As entrevistas de emprego evoluíram. Hoje, currículos passam por inteligência artificial (IA), recrutadores avaliam as postagens do interessado no LinkedIn, referências são checadas por todos os lados, e testes comportamentais parecem mapear até a alma do candidato. É possível até simular uma reunião com colegas fictícios em uma dinâmica de grupo gravada em vídeo.
Mas me diga: com toda essa sofisticação, quantas vezes alguém te perguntou qual esporte você pratica?
A pergunta parece trivial, mas esconde uma resposta poderosa. Em um mercado cada vez mais obcecado por performance, poucas experiências formam alguém tão completo quanto o esporte. Seja você um atleta profissional, amador competitivo ou só alguém disciplinado com os treinos semanais, a prática esportiva desenvolve habilidades que, hoje, são chamadas de “soft skills”, mas que, na verdade, são competências duras de conseguir em qualquer outro ambiente.
Disciplina, foco, inteligência emocional, resiliência, execução sob pressão e trabalho em equipe são palavras ou expressões que estão nos relatórios de tendências do Fórum Econômico Mundial como as mais valiosas da próxima década. E que atletas desenvolvem antes mesmo de saber que tinham nome.
Na recém-concluída Turma XIII do Curso Avançado de Gestão Esportiva (Cage), do Instituto Olímpico Brasileiro (IOB), tive a chance de lecionar para atletas e ex-atletas de diversas modalidades. Todos, de alguma forma, carregavam uma clareza de objetivos, uma capacidade de adaptação e uma forma prática de pensar problemas que não se aprendem em um MBA. Eles não vinham da teoria; vinham do treino.
Falo com alguma propriedade porque, em um passado mais distante da minha carreira, fui “headhunter” (“caçador de talentos”, em tradução livre). Avaliei centenas de profissionais, entre entrevistas e processos seletivos, e vi de perto o quanto o mercado valoriza diplomas, idiomas e cargos anteriores. Mas o que separava os medianos dos realmente bons era quase sempre comportamental, e isso dificilmente aparecia no papel.
Talvez esse seja um dos fatores pelos quais atletas ainda sofram para fazer a transição para outras carreiras, mesmo carregando competências que o mercado busca desesperadamente. Eles não se enxergam como profissionais “prontos para o mercado”. E o mercado, por sua vez, ainda não sabe ler o que está por trás de uma vida dedicada ao esporte.
Só que basta observar: quem pratica esporte com consistência sabe estabelecer metas, avaliar o próprio desempenho com humildade, lidar com derrotas sem perder o rumo, aprender com os outros, inclusive com os concorrentes, e voltar a treinar, mesmo quando não tem certeza de que o resultado virá. Isso é alta performance na essência. Só que, por algum motivo, muita gente só reconhece isso quando está dentro de uma empresa, ouvindo esse tipo de comportamento ser valorizado em “workshops” (“oficinas”, em tradução livre) caros.
Estamos vivendo uma era em que resiliência e adaptabilidade viraram “buzzwords” (“palavras da moda”, em tradução livre), mas, na prática, poucos ambientes ensinam tanto sobre isso quanto o esporte. Não estou falando de quem subiu ao pódio, estou falando de quem perdeu, insistiu, treinou de novo e voltou melhor.
O esporte é uma escola de comportamento, uma escola que te forma para trabalhar sob pressão, para entender que o resultado não vem na hora que você quer, e para aceitar que, às vezes, quem define a sua trajetória é o que você faz quando ninguém está vendo.
Hoje, ao olhar para a sala de aula do Cage ou para meu trabalho diário na World Surf League (WSL), vejo uma nova geração de profissionais que traz essa bagagem do esporte para outras frentes. Eles carregam mais do que histórias; carregam uma mentalidade de construção, de superação, de processo.
Talvez esteja na hora das empresas pararem de olhar só para o que está no currículo e começarem a perguntar: “qual esporte você pratica?”. Se eu tivesse que escolher entre dois candidatos com a mesma formação, mas apenas um deles com histórico esportivo, saberia exatamente em quem apostar.
Afinal, o mundo dos negócios também é um campeonato. E quem já competiu de verdade costuma jogar melhor.
Ivan Martinho é presidente da World Surf League (WSL) na América Latina