A coluna de hoje é uma resposta à que foi publicada aqui, na Máquina do Esporte, na última sexta-feira (12), por meu amigo Bernardo Pontes, com o título “Já passou da hora de trocarmos limitação por inovação”. Se você por acaso ainda não a leu, sugiro que o faça, porque ela é espetacular.
Como havia prometido a ele mesmo, usaria a minha data de publicar a coluna mensal aqui na Máquina, nesta terça-feira (16), para dar uma “resposta” ao texto que ele havia feito. Não que a opinião dele precise ser rebatida, mas como o tema é bastante relevante para o mercado, quis trazer uma visão de quem trabalha do lado da mídia sobre o assunto.
Em primeiro lugar, concordo com a essência do que o Bernardo ponderou. Não temos de ficar presos às fórmulas do passado para produzir conteúdo. Isso é o que fez a mídia tradicional acabar. E é algo que vem sendo questionado pelo esporte.
Mas será que ter um influenciador dentro de campo vai mudar a realidade do esporte?
Bom, para tentar encurtar o papo, gerou enorme repercussão – e mal-estar – no meio jornalístico a presença do influenciador Negrete comemorando com Pedro, dentro de campo, o gol do Flamengo sobre o Corinthians no jogo decisivo das quartas de final da Copa Conmebol Libertadores.
O influenciador, com colete de credenciado da imprensa, saiu correndo – e filmando – junto ao jogador flamenguista o gol que sacramentou a classificação do time à semifinal. Uma imagem que seria o sonho de qualquer repórter cinematográfico, mas que é proibida de ser captada porque quem paga por esse direito não tem liberdade de produzir seu conteúdo dentro de campo.
Esse foi o argumento usado pelas entidades de classe da mídia para pressionar a Conmebol e conseguir vetar a presença de influenciadores com tanta liberdade nos próximos jogos. O marketing – e Bernardo argumentou muito bem – viu na atitude muito mais uma pressão bem-sucedida da mídia ultrapassada do que uma falha da entidade esportiva em si.
E é esse o ponto que quero trazer para o debate. Mais do que inovação, a presença do influenciador dentro de campo com liberdade para fazer o que quiser na geração de conteúdo é o símbolo da incompetência do esporte sul-americano em produzir evento esportivo para a mídia.
E a razão para isso passa muito longe de querer limitar a presença de não jornalistas dentro de campo, mas de tentar fazer com que o esporte entenda que ele é quem deve ser a mídia, sem terceirizar qualquer tipo de conteúdo que é gerado dentro do campo de jogo.
Desde sempre, na América do Sul, acostumamo-nos a ser a mídia quem produz o conteúdo esportivo. O esporte não é capaz de ele próprio investir na geração das imagens do evento e terceiriza para os detentores dos direitos de transmissão essa função. Isso tira custo da conta do evento, mas torna o esporte órfão, já que ele deixa de ter qualquer ingerência sobre o que é produzido no próprio evento dele.
No início da pandemia, quando o esporte brasileiro percebeu que os donos das imagens de seus jogos antigos não eram as ligas, mas sim a Globo e a Band, começou-se a entender que o jogo de forças estava invertido.
Desde 2019, a Conmebol já havia mudado um pouco essa realidade dentro da América do Sul, quando a FC Diez assumiu a geração das imagens dos torneios da entidade e apenas revendeu para a mídia aquele conteúdo que ela gerava. Mas o processo é longo e ainda apresenta falhas, como ficou claro agora.
Ter uma pessoa “independente” fazendo imagens de dentro do campo de jogo é sinal de que estamos, mais uma vez, deixando para terceiros uma função que deveria ser do dono do evento.
NFL e NBA, as duas ligas que mais arrecadam com direitos de mídia no mundo, não permitem que influenciadores produzam conteúdo dentro do local de jogo dos atletas. Quando convidado para ir a um evento, o influenciador fica na arquibancada e produz dali as imagens, com limitações impostas a qualquer veículo de mídia não detentor dos direitos de transmissão. A imagem do jogo que chega, para todo o mundo, é gerenciada pela liga. Se o influenciador quiser mostrar a arquibancada, pode, mas sem ser em uma transmissão ao vivo. É a forma que a liga tem de controlar o que é produzido.
Isso é assim desde os anos 1950, quando a TV entrou no jogo do esporte. A liga é quem manda e controla qualquer informação audiovisual produzida sobre seu evento. Afinal, essa é sua maior fonte de receita.
Com a visão falsa de que o influenciador levará uma audiência nova para o esporte, seguimos sem tentar produzir algo relevante para um público que não tem contato com ele, empurrando para frente um problema que deveria ser do esporte.
Dois casos recentes de estrondoso sucesso na mídia, que levaram para o esporte públicos jovens e que nunca tinham contato com a modalidade, provam que o influenciador deve ser o esporte, não uma pessoa.
A produção do documentário “The Last Dance”, sobre a última temporada de Michael Jordan na NBA, e a série “Drive to Survive”, que já vai para sua quarta temporada e fez a Fórmula 1 se tornar uma febre entre os jovens no mundo inteiro, mostram que inovação não é levar terceiros para fazer aquilo que é de propriedade do esporte.
Talvez não exista campo mais fértil para proporcionar grandes histórias do que um evento esportivo. Transferir para outro a responsabilidade de fazer esse conteúdo não é inovar, mas perder completamente o controle sobre aquilo que é vital para qualquer esporte: sua comunicação.
Ter um influenciador digital dentro de campo não é inovação, mas o símbolo da incompetência do esporte em produzir e gerar conteúdo para os diferentes públicos que o consomem – ou que podem ter interesse em consumir.
A Libertadores não será maior por conta de um influenciador produzindo conteúdo. O influenciador é que se torna maior quando tem acesso a esse evento.
Erich Beting é fundador e CEO da Máquina do Esporte