Um dos temas mais abordados pela imprensa e pelos torcedores nas últimas semanas foi a política de preços adotada pelas diretorias de Flamengo e São Paulo para as finais da Copa Betano do Brasil.
A precificação de ingressos para jogos de futebol é um tema delicado, pois estamos falando de paixão. Não é como um produto ou serviço que o “cliente” tem a premissa de não adquirir, optando por um concorrente.
O ponto que gerou grande insatisfação por parte dos torcedores foi o fato da precificação para a final ter sido muito superior em relação aos preços praticados anteriormente. Isso fez com que as receitas das duas partidas ultrapassassem a casa dos R$ 20 milhões, mesmo sabendo que, como bem explicou o jornalista Rodrigo Capelo, esses números não são exatamente assim.
Trabalhei em cinco clubes e, em alguns momentos, entrei nesses debates sobre os danos que uma precificação além do limite poderiam causar.
“É uma final, um produto premium, teremos demanda. Pode aumentar o preço, vai lotar mesmo assim.”
Essa é uma síntese do que alguns dirigentes pensam em situações como essa.
O que eu quero trazer para a coluna é uma análise mais profunda, usando o Flamengo como exemplo, pois é um clube que tive a oportunidade de trabalhar e, por isso, conheci bastante sobre o DNA rubro-negro.
Começo por uma análise conceitual. Qual é a persona do Flamengo? Quais são as características comportamentais e demográficas do torcedor do clube? Se você fechar os olhos e imaginar a identidade de um rubro-negro, certamente vai deparar com a imagem de um torcedor humilde e que às vezes sacrifica a conta da casa para ter uma camisa ou ir a um jogo.
Não tem como fugir disso. O Flamengo é o único clube que tem uma torcida que canta “Favela, favela, festa na favela”. Mesmo que o clube seja a maior torcida em qualquer uma das faixas de renda.
Ah, Bernardo, então você está me falando que o Flamengo só pode ter preço baixo? Não.
O Flamengo precisa entender que a sua identidade está atrelada ao torcedor de menor renda, diferentemente de um torcedor do São Paulo ou do Fluminense, em que a persona está mais próxima à de alguém com um poder aquisitivo mais alto.
É claro que o clube mudou de patamar nos últimos anos e, para que mantenha-se no auge, a geração de receita é fundamental. Se tem um time que sabe fazer isso bem, esse clube é o Flamengo, uma máquina de gerar receita. No entanto, é fundamental entender aonde esticar a corda na intenção de maximizar os ganhos.
Por isso, eu defendo que os clubes precisam ter estratégias para todos os públicos. O torcedor do Flamengo, por exemplo, pode até ficar chateado por não ter conseguido comprar, mas ele nunca pode perder o direito de ter pelo menos tentado.
A frustração de não ter conseguido comprar é muito menos impactante do que a frustração de sequer ter tentado.
Mas como fazer isso?
Adotando uma política de preço mais popular em determinado setor do estádio. No caso do Flamengo, o Setor Norte do Maracanã.
Produtos diferentes para públicos diferentes.
Ah, Bernardo, mas nesse setor o sócio-torcedor compra com desconto. Sim, eu sei, mas ainda assim o valor fica impraticável para o tipo de público que frequenta o setor em 99% dos jogos, normalmente comprando com desconto também.
Pensem comigo. A precificação, quando passa do ponto, deixa uma mensagem para o torcedor de um modo geral:
“Você terá oportunidade de ir a todos os jogos, mas não irá à final.”
Já imaginou o que isso pode causar de danos e problemas ao sócio-torcedor? Que paga o ano todo justamente para garantir acesso nesses momentos?
A perda do titulo agrava ainda mais essa situação. Imagino que o torcedor que ficou chateado com a precificação tem mais propensão a cancelar o plano do que se não fosse algo tão agressivo no seu bolso e ele tivesse ido ao jogo.
Outro fator que foi percebido em quem esteve nos estádios foi que o perfil do público era totalmente outro. Nenhuma das duas torcidas fizeram aquela pressão que estamos acostumados a ver quando o estádio está lotado.
Posso falar com propriedade, pois ativamos duas grandes marcas nessa final, Betano e Continental Pneus, e por isso estive presente nos dois jogos da decisão.
Será que, se o torcedor de arquibancada estivesse presente, a pressão não poderia ser maior tanto no Maracanã quanto no Morumbi?
Por fim, quanto vale a repercussão negativa de uma marca? No mundo corporativo, isso é o caos. No futebol, ainda não é um tema com muita profundidade, visto que a vitória no jogo seguinte muda a pauta.
Enfim, são diversas as variáveis que devem ser analisadas nessa tomada de decisão.
Meu objetivo com esse texto é apenas gerar a reflexão de quanto vale o preço do silêncio. E isso não é só sobre Flamengo ou São Paulo. É sobre vários clubes que podem criar um problema maior do que aqueles milhões que podem entrar no caixa em determinado jogo.
Bernardo Pontes, executivo de marketing com passagens por clubes como Fluminense, Vasco, Cruzeiro, Corinthians e Flamengo, é sócio da Alob Sports, agência de marketing esportivo especializada em intermediação e ativação no esporte, que conecta atletas e personalidades esportivas a marcas, e escreve mensalmente na Máquina do Esporte