A formação integral do atleta de futebol é um tema recorrente e de grande relevância no contexto esportivo. Embora sua importância não seja contestada, é necessário avaliar se iniciativas efetivas nessa direção estão entre as prioridades no futebol brasileiro.
O caminho para uma formação integral é extenso, porém repleto de oportunidades e ganhos esportivos, sociais e para o futebol como negócio.
A recente repercussão da entrevista concedida em inglês por Gabriel Moscardo, do Corinthians, um jovem atleta de 17 anos, é um indicador de que ainda estamos distantes do ideal, já que se comunicar em um idioma global como o inglês coloca atletas brasileiros em posição vantajosa para lidar com as demandas internacionais de suas carreiras e, portanto, não deveria ser uma habilidade excepcional, mas sim uma competência básica.
O Relatório Global de Transferências, publicado pela Fifa em 2023, também traz questões pertinentes à formação integral do atleta. O Brasil é o país que mais realizou transferências de atletas em 2022, com destaque para as feitas para Portugal. Entretanto, a posição do Brasil nesse mesmo relatório é a oitava quando o indicador considerado é a receita gerada com as negociações, demonstrando o descompasso entre a quantidade de atletas exportados e a capacidade de maximizar o valor financeiro dessas transações.
A ascensão da Major League Soccer (MLS), a Liga Americana de Futebol, e sua superação financeira em relação ao futebol brasileiro em 2022 pode ser entendida como mais um sinal de alerta sobre a necessidade de estratégias focadas em valorizar o futebol brasileiro a médio e longo prazos no cenário internacional. Isso certamente passa pela formação integral dos nossos atletas.
Essa formação integral impacta ainda no aumento significativo do potencial de sucesso na vida profissional e pessoal daqueles jovens que não seguirão como atletas de futebol profissional, e isso é um tema importante para ser considerado, já que, assim como apresentado no relatório “Impacto do Futebol Brasileiro”, feito pela EY para a Confederação Brasileira de Futebol (CBF), a realidade na jornada da profissionalização no esporte que é paixão nacional é mais dura do que a maioria imagina: de 360 mil atletas registrados, 25% se profissionalizam e, destes, 55% têm salário menor que R$ 1 mil, e 33% de até R$ 5 mil. Para resumir, o relatório apresenta que 80% do valor total dos salários está concentrado em 7% dos atletas.
Como a formação integral do atleta impacta nesse contexto? Aumentando o potencial dos atletas, não só dos que estão entre a minoria que se profissionaliza e têm bom reconhecimento financeiro, aqueles que estiverem entre a maioria, que não se profissionalizará e/ou não terá retorno financeiro que justifique a atuação no futebol, estarão mais preparados e com maiores chances de atuarem em outras profissões, ligadas ou não ao futebol.
Além disso, atletas com maior repertório, competências e habilidades terão maior chance de fazer uma gestão eficiente da sua vida financeira e patrimonial durante a carreira e também quando ela é encerrada. Aqui vale ressaltar que futebol é uma profissão curta, que dura, em média, 15 anos e que pode terminar a qualquer momento em decorrência de lesões. Diante disso, sim, o pós-carreira também é um tema relevante no contexto da formação integral do atleta. Infelizmente, não é raro encontrar um atleta profissional que, mesmo depois de atuar com salários significativos, passa por dificuldades depois da aposentadoria.
A formação integral do atleta deve ser encarada como um investimento essencial para o futuro do esporte no Brasil. Isso engloba não apenas o aprimoramento das habilidades esportivas dos jogadores, mas também a oferta de educação de qualidade com vistas para o desenvolvimento cognitivo e de visão de mundo, o desenvolvimento de habilidades sociais, emocionais e comportamentais, e a transmissão de valores éticos e morais e de competências que extrapolam as exigidas dentro de campo. O desenvolvimento de competências ligadas à marca pessoal, de tal forma que atletas potencializem suas entregas para além do esporte e, com isso, valorizem todos os envolvidos no ecossistema do futebol, também deve fazer parte do processo de formação integral.
Os impactos de atletas com esse nível de formação extrapolam o esporte. A formação integral torna possível que jogadores(as) representem, em âmbitos nacional e internacional, uma marca positiva em relação ao futebol brasileiro. A maneira como eles se comportam, se comunicam e interagem com o mundo tem impacto direto na imagem não somente do futebol brasileiro, mas também do nosso país como um todo e, por serem ídolos que inspiram, têm um gigantesco poder de transformação social.
É preciso reconhecer as disparidades de recursos no processo de desenvolvimento de atletas, mas, para promover uma formação integral, é necessário desenvolver essencialmente a mentalidade comprometida e implementar abordagens multidisciplinares que interajam de forma sistêmica com todas as áreas do processo de formação, independentemente das limitações financeiras. Essa é uma questão que requer atenção e ações efetivas, especialmente voltadas às categorias de base.
O Brasil tem um potencial incrível para continuar produzindo talentos com destaque mundial, mas, para isso, é essencial desenvolver adequadamente esses jovens na direção de serem pessoas mais qualificadas e, consequentemente, atletas melhores e mais preparados para atuarem em um cenário altamente competitivo, profissionalizado e globalizado.
Ana Teresa Ratti possui mais de 20 anos de experiência corporativa, é mestra em Administração, trabalha atualmente com gestão esportiva, sendo cofundadora da Vesta Gestão Esportiva, e escreve mensalmente na Máquina do Esporte