O futebol brasileiro continua perdendo tempo. O abismo entre o nosso futebol e as ligas europeias só aumenta porque, por aqui, não conseguimos criar um produto.
Quando usamos Premier League, LaLiga, NFL ou NBA como exemplos, estamos sempre falando de produtos estruturados, com a centralização do que deve ser centralizado em benefício do coletivo (como os direitos de mídia) e a individualização do que é benéfico para todos se comercializados de forma individual (como os patrocínios de camisa). A governança destas ligas é clara: o objetivo de todos é o crescimento do produto para que o coletivo possa se beneficiar.
A Premier League começou este movimento há mais de 30 anos. Os resultados não vieram da noite para o dia, foram anos e anos de trabalho coletivo, com erros e acertos para atualmente ser a liga de futebol que tem a maior receita com direitos de transmissão. A liga britânica é, atualmente, a única que consegue vender os seus direitos internacionais a valores próximos às suas vendas no mercado doméstico. Por quê? Porque há um produto estruturado, porque há consistência na comercialização, na produção, na venda de ingressos, nas regras.
Até 2023, o Campeonato Brasileiro tinha um acordo para a venda de direitos internacionais que rendia a cada clube da Série A pouco mais de US$ 100 mil por ano. Ou seja, uma receita total de cerca de US$ 2,5 milhões. O valor é ínfimo se comparado a outras ligas. Ligas até menores e menos populares conseguem valores muito maiores com sua distribuição internacional.
No entanto, o problema não é da agência que comercializava estes direitos, mas do produto em si que não tem nenhum apelo internacional, que não tem uma estratégia clara de expansão internacional, com horários variados para atender todos os fusos horários, com uma produção que não é uniforme. Não existe uma identidade visual, não tem marca, não tem conteúdo auxiliar além dos jogos ao vivo e por aí vai.
E olha que estou falando apenas do produto audiovisual. Não vou entrar aqui em detalhes de qualidade de gramado, estádios, iluminação e tantas outras coisas. Sem um produto bem trabalhado, o interesse internacional não cresce e, consequentemente, a receita também não.
Hoje, o Brasil é o país que mais exporta “pé de obra” para o exterior. O país é responsável por cerca de 15% de toda a exportação de atletas. E neste número temos os grandes nomes que jogam uma ou no máximo duas temporadas por aqui antes de explodir na Europa, mas também inúmeros jogadores desconhecidos, que acabam indo para mercados emergentes, mas que pagam melhores salários e dão melhores condições a estes atletas. Quantos deles não poderiam estar melhorando a qualidade do nosso Campeonato Brasileiro, ajudando a transformá-lo em um produto de melhor qualidade para o mercado internacional?
Havendo um produto melhor, os clubes aumentam suas receitas e, com isso, conseguem competir com o mercado internacional e reter grandes talentos por mais tempo. Isso pode inclusive valorizar a venda, pois, com mais resultados e mais tempo de jogo, um jogador pode facilmente aumentar e muito o seu valor de mercado antes de sair do Brasil. E a receita ficaria aqui com o clube brasileiro ao invés de um clube intermediário “hospedeiro” de menor expressão no mercado internacional.
As notícias recentes só prejudicam ainda mais. Clubes recuando nas negociações por direitos internacionais e de apostas às vésperas do início do campeonato com os parceiros que vinham trabalhando o produto há 4 anos não ajudam em nada a expansão e o crescimento do produto. Clubes mudando de bloco de um lado para o outro não passam nenhuma confiança sobre exatamente qual produto o cliente está comprando.
As indefinições dos direitos da Série B já com a bola rolando corroboram com a confusão e não permitem que empresas e pessoas sérias trabalhem o produto futebol brasileiro para desenvolvê-lo e fazê-lo crescer.
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O futebol brasileiro só conseguirá crescer quando o coletivo transformar o Campeonato Brasileiro em um produto que o cliente olhe e tenha todas as garantias do que efetivamente está comprando. Enquanto isso não acontecer, o “gap” só tende a aumentar.
Evandro Figueira é vice-presidente da IMG Media no Brasil e escreve mensalmente na Máquina do Esporte