Gincana jurídica tisna temporada brilhante da Stock Car

Gabriel Casagrande tornou-se tricampeão da Stock Car neste domingo (15) - Reprodução / Instagram (@stock_car)

Quando pipocou no grupo de mídia da Stock Car a convocação para os pilotos finalistas do campeonato comparecerem para a foto oficial na reta dos boxes no Autódromo de Interlagos, em São Paulo (SP), neste último fim de semana, um fotógrafo irreverente que milita há décadas na categoria indagou na sala de imprensa: “Precisa apresentar carteira da OAB para aparecer na foto?”.

O comentário pode soar insólito. Mas não é impertinente.

Gabriel Casagrande foi coroado neste domingo (15) como campeão da temporada 2024. Mas, em menos de 24 horas, o título de pilotos pode ser transferido para Felipe Baptista.

O motivo é uma gincana jurídica que se arrasta há mais de três meses e não tem prazo para terminar.

Sim, há no Brasil a piada de que até o passado é incerto.

E, no caso da temporada 2024 da principal categoria do esporte a motor no país, isso infelizmente se aplica mais uma vez, com grande prejuízo de imagem para todos os profissionais envolvidos na categoria, especialmente para a Stock Car como evento.

A gênese do problema remonta ao treino classificatório da oitava etapa, no dia 7 de setembro, no Autódromo Velopark, em Nova Santa Rita (RS). Quatro carros, das equipes TMG e Crown Racing, apresentaram performance exuberante no piso molhado e houve suspeitas de uso de pneus adulterados.

Os pneus foram avaliados pelas autoridades da Confederação Brasileira de Automobilismo (CBA) e apreendidos para envio à Coreia do Sul, onde a Hankook produziria um laudo na qualidade de fornecedora oficial da categoria. Comentou-se que, como os comissários sequer dispunham de instrumentos necessários para fazer as medições pertinentes, recorreram a um ferramental fornecido por uma outra equipe, evidentemente uma “terceira interessada” no caso.

O laudo levou meses para ser produzido e acabou anexado à pasta de prova, posteriormente gerando punições de desclassificações aos carros de Felipe Massa, Felipe Baptista, Rafael Suzuki e Enzo Elias. Evidentemente o caso foi para a Justiça Desportiva.

Então, em primeira instância, as equipes foram absolvidas sem julgamento do mérito. Foram acatados argumentos de que houve cerceamento do direito de defesa e irregularidades nos procedimentos de inspeção e análise dos pneus. Os quatro competidores recuperaram os pontos e outras equipes interessadas recorreram inconformadas.

Na semana da corrida da decisão do título, o pleno do Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD), então, reverteu a absolvição, determinando o julgamento do mérito na primeira instância. A sessão está marcada para esta segunda-feira (16), às 16h (horário de Brasília), ou seja, um dia depois de Casagrande comemorar na pista o título que ficará com Felipe Baptista caso os dois times novamente recuperem na Justiça Desportiva os pontos.

E aqui cabe um parênteses: os times têm seu ponto no argumento de mérito. O regulamento proíbe uso de substâncias químicas (a famosa “meleca no pneu”) ou aquecimento de pneus apenas durante a etapa. Os times alegam que o “retrabalho” feito nos compostos foi aquecer os pneus fora da etapa de modo a alterar fisicamente seu estado e que isso não é vetado no regulamento. Logo, o que não é expressamente proibido, é permitido. E com sagacidade os times se aproveitaram de uma brecha do regulamento para tirar proveito.

Seja qual for o desfecho deste julgamento, é muitíssimo provável que haja novo recurso da decisão de mérito para o pleno do STJD (levando o caso outra vez à segunda instância), uma vez que são muitas as partes interessadas e normalmente equipes e pilotos pactuam com seus patrocinadores pagamento de bônus por pontos conquistados e pelas posições finais no campeonato.

Em suma, a principal categoria do Brasil está diante de uma “gincane”. E aqui não estou falando das curvas em sentidos opostos em formado de S, mas sim de um labiríntico e intrincado emaranhando de normas, pareceres e argumentos que compromete de forma indelével a imagem da categoria, seja qual for o resultado final.

E aqui, vale destacar, a Stock Car é a principal vítima.

O promotor do evento não tem competência funcional para julgar corridas, avaliar componentes dos carros, redigir o regulamento e muito menos aplicar o código desportivo no STJD. Ele nem sequer é parte do processo.

Porém, no passivo de imagem, o que resta na percepção de torcedores-consumidores e dos patrocinadores impacta a categoria com a intensidade de um estouro de pneu no fim de uma reta.

A temporada 2024 foi memorável, com grandes entregas como a prova de rua em Belo Horizonte (MG), duas etapas internacionais, a expectativa do carro novo, a nova geração se firmando com autoridade e sobrenomes de peso brilhando como Massa e Barrichello.

Mas, infelizmente, o imbróglio jurídico referido no meio como “pneugate” é a marca da Stock Car neste ano.

Agora, o desafio será convencer patrocinadores a investirem até R$ 5 milhões por carro em 2025 para disputarem um campeonato cujo vencedor pode mudar menos de 24 horas depois da última bandeirada do ano.

Luis Ferrari é sócio-fundador da Ferrari Promo, agência-boutique com ênfase no mercado do esporte a motor, e possui formações em Jornalismo e Direito, extensão universitária em Marketing e pós-graduação em Jornalismo Literário, além de ser empresário de relações públicas e diretor de marketing e comunicação do Club Athletico Paulistano. Ele escreve mensalmente na Máquina do Esporte

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