentes.
Como país, nossa obsessão por esporte depende diretamente que as competições sejam transparentes, justas e imprevisíveis. Porém, hoje, vemos nosso amado futebol brasileiro em crise, com torcedores deixando de acreditar na autenticidade do jogo. E sabemos que confiança é algo que quando se perde é muito difícil de recuperá-la.
Combater essa crise exige uma resposta imediata que envolve uma colaboração entre os principais stakeholders do esporte, como ligas, times, atletas, treinadores, o regulador (Ministério da Fazenda), as próprias casas de apostas e os provedores de tecnologia. Com esse intuito, este ano, foi criada a Associação Brasileira de Defesa a Integridade no Esporte — ABRADIE, que traz a cooperação entre todo o ecossistema.
O primeiro passo para a luta contra a manipulação de resultado é identificar quando e onde ela está ocorrendo. Apenas com transparência sobre possíveis corrupções nos seus eventos é que as ligas podem começar a enfrentar o crime organizado e construir um programa de integridade que protege a justiça de seus jogos.
Para uma competição, a tecnologia de monitoramento funciona por rastreamento e análise das movimentações de odds em tempo-real em diversas casas de aposta. Esse rico dado global de apostas é, então, cruzado com algoritmos que indicam como as odds deveriam estar naquele determinado momento do jogo através de inteligência artificial.
Quando há uma diferença muito grande entre o dado da aposta real e o fator previsto pelo algoritmo, dispara um alerta automaticamente. Essas variações, então, são investigadas pelo time de especialistas em integridade que examinam alguns fatores importantes de inteligência para interpretar a atividade da aposta.
Tudo, desde uma mudança climática no estádio até lesão de atleta, substituições, muitas coisas são investigadas, sempre com o vídeo do jogo em questão. Quando não há uma explicação legítima para a atividade anômala da aposta encontrada, a liga é aletrada imediatamente.
É importante pontuar que as ligas não devem confiar somente no monitoramento das apostas. Com a manipulação de resultados se tornando algo mais difundido nas competições, é vital que o investimento em integridade seja feito a longo prazo, com medidas preventivas que possam reconhecer as fontes da corrupção.
Porém, sem a ferramenta necessária para primeiro identificar e depois entender os problemas, ligas e reguladores ficam constantemente agindo no escuro e continuam sem poder preveni-lo.
Melhores Práticas Internacionais
Na última década, a tecnologia de monitoramento de apostas tem se tornado um pilar central das estratégias de integridade de centenas de organizações esportivas globalmente. Liderada pela Premier League, que firmou uma parceria com a Genius Sports em 2014, ligas de diversos tamanhos tem investido em monitoramento de apostas para se equiparem com as ferramentas necessárias para combater a manipulação de resultados.
No Brasil, casos relevantes como a Liga Nacional de Basquete (LNB), a Liga de Basquete Feminino (LBF), a Liga Nacional de Futsal (LNF) e a Confederação Brasileira de Voleibol (CBV) utilizam essa tecnologia para proteger suas competições. Claro que uma vez que a tecnologia de monitoramento é instalada, a análise e os alertas que ela aciona são usadas para iniciar uma investigação mais ampla sobre os atletas, equipes e árbitros, ao mesmo tempo que se pode acionar os órgãos competentes.
Como a maioria das formas de criminalidade, não é possível atacar um único ponto para resolver o problema da manipulação de resultado no Brasil. A quantidade excessiva de jogos, os baixos salários nas divisões menores e o acesso fácil aos atletas são fatores que contribuem para o aumento do risco dessa corrupção. No entanto, cada liga tem a responsabilidade de realizar medidas que possam proteger seus jogos e atletas.
A longo prazo, esse problema demanda das ligas brasileiras um investimento em um programa abrangente de integridade, que deve incluir auditoria, a implementação de novas políticas aos atletas e participantes das competições, sessões de educação e mecanismos de inteligência.
Mas quando o esporte passa por momento críticos, nossa prioridade deve ser a busca por um compreendimento da escala do problema. E isso só é possível com tecnologia, que permitirá as ligas e aos reguladores enxergar, identificar e agir sobre os incidentes de manipulação.
Guilherme Buso é o líder de esportes e apostas da Genius Sports para o mercado brasileiro. Antes, liderou a Comunicação do NBB por mais de uma década, e também trabalhou na Federação Paulista de Futebol e na Puma Brasil. É jornalista com pós-graduação em Marketing e Mestrado em Gestão Desportiva pela Universidade de Coventry (Inglaterra).