A chamada chegou enquanto eu tomava meu café e lia as notícias na manhã de uma quarta-feira no meu apartamento em Nova York. Era uma das últimas semanas do mês de maio de 2015, e o dia estava ensolarado, típico de fim de primavera. Do outro lado da linha, a redação da Rádio Bandeirantes, em São Paulo, me informava sobre uma grande operação que tinha como alvo alguns dos principais dirigentes de futebol do mundo.
Levei um tempo para entender o que aquilo tinha a ver com o meu trabalho de correspondente nos EUA. A explicação era que o Departamento de Justiça do país e o FBI tinham convocado jornalistas justamente em Nova York para dar explicações sobre as investigações que haviam deflagrado prisões do outro lado do Atlântico, mais precisamente em território suíço.
Arrumei-me apressado e saí em direção ao prédio do Brooklyn Federal Court. Centenas de jornalistas do mundo todo se aglomeraram em uma sala no segundo andar para acompanhar a apresentação feita pelo então diretor do FBI, James Comey, e a procuradora-geral dos EUA, Loretta Lynch. Gráficos simples impressos em cartolina branca mostraram o esquema de propinas que levou a indiciamentos por fraude e lavagem de dinheiro.
Os dirigentes foram enquadrados com base em uma legislação aprovada para caçar terroristas depois dos atentados de setembro de 2001 e que permite às autoridades americanas responsabilizar estrangeiros que usarem de contas bancárias a servidores de e-mail do país para esquemas fraudulentos, mesmo que os eventos não sejam realizados em território americano.
A operação levou para a cadeia dirigentes como José Maria Marin, ex-presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), e Eugenio Figueredo, ex-presidente da Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol). Meses depois, a repercussão do escândalo derrubou Joseph Blatter, presidente da Federação Internacional de Futebol (Fifa).
Os americanos entraram de cabeça na investigação depois que o país perdeu de forma surpreendente a Copa de 2022 para o Catar, que não tinha a mínima estrutura para receber o evento quando foi escolhido e obrigou a Fifa a alterar todo o calendário do futebol mundial para colocar o torneio em novembro/dezembro por causa das temperaturas altíssimas no país do Oriente Médio durante o mês de julho, quando tradicionalmente a Copa é disputada.
Em entrevista ao ótimo podcast World Corrupt, o ex-porta voz do Departamento de Justiça, Matt Miller, contou como foi a viagem da comitiva americana à Suíça em dezembro de 2010, quando foram feitos os anúncios dos Mundiais de 2018 e 2022. Segundo Miller, os EUA acreditavam ter a melhor candidatura para 2022, mas já sabiam dos avanços do Catar, mesmo aqueles por baixo dos panos.
Para se ter uma ideia do peso dado pelos americanos a esse evento, o presidente Joe Biden, à época vice de Barack Obama, estava com viagem marcada e só não foi a Zurique porque teve que representar o governo em um funeral. Para o lugar dele, foi escalado o procurador geral Eric Holder. O grupo ainda tinha o ex-presidente Bill Clinton, que comandava o país durante o Mundial de 1994, o ator Morgan Freeman, uma das grandes estrelas de Hollywood, e Landon Donovan, que era o maior nome do futebol masculino nos EUA até então.
Segundo Miller, a negociação para definição dos votos “foi a coisa mais corrupta” que ele já viu. Cada país tinha uma suíte no Hotel Baur au Lac. Os delegados da Fifa esperavam no bar do lobby do hotel e eram chamados, um a um, para conhecer mais detalhes sobre os projetos e, eventualmente, algo mais que pudesse convencê-los a votar nesse ou naquele país.
Com o dinheiro falando mais alto, o Catar ficou com o Mundial. Só em junho de 2018, quase dez anos depois, os EUA conseguiram a confirmação de que a maior parte da Copa de 2026 será realizada no país, com alguns jogos no Canadá e no México.
Apesar de ser acusada de ter uma cultura que favorece os esquemas de corrupção, a Fifa conseguiu sair dos escândalos como vítima de alguns executivos inescrupulosos, pelo menos nos processos movidos pelo governo dos EUA. A entidade deve receber até US$ 200 milhões que foram recuperados daqueles que foram condenados por corrupção e fraude.
Por um Mundial perdido e um vexame para o mundo todo ver, os americanos mostraram que, embora não tenham a história de gigantes europeus e sul-americanos, podem abalar as estruturas do esporte mais popular do mundo. Os dirigentes que abram bem os olhos.
Sergio Patrick é especializado em comunicação corporativa e escreve mensalmente na Máquina do Esporte