O futebol é uma das linguagens mais universais que existem. Move paixões, desperta sonhos, desenvolve habilidades físicas, motoras, mentais e emocionais e, por isso, tem o poder de transformar realidades. É também uma indústria que movimenta bilhões em todo o mundo, mas deixarei esse aspecto como pano de fundo nesta coluna. Vale apenas a menção, para reforçar a dimensão da sua potência.
O atleta além do campo
Exatamente por esse poder da modalidade, insisto tanto que o papel do atleta vai muito além das quatro linhas: ele é um agente social, cuja visibilidade o torna também responsável por inspirar e gerar impacto positivo.
No entanto, isso não é intuitivo e, tampouco, simples de ser desenvolvido nos nossos esportistas. Por isso, a formação integral do jogador precisa incluir o desenvolvimento da consciência sobre seu papel na sociedade. Todos ganham: a sociedade, que passa a contar com ídolos inspiradores, capazes de motivar para além dos resultados esportivos; os clubes, que têm embaixadores de suas marcas também fora dos gramados; as marcas parceiras, que se beneficiam de estarem associadas a atletas conscientes e engajados com questões essenciais e altamente valorizadas por consumidores igualmente conscientes; e o próprio atleta, que, ao compreender seu papel como cidadão, amplia suas chances de se manter conectado à realidade e alinhado a valores sustentáveis e de longo prazo.
Essa consciência ajuda o atleta a viver de forma mais equilibrada e com propósito, preparando com lucidez o seu pós-carreira, momento em que viverá uma rotina distante dos fãs, dos jogos e dos holofotes.
Entender a vida para além do glamour e das facilidades do futebol de alto rendimento é fundamental para que se desenvolva mais autonomia e se mantenha a conexão com o “mundo real”, onde o atleta viverá depois de 15 ou 20 anos de atuação no privilegiado ambiente esportivo.
Com essa reflexão, estou sugerindo que o atleta que constrói sua carreira sem se desconectar da vida real e que, além disso, assume seu papel de contribuir com quem cruza o seu caminho, tende a ter uma transição mais tranquila e coerente quando o tempo dentro das quatro linhas chega ao fim. Isso porque sua trajetória não foi sustentada por futilidades ou emoções passageiras, mas construída sobre bases sólidas de identidade, propósito e valores.
O atleta como cidadão e agente de transformação social
O atleta contemporâneo não é apenas um profissional de alta performance; ele é também uma referência pública. A forma como se posiciona, o que defende e o que representa têm poder de influência real sobre milhões de pessoas.
No Brasil, esse ainda é um caminho em construção. É preciso que clubes, famílias e gestores formem atletas preparados não apenas para vencer jogos, mas para compreender o papel que exercem na sociedade.
Mundo afora, no entanto, não faltam iniciativas que traduzam essa ideia de maneira concreta, incentivando esportistas a usarem sua visibilidade e poder de inspiração para promover inclusão, solidariedade e desenvolvimento humano. Bons exemplos são a Common Goal e a Cruyff Foundation, instituição sediada em Amsterdã, na Holanda, da qual falarei logo mais.
Da performance ao propósito: A formação integral do atleta
O desenvolvimento humano é parte essencial da alta performance. Atletas com clareza de propósito tendem a apresentar maior equilíbrio emocional, mais resiliência e uma visão mais ampla sobre o próprio papel no esporte.
A Vesta Gestão Esportiva, startup da qual eu e Braitner Moreira somos cofundadores, tem como parte importante da sua missão estimular a formação integral do atleta, conectando-o a causas e projetos que ressoem com seus valores e sua história pessoal.
É nesse contexto que a Vesta abriu as portas para que Lucas Rosa, atleta do Ajax, da Holanda, se conectasse à Cruyff Foundation, por meio da Common Goal, representando de forma viva a visão de um atleta que se desenvolve e cresce esportivamente sem abrir mão da evolução fora de campo e da responsabilidade social.
No último dia 24 de setembro, Lucas participou do Cruyff Foundation Open Day, evento realizado em Amsterdã para celebrar os 25 anos da instituição. Esse momento foi emblemático para nós e valioso como símbolo da concretização dos conceitos que valorizamos com frequência, já que marcou a união entre o atleta e a fundação.

Compartilho esse episódio não apenas pelo valor simbólico, mas para ilustrar as inúmeras possibilidades de atuação de um jogador de alto rendimento, mesmo quando está no auge da sua carreira. Não é preciso aguardar uma rotina sem treinos, viagens e competições. É possível, com empenho e prioridade, incluir o propósito no percurso de desenvolvimento da carreira. Quando isso acontece, as ações deixam de ser pontuais e passam a fazer parte da formação do atleta.
No Brasil, há exemplos inspiradores nesse sentido. Danilo, por exemplo, atleta de alto rendimento e que atualmente defende o Flamengo, vem se posicionando e criando referência sobre essa possibilidade: ele é idealizador da plataforma Voz Futura, que dá visibilidade a temas como saúde mental, educação socioemocional e histórias positivas, e demonstra que é possível conciliar, cada um à sua maneira e dentro das suas possibilidades, a jornada dentro e fora dos campos para gerar valor para a sociedade.
Para complementar a reflexão, e ainda mencionando o Cruyff Foundation Open Day, o evento contou com a presença de diversos esportistas e profissionais de destaque, entre eles Frank Rijkaard, personagem altamente respeitado do futebol mundial, que disputou as Copas do Mundo de 1990 e 1994 pela seleção holandesa, além de estar presente no título da Euro 1988, formando um trio que entrou para a história com Marco van Basten e Ruud Gullit. Depois, como treinador, comandou a própria seleção holandesa entre 1998 e 2000 e também o Barcelona entre 2003 e 2008, enfileirando títulos com a equipe catalã e tendo como principais astros Ronaldinho Gaúcho e Lionel Messi.
Para mim, a presença de Rijkaard reforça uma convicção: o verdadeiro sucesso está intimamente ligado à formação de pessoas conscientes, que entendem o papel que exercem para além da própria trajetória.
Na parede do evento, havia uma frase de Johan Cruyff que sintetiza esse espírito: “If you have the opportunity to do something for someone else, you should do it” (“Se você tiver a oportunidade de fazer algo por outra pessoa, você deve fazê-lo”, em tradução livre).
Mais do que um lema, essa é uma filosofia de vida para muitos. E é também a essência do que representa a nova geração de atletas como Lucas Rosa e Danilo, profissionais que compreendem que o protagonismo fora de campo é parte do desenvolvimento dentro dele.

O futuro que queremos para o futebol
O futebol do futuro será liderado por atletas que entendem que sua voz e suas ações têm poder transformador. Formar atletas conscientes, empáticos e socialmente engajados é também formar cidadãos melhores e líderes mais preparados.
A Vesta Gestão Esportiva, a Cruyff Foundation e a Common Goal representam caminhos complementares de uma mesma visão: a de que o esporte é um instrumento de transformação individual e coletiva.
Quando o atleta entende o poder que tem de transformar o que está fora das quatro linhas, ele transforma também o jogo e a si mesmo.
Ana Teresa Ratti possui mais de 20 anos de experiência corporativa, é mestra em Administração, e trabalha atualmente com gestão esportiva, sendo cofundadora da Vesta Gestão Esportiva
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