Essa é uma coluna diferente e muito especial. Compartilharei um papo entre mim e meu filho, Lucas Rosa, atleta do Real Valladolid, na Espanha.
Depois de atuar por mais de 20 anos no mercado corporativo, há 10 anos vivo a indústria do futebol. O início dessa jornada aconteceu pela motivação de entender esse ambiente e, então, ajudar no desenvolvimento do Lucas, hoje com 24 anos, que desde muito criança fala que seria jogador de futebol.
Meu olhar e esforço atuando para além do meu filho estão concentrados na gestão estratégica e no desenvolvimento integral do atleta. Confio que esse desenvolvimento significa potencializar o sucesso do ser humano que busca o futebol como profissão; pode representar o desenvolvimento da nossa sociedade, já que o futebol é uma paixão nacional; aquele que supera o “funil” rumo à profissionalização no futebol e avança na carreira, se torna um atleta melhor, mais completo e mais preparado para gerenciar sua jornada no esporte de forma sustentável e promissora, aumentando as chances de sucesso inclusive no pós-carreira; e, finalmente, confio que, por meio da formação integral dos atletas, o “negócio futebol” ganha muito, já que seres humanos melhores e mais preparados serão, também, ativos valorizados e mais próximos do potencial máximo.
No diálogo com meu filho, falamos sobre a aplicação dessa visão em sua jornada. Os relatos retratam a nossa atuação juntos, que acabou se tornando profissional, mas nunca deixou de ser pessoal e justificada pelo amor entre mãe e filho. Adianto que manter o equilíbrio nunca foi tarefa simples. A dualidade presente na relação entre mãe e filho e gestora e atleta é sentida e desafiadora para nós dois. Para completar, o fato de não ser habitual a MÃE atuando com o filho no futebol… não vamos entrar na questão sobre o quanto essa indústria ainda é predominantemente masculina e, inclusive, com presença não rara de machismo.
Vale dizer que fiz mínimos ajustes na transcrição do papo, com foco em dar mais fluidez no entendimento do raciocínio. O conteúdo poderá ser visto também no Instagram da Máquina do Esporte ao longo da próxima semana. Bem, vamos lá!
Ana Teresa: Bem, comece contando como foi a minha intervenção com você, como mãe, nesse esforço para você se manter em seu caminho no futebol sem abrir mão da escola.
Lucas Rosa: Antes de qualquer coisa, de futebol e escola, quero destacar a importância dos pais apoiarem o sonho dos filhos, independentemente de qual seja, e fazer o necessário para dar a melhor possibilidade de dar certo.
Comigo a escola sempre foi o principal. Vinha antes do futebol, era um ponto obrigatório para poder estar no futebol. Isso faz muita diferença, querendo ou não, dentro de campo… Para ter um raciocínio melhor, ter um diferencial cognitivo. Mas não só isso! Ter um aprendizado bom, ter informações, conseguir ter conversas de igual para igual. Hoje em dia, o futebol não é mais só futebol. Tem muita coisa envolvida, e a escola ensina sobre isso. Acontece de atletas que são considerados promessas largarem a escola… eu mesmo fui o único que me formei na época em que estava na base… e muitos deles não deram certo no futebol. Aí eu me pergunto: “o que estão fazendo agora?” Isso [a escola] já daria uma base para conseguir seguir alguma outra opção que não seja o futebol, sem ter que voltar tudo e estar atrás de muita gente.
Ana Teresa: Como era ver seus colegas com atitudes menos comprometidas com a escola e você tendo a exigência minha e do seu pai de levar a sério, caso contrário o futebol ficaria como opção inviável? Como você se sentia?
Lucas Rosa: Hoje é fácil eu entender e ver o quanto foi importante essa insistência de vocês, mas para mim era muito difícil entender porque, realmente, o entorno… No meio do futebol, o normal era não ir para a escola, não estudar, focar apenas no futebol. E eu estava me vendo ali tendo que fazer outra coisa, que não era o normal.
O futebol começa muito cedo, então os atletas têm que ter uma maturidade antes do que qualquer outro profissional. É difícil um menino de 14, 15, 16 anos, ou até menos, entender que tem que ir para a escola, tem que terminar o estudo, que a vida não é só futebol. Foi muito difícil, apesar de eu sempre entender a cobrança de vocês, porque é difícil conciliar, e aí que eu acho que entra a questão do próprio clube dar as ferramentas e possibilidades para os atletas conseguirem conciliar o futebol com a escola. Porque era praticamente impossível, apesar de eu ter terminado. Tem aquela história que a gente passou. Eu estava na seleção brasileira, perdi a matrícula da escola, e a escola não queria deixar fazer a matrícula. O clube não interferiu, aí você teve que fazer um malabarismo para conseguir me matricular de novo na escola. Eu acho que tem a parte dos pais, de dar esse incentivo de serem essas pessoas na vida do filho, que vai colocar no trilho, mas o clube tem uma parte muito grande também, porque no fim das contas eles são os nossos responsáveis lá… Os pais não vão estar o tempo todo, e é porque vocês não estavam o tempo todo que eu não ia para a escola, mas quando você ia para lá, eu ia (risos)… Não tinha outra escolha.
Ana Teresa: Parece para o jovem que a escola é algo que até tira o foco, né?
Lucas Rosa: Era um pouco do que eu pensava, que eu não estava conseguindo dar o meu 100% no futebol. Mas não era a hora ainda de dar 100% no futebol, porque eu não era um jogador de futebol profissional. Você tem que ter as outras opções pra sua vida também.
Ana Teresa: Falando de todas as coisas que envolvem o desenvolvimento do atleta. Fizemos inúmeros incentivos, em diversas áreas, sempre pensando no que precisava para passar daquela etapa e ir para a próxima. Como você olhava tudo isso? Sempre entendia a necessidade ou às vezes era um excesso de desgaste? Parecia uma sobrecarga? Como você se sentia e como você olha para a importância disso para ter chegado onde você está hoje?
Lucas Rosa: Pela forma como você e meu pai me criaram, nesse caso eu conseguia entender que era o necessário para conseguir passar de fase, porque estava relacionado ao futebol. Difícil era relacionar as outras coisas, a escola, com o futebol. Lógico que às vezes era chato… Eu queria estar com meus amigos em vez de estar fazendo exercícios mentais, mas no fim das contas eu sabia que era necessário para evoluir e passar de fase. Hoje em dia, isso é algo essencial. Não consigo me enxergar chegando nesse nível e cada vez mais evoluindo sem ter esse tipo de trabalho externo de melhora em todos os âmbitos. Não só a preparação física, mas também em assessoria financeira, que é uma coisa muito importante para a gente que começa a ganhar dinheiro muito cedo, e muitas outras coisas que a gente sempre fez… Partiu de vocês, e acho que isso é importante, os pais conseguirem ter essa iniciativa, porque dificilmente vai partir da gente, na nossa idade. E, também, é importante o filho aceitar que isso vai ser positivo e fazer pensando que vai ser bom. Não adianta fazer de qualquer jeito porque não vai dar certo.
Ana Teresa: Dessa formação integral, você sabe apontar algo que tenha sido mais importante no processo de te levar para frente no futebol?
Lucas Rosa: Não tem um ponto. A mentalidade de entender que fazendo tudo isso você vai conseguir chegar mais longe. Não tem algo específico, mas tudo o que eu fiz me fez entender que sempre tem que buscar melhorar, sempre buscar evoluir, se não fica parado no lugar. Como qualquer outra profissão que você deseja evoluir e subir, no futebol não é diferente. Tudo isso tão cedo me fez entender isso mais cedo, e isso é o ponto maior. Faz o que dá, mas faz. É muito do que o Nuno Cobra dizia, as 5 letrinhas: F A Z E R. Então faz, independentemente do que seja. Não tem uma fórmula secreta. Acho que esse é o maior aprendizado de tudo isso… Porque tiveram coisas que não deram certo, mas tudo tem seu aprendizado, então tem como identificar os pontos positivos de tudo, mesmo não dando totalmente certo como se esperava.
Ana Teresa: No meu livro, “Os Primeiros Passos do Atleta Profissional”, eu falo exatamente que o que tem mais valor é desenvolver essa mentalidade de entender o processo, entender que é uma jornada, que não tem uma ou outra coisa, mas um jeito de enxergar a jornada…
Lucas Rosa: Uma das coisas que mais deixou claro isso na minha vida: vocês sempre me falavam da importância do sono, da alimentação, da hidratação, tudo isso que no alto nível é megaimportante e, naquela época, eu não sentia diferença porque eu era criança e não fazia tanta diferença no corpo… E eu lembro que na Itália eu estava tendo alguns problemas de lesão, eu achava que eu estava bem, mas ao mesmo tempo via que alguma coisa estava faltando. Então você foi para lá e passou um mês e pouco [risos… Ana Teresa: eu que sou expert na cozinha…] e não era nem questão de qualidade, mas de quantidade. Quando eu percebi que não estava comendo tanto quanto eu deveria e percebi que precisava tomar mais água… O sono, na maioria das vezes, foi bom… E eu percebi o resultado, que foi praticamente imediato, comecei a mudar isso. E não era que eu me alimentava mal. Eu só não sabia me alimentar. Comia pouco, comia errado para manter o nível. Essa foi uma virada de chave na minha carreira, entender que não é balela, não é que falam só para ser chato. Não. Faz diferença. E faz muita diferença!
Ana Teresa: Falando sobre coisas que parecem chatas, mas quando você entende que é parte do processo e faz com seriedade pode passar a poder usufruir do benefício de estar fazendo o necessário. Vou te pedir para falar sobre algo que ja fizemos e pode parecer conceitual e chato, mas faz diferença e passa a ser um jeito de enxergar a carreira: a análise SWOT. Como foi fazer esta análise e como você olha para isso hoje?
Lucas Rosa: Eu lembro da primeira vez que a gente fez. Eu acho difícil, principalmente quando mais novo, identificar todos os pontos… Tem os pontos negativos, os pontos positivos, tem as oportunidades… Então é difícil tão novo identificar tudo isso. A gente ter feito junto ajudou muito a abrir a mente e enxergar as coisas por um ponto de vista diferente. E isso cada vez mais foi entrando na minha vida. Às vezes você vai vivendo e as coisas vão acontecendo e você não pára para pensar no que a análise SWOT faz você pensar: o que hoje está favorável, o que não está favorável. Enxergando isso, você continua fazendo o que está dando certo ou muda o que está dando errado e faz dar certo. Às vezes você vai vivendo a vida e vai passando e você nem percebe. Eu acho muito importante, principalmente ter feito desde cedo e juntos.
Ana Teresa: Como foi para você e como você olha para a mentalidade de pensar por objetivos? Sempre fizemos assim, né?
Lucas Rosa: Sempre foi assim e eu acho que isso é combustível para carreira. Sempre colocar um objetivo que seja possível. Isso faz você não estagnar, não achar que está bom o suficiente. Por exemplo: no Taubaté, eu queria chegar na base de um time grande. Cheguei no Palmeiras. Quando já estava de titular no sub-17 estava bem, mas não tinha ido para a seleção… Objetivo: ir para a seleção brasileira de base. Fui para a seleção… Objetivo: jogar na Europa. Fui para a Juventus [na Itália]. Na Juventus, dar o passo para o profissional… Dei o passo profissional, primeiro no sub-23 do [Real] Valladolid, depois no profissional. Cada vez aumentando o puxando para cima o desempenho e o objetivo. Hoje, sem dúvida, é chegar ao top 5 clubes da Europa e chegar na seleção principal.
Ana Teresa: Em que nível você enxerga que esse desenvolvimento integral, que vai para bem além do campo, impactou no desenvolvimento da sua carreira?
Lucas Rosa: A gente vê muito atleta brasileiro que vai para a Europa e volta. As pessoas perguntam por que não deu certo… Existem muitos fatores, mas um deles, que é muito importante, é a adaptação ao país. Para mim, ter ido para a Italia foi só um passo a mais na minha carreira, algo normal que já esperava que acontecesse, justamente porque eu já estava preparado para acontecer. Desde cedo vocês me deram muita liberdade e independência para fazer as coisas sozinho, sem depender de vocês, porque sabiam que logo eu não ia poder depender de vocês, porque estaria do outro lado do mundo. Isso foi muito importante, porque tudo o que eu precisava, eu me virava. O inglês, qualquer lugar do mundo você fala. As aulas de italiano… Então eu cheguei na Itália e sabia falar o básico. Isso, querendo ou não, até o clube vê que você tem essa vontade de aprender, te vê com outros olhos. Foi muito importante e continua sendo… Sempre nas novas etapas, nas novas fases, sempre vendo o que precisa para chegar já tendo o que precisa e não chegar e começar a tentar ver o que precisa. Acho que isso é muito importante… Não é pular uma etapa, é adiantar para, quando ela chegar, estar preparado.
Ana Teresa: O que foi e é mais difícil neste formato que temos, em que eu trabalho com você? Nem sempre foi simples…. Será que o fato de ser a mãe e não o pai tem um peso?
Lucas Rosa: O fato de ser a mãe e não o pai, no mundo de hoje, que ainda tem muito isso…. Tem um peso sim… Não por minha parte, mas por parte de quem está no meio… E querendo ou não, são as pessoas com quem a gente vai lidar, né? Eu tenho certeza que hoje isso não é mais tanto algo que se coloca na balança, por tudo o que você já fez, por tudo o que você mostrou que você é capaz. Então hoje você tem o reconhecimento e o respeito do mundo do futebol, tenho certeza disso. O apoio da família, não digo nem que é muito importante, digo que é essencial. Não tem como dar certo sem o apoio da família. E não só o apoio da família, esse trabalho que você faz comigo, tenho certeza de que foi o que permitiu que eu chegasse onde cheguei hoje da forma que foi. Poderia ter chegado? Poderia. Mas seria muito mais difícil e com muito mais problemas. Problemas que eu não saberia resolver sozinho, então a nossa parceria, o nosso trabalho juntos trouxe isso pra gente. Para mim principalmente, de conseguir chegar onde cheguei. Não foi fácil. Não é fácil até hoje, apesar de ser muito melhor do que já foi pra as duas partes…
Acho que isso é um pouco padrão. A gente escuta de outros familiares que trabalham juntos com os filhos, netos, sobrinhos… Ninguém nunca vai falar que é fácil, porque realmente não é. É muito difícil conciliar a parte profissional com a parte familiar, e isso é uma coisa que até hoje a gente está trabalhando e já melhorou muito, mas ainda é difícil porque, querendo ou não, você não deixa de ser minha mãe e eu não deixo de ser seu filho, e às vezes essa emoção entra na frente do profissional. Mas, por outro lado, é essa relação que faz ser algo tão bom, porque a gente sabe que tanto você vai fazer por mim como eu vou fazer por você com todo amor do mundo, porque você é minha mãe e eu sou seu filho. Tem um laço que é muito importante, que vai lutar pelo que é bom pra gente. Mas não adianta o familiar querer participar da vida do atleta se não sabe o que está fazendo. Eu acho que tem que se profissionalizar, buscar conhecer e entender o mundo do futebol, que não é fácil… Conhecer as pessoas… Você sempre buscou melhorar. Do mesmo jeito que você fazia comigo, para melhorar, você também fazia com você mesma. Então a gente sempre foi evoluindo juntos e sempre mantendo o nível e os objetivos juntos. Por mais que seja difícil, é muito importante!
Ana Teresa Ratti possui mais de 20 anos de experiência corporativa, é mestra em Administração, trabalha atualmente com gestão esportiva, sendo cofundadora da Vesta Gestão Esportiva, e escreve mensalmente na Máquina do Esporte