Roman Abramovich comprou o Chelsea há 19 anos. Nessas quase duas décadas, a Premier League aprovou a compra do clube; o governo inglês o recebeu de braços abertos no país, assim como muitos outros russos endinheirados; outros donos de clubes aceitaram conviver com ele nas suas frequentes reuniões; jogadores assinaram contratos milionários para vestir o seu uniforme; técnicos e funcionários escolheram trabalhar no clube; patrocinadores orgulhosamente promoveram suas marcas associadas aos “Blues”; e torcedores celebraram seu presidente com faixas dizendo “Roman Empire”.
A origem imoral de sua riqueza, seu apoio incondicional ao brutal governo russo e sua relação pessoal com Vladimir Putin nunca foram segredos para ninguém. Como o Chelsea é um dos clubes mais deficitários no mundo (suas receitas operacionais raramente cobrem suas despesas), era claro que quem pagava as contas era a fortuna pessoal de seu proprietário. Abramovich (graças ao seu amigo Vladimir) sustentou essa bonança por muitos anos, e todos aceitaram essa realidade como correta.
Mas quando a Rússia invadiu a Ucrânia e o mundo do esporte reagiu rapidamente punindo os russos de todas as formas possíveis, o Chelsea não foi exceção.
O governo inglês se disse indignado e decretou o bloqueio dos bens de Abramovich. Os patrocinadores publicaram notas na imprensa se dizendo preocupados e anunciaram o fim dos contratos e a suspensão imediata das atividades promocionais. Os funcionários do clube foram às mídias sociais expressar sua frustração pelo risco real de perder seus empregos. Os torcedores se revoltaram percebendo que as sanções econômicas impostas diminuirão muito as chances de vitórias nos campos.
Todos reagiram como se fossem vítimas dos acontecimentos.
Mas a verdade é que os que escolherem se associar ao Chelsea sabiam muito bem o que estavam fazendo e com quem estavam lidando. Fingiram que os problemas russos não tinham nada a ver com o dia a dia do futebol inglês. Todos estavam enganados.
Tamanha hipocrisia dos envolvidos nesse caso não é uma característica inglesa, mas sim uma marca da maioria dos atores da moderna indústria do esporte, em que valores e em muitos casos a ética ficam em um distante segundo plano na hierarquia das federações, clubes e atletas. O que vale é o dinheiro, não importa de onde ele venha.
Um regime que cria campos de concentração para minorias religiosas quer patrocinar seu evento? Claro! Um ditador árabe que assassina inimigos políticos e não respeita os direitos das mulheres quer comprar seu time? Seja bem-vindo! Vamos fazer um evento automobilístico naquele país onde não há eleições democráticas nem liberdade de imprensa? É pra já!
Se a conta for bem paga, quase tudo no esporte pode ser comprado.
As punições ao Chelsea, assim como todas as outras às entidades esportivas russas, são merecidas. Elas foram desencadeadas por uma guerra sem sentido, mas poderiam ter acontecido há anos por uma série de outros fatores. No entanto, infelizmente, a Rússia não é um caso isolado. A participação no esporte de países como China, Azerbaijão e Arábia Saudita, entre outros, é garantia de problemas futuros. A Rússia foi apenas o primeiro de uma série que veremos nos próximos anos.
Enquanto as organizações esportivas renunciarem a seus valores por um cheque maior vindo de um parceiro inescrupuloso, esse problema persistirá.
Se há algo que os eventos recentes nos ensinaram é que nem todo patrocínio ou investimento vale a pena. Em um mundo onde a reputação pesa cada vez mais nas decisões de consumo, investidores não podem ser tratados com a leviandade que os ingleses trataram a venda do Chelsea.
Para eles, não há mais o que fazer. Mas para os seus investimentos como patrocinador ainda é possível evitar problemas semelhantes. Escolha bem com quem sua marca se associa. Isso pode ser a diferença entre o sucesso comercial ou a ruína da sua reputação.
Ricardo Fort é CEO da consultoria SportByFort e escreve mensalmente na Máquina do Esporte