O mundo assiste incrédulo ao drama vivido na Europa, protagonizado por Rússia e Ucrânia, uma tristeza diária que inunda os noticiários e as redes sociais, causando impactos negativos de todas as formas e dúvidas em relação ao futuro.
Dizem os especialistas que um governo cai quando ele perde o apoio popular gerando protestos sistemáticos da população ou da elite militar e econômica de um país. No caso russo, o noticiário se refere a essas figuras como oligarcas, entre eles o conhecido no mundo do esporte Roman Abramovich.
Se essa equação faz sentido, então a lógica é pressionar a população de um país com restrições diversas que travam a economia, causando assim efeitos arrasadores na vida cotidiana, estimulando a convulsão do povo contra seu próprio presidente. Essa revolta, se bem-sucedida, culminaria na deposição do líder que ordena a guerra.
Acompanhamos os países do Ocidente se organizarem para articular instrumentos de pressão contra a Rússia que começam a estrangular a economia do país e já causa efeitos drásticos que também afetam o esporte.
A FIFA suspendeu a seleção russa das Eliminatórias, o que tira a equipe da Copa do Mundo. O COI recomendou às suas federações esportivas que excluam atletas russos. Na Fórmula 1, Nikita Mazepin perdeu seu assento na Haas, e o GP de Sochi deixou o calendário. A UEFA retirou a final da Champions League de São Petersburgo e a mudou para Paris. O Mundial de Vôlei, que aconteceria na Rússia entre agosto e setembro, terá novo local, atitude seguida por badminton, saltos ornamentais e esgrima, entre outros. Patrocinadores russos, como Gazprom e Aeroflot, tiveram seus contratos interrompidos por clubes. E assim por diante. Banimentos e mais banimentos.
Acompanhando atletas e dirigentes esportivos russos nas suas raras aparições recentes e nas redes sociais enquanto estas ainda estavam ativas, noto que as manifestações contrárias à guerra são exceção e, quando feitas, foram colocadas de maneira genérica falando de paz, mas nunca se dirigindo diretamente ao presidente de seu país natal e comandante da “Operação Militar Especial”, como eles descrevem.
De acordo com Lev Dmitrievich Gudkov, diretor da Levada Center, instituto de pesquisa baseado em Moscou, as últimas pesquisas feitas duas semanas após o início da guerra apontam para uma aprovação do presidente pela população de 60%.
Fico pensando se é possível acreditar em dados como esse em um ambiente de censura e restrição imposto pelo Kremlin. E os atletas e cidadãos russos da indústria do esporte? Será mesmo que concordam com tamanha barbaridade ou o excesso de cuidado ao se pronunciar ou usar sua voz para protestar vem do receio de retaliação pessoal direta ou com familiares?
Desconfio que seja pelo segundo motivo. Mas espera um pouco: então eu não concordo com as decisões do líder do país em que nasci, mas corro potenciais riscos se me manifestar e ainda sou atingido por sanções de patrocinadores e federações de que faço parte? Tudo isso com potencial enorme de comprometer minha carreira e me fazer ser visto no resto do mundo como um pária, não porque fiz algo de errado, mas apenas por conta da minha nacionalidade?
Pergunto para você que está lendo: já parou para pensar se fosse com você?
Nos últimos anos, o esporte de maneira geral tem se esforçado muito para ser gerador de boas práticas e formação de opinião em temáticas de justiça social, igualdade, diversidade e combate ao preconceito. Mas, com tais sanções, pode estar punindo indivíduos que talvez não tenham culpa alguma e sejam incapazes de criar a resistência interna que se imagina. Como consequência, fabrica-se um provável futuro preconceito contra atletas e cidadãos russos, determinando a segregação de um povo todo que sofrerá por anos as consequências das decisões do seu presidente.
A psiquiatra americana Judith Orloff certa vez disse: “Empathy is the medicine the world needs” (“Empatia é o remédio que o mundo precisa“, em tradução livre).
Que o termo guerra possa voltar a ser empregado somente para disputas esportivas acirradas e não esqueçamos que a empatia é o primeiro passo da PAZ!
Ivan Martinho é CEO da World Surf League (WSL) na América Latina e escreve mensalmente na Máquina do Esporte