Da inscrição de atletas à espionagem com drone: As disputas fora do campo de jogo em Paris 2024

Situação de espionagem com drone envolvendo a seleção canadense de futebol feminino ganhou repercussão internacional - Reprodução / X (@CANWNT)

Enquanto os olhos do planeta se voltam para os campos de jogo onde os principais atletas do mundo desfilam seus talentos nos Jogos Olímpicos, Paris também sedia nos bastidores outras disputas. Como exposto no último texto que escrevi aqui neste espaço, funciona na capital francesa neste período a divisão “ad hoc” da Corte Arbitral do Esporte (CAS, na sigla em inglês), com competência específica para julgar disputas relacionadas aos Jogos.

Até a data em que este texto foi escrito (30 de julho), a CAS divulgou ter recebido dez casos submetidos ao julgamento da sua divisão “ad hoc” em atividades nestes Jogos Olímpicos. Embora os processos sejam confidenciais, as informações publicadas pela própria CAS em relação a cada um deles dá a dimensão da variedade dos temas e dos países envolvidos.

Enquanto a Cerimônia de Abertura ocorreu em 26 de julho, as disputas no tribunal tiveram início bem antes. Era ainda 19 de julho quando a CAS registrou o primeiro caso: a atleta jamaicana Nayoka Clunis pleiteava, contra a Federação de Atletismo de seu país, sua inclusão na lista de inscritos da prova de lançamento de martelo.

Na mesma data, foi composto o painel julgador e, no dia seguinte, se realizou a audiência. A decisão foi proferida em apenas três dias, com o painel concluindo que a CAS não teria jurisdição sobre o caso, ou seja, antes mesmo de apreciar o mérito, os julgadores entenderam que o pedido não se enquadrava no rol excepcional de casos sujeitos à divisão “ad hoc” da Corte. Esse primeiro caso ilustra bem a agilidade do procedimento: o recebimento do caso foi registrado em uma sexta-feira, a audiência realizada em um sábado, e a decisão proferida na segunda-feira.

Esse não foi o único caso submetido à CAS antes mesmo de iniciados os Jogos Olímpicos. Foram oito os processos registrados pela Corte até a abertura oficial do evento, sendo que três deles tramitaram conjuntamente e são mais familiares aos brasileiros.

Trata-se dos processos distribuídos por Livia Avancini (arremesso de peso), Max Batista (marcha atlética) e Hygor Bezerra (4x100m rasos) contra a Federação Internacional de Atletismo e a “Athletics Integrity Unit”. Segundo divulgado pela CAS, os brasileiros questionavam decisões da “Athletics Integrity Unit”, proferidas em 23 de julho, que rejeitara isentá-los da exigência de que realizassem uma quantidade mínima de testes antidopagem prévios como condição para participarem dos Jogos Olímpicos. Os três tinham alcançado os índices olímpicos, mas não haviam sido submetidos a essa quantidade mínima de testes (e vale lembrar: não é o atleta quem controla se, quando ou quantas vezes será testado).

No dia exato da Cerimônia de Abertura, a CAS divulgou que os três pleitos foram julgados procedentes, afastando-se as decisões da “Athletics Integrity Unit”. O painel considerou que os casos dos atletas brasileiros contemplavam “circunstâncias realmente excepcionais”, e que por isso eles teriam direito a participar dos Jogos Olímpicos.

Já os outros processos também submetidos à CAS antes do início dos Jogos não tiveram o mesmo desfecho positivo.

Todos esses processos (assim como os dos brasileiros) foram julgados em questão de dias.

É interessante notar que os fatos e o contexto jurídico das disputas acima não eram necessariamente similares entre si: havia processos de atletas contra suas próprias entidades nacionais, de federações nacionais contra federações internacionais, e de atletas contra organizações internacionais. Contudo, todos os processos submetidos à CAS antes do início dos Jogos disseram respeito à busca pela inscrição de atletas nas competições olímpicas.

E esse tipo de litígio não se esgota antes da Cerimônia de Abertura. Afinal, mesmo avançando pela primeira semana de competições, ainda há diversas provas que não se iniciaram e estão programadas apenas para a segunda semana dos Jogos.

Exemplo disso é um dos dois casos registrados pela CAS em 29 de julho: a atleta francesa Tatiana Debien impugnou a decisão do Comitê Olímpico Internacional (COI), que rejeitou seu pedido de alocação de vaga adicional à França na categoria até 53kg do wrestling feminino. Ao contestar a regularidade do processo classificatório da modalidade, ela busca uma decisão da Corte que assegure essa vaga. Até a data de publicação deste texto, ainda não houve decisão da CAS.

Em meio a tantas disputas tratando de elegibilidade, classificação, inscrição e/ou direito de participação de atletas nos Jogos Olímpicos, até 30 de julho apenas um litígio de natureza distinta foi submetido à apreciação da CAS. Ele diz respeito a uma situação que ganhou repercussão internacional: o uso de um drone por membros da comissão técnica da equipe feminina de futebol do Canadá para espionar treinamentos da Nova Zelândia, sua adversária na competição.

Esse fato ensejou sanções rigorosas por parte da Fifa: a perda de seis pontos pelo Canadá no torneio olímpico e a suspensão de três membros da delegação canadense de quaisquer atividades relacionadas ao futebol pelo período de um ano. Em um recurso apresentado perante a CAS, a Federação de Futebol do Canadá e o Comitê Olímpico Canadense pedem o cancelamento ou a redução da sanção da dedução de pontos (as suspensões de membros da equipe não são objeto do pleito). Segundo informado pela CAS, a decisão deveria ser publicada até as 12h desta quarta-feira (31), antes, portanto, do início das quartas de final do torneio.

Enfim, a divisão “ad hoc” da CAS em Paris tem efetivamente vivido dias muito movimentados, com um alto volume de casos: 10 processos durante os 14 primeiros dias de seu funcionamento. E é provável que, até o fim dos Jogos, outras disputas sejam a ela submetidas. Mas, além dessa quantidade, merece um destaque especial a agilidade da Corte no processamento dos casos, todos julgados até aqui de forma extremamente rápida.

Sem prejuízo de uma análise posterior sobre o mérito de cada uma das decisões (se e quando elas forem publicadas na íntegra), fato é que o sistema olímpico de resolução de disputas à primeira vista tem se mostrado efetivo, evitando que a parte interessada seja prejudicada por uma eventual demora no processamento de seu pedido.

Pedro Mendonça é advogado especializado na área esportiva desde 2010, com vasta experiência na assessoria a diversas entidades esportivas, como comitês, confederações e clubes, além de atletas, e escreve mensalmente na Máquina do Esporte

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