Agora vai. Você já deve ter ouvido isso muitas vezes sobre o futebol nos EUA. E não é fácil entender como o país que tem a maior indústria do esporte no mundo ainda não abraçou definitivamente o esporte mais popular do planeta. É verdade que a seleção feminina já conquistou quatro vezes a Copa do Mundo e quatro vezes o ouro olímpico, mas só recentemente acertou uma longa disputa sobre igualdade no valor dos prêmios na comparação com os homens, e a liga feminina, criada em 2012 para substituir o formato anterior, que havia ruído, mas que ainda precisa se consolidar.
Dentre as previsões que ficaram pelo caminho, o alemão Jurgen Klinsmann, que dirigiu a seleção americana na Copa de 2014, acreditava que o time pudesse chegar às semifinais em 2018. Os americanos, no entanto, nem se classificaram. Já para 2022 a história foi outra. O vexame passou longe, e a vaga no Catar está garantida. Para o craque do time e atacante do Chelsea, Christian Pulisic, a diferença dessa geração é a coragem de encarar a experiência europeia, como declarou ao The Daily Show há alguns dias.
“Outros americanos já tinham jogado na Europa, inclusive muitos que me inspiraram, mas acho que essa nova geração é um grupo de atletas com muita coragem entrando de cabeça nessa experiência. Eu mesmo aceitei um grande risco ao me mudar para a Alemanha muito novo. Mesmo com o Weston (McKennie), que teve sua trajetória na Alemanha e depois foi pra Itália. Acho que essa nova geração tem essa coragem e a vontade de provar para o mundo que nós também podemos estar no melhor nível, e acho que por isso estamos vendo uma evolução tão grande”, disse.
Nos últimos anos, estrelas do futebol mundial como Kaká, David Beckham, David Villa, Andrea Pirlo, Frank Lampard, Steven Gerrard e Zlatan Ibrahimovic jogaram em times da Major League Soccer (MLS). Eles renderam manchetes, levaram público aos estádios, mas não foram suficientes para que um time da liga conquistasse o título continental da CONCACAF.
Mesmo assim, até para quem cresceu exposto à força da cultura do futebol no Brasil, a promessa do “soccer“ aqui nos EUA está muito perto de se consolidar. É o caso de Diogo Kotscho, vice-presidente de comunicação do Orlando City, que trabalha no projeto há nove anos e já tem sete anos e meio morando no país.
“Eu acho que, seguindo o crescimento rápido e orgânico que a liga vem demonstrando nos últimos anos, com a realização da segunda Copa do Mundo em solo americano, em 2026, será o momento em que a MLS estará no nível de competir com as ligas europeias”.
Num período em que se discute muito a origem do dinheiro dos donos de times na Premier League, como o russo Roman Abramovich no Chelsea e a ditadura saudita no Newcastle, há cada vez mais donos americanos em times europeus. Eles costumam ser mais discretos, mas já estão por toda parte. Os primeiros nomes que vêm à cabeça são os de Stan Kroenke no Arsenal, da família Glazer no Manchester United e de John Henry no Liverpool, mas os investimentos também são comuns em times de menor capacidade financeira. Dos 40 times das primeiras divisões da Inglaterra e da Itália, 11 têm algum dono americano. Além disso, americanos também têm participações em times de primeira divisão na França e na Espanha.
A MLS adotou uma estratégia interessante ao atrair celebridades para adquirir participação nos times locais e ajudar a promover a liga com uma identificação maior por parte dos torcedores do que os bilionários que comandam as franquias nos outros esportes. É comum ver o ator Matthew McConaughey animando a torcida do Austin FC ou o comediante Will Ferrell erguendo o cachecol do Los Angeles FC. Até atletas de outras modalidades já entraram no movimento, como os astros do basquete Kevin Durant (no Philadelphia Union) e James Harden (no Houston Dynamo), e do futebol americano Russell Wilson (no Seattle Sounders).
Até na indústria do entretenimento se vê futebol. A série Ted Lasso, da Apple TV, é um dos grandes sucessos da TV americana nos últimos anos com uma história baseada em um técnico americano e de futebol americano, que vai trabalhar com futebol na Inglaterra. Ted Lasso foi tema de pergunta na entrevista de apresentação do americano Jesse Marsch como novo treinador do Leeds United, da Premier League, no lugar que era do argentino Marcelo Bielsa. Marsch disse que considera Ted Lasso importante para fortalecer a ponte entre EUA e Reino Unido por meio do futebol.
Milhões de crianças praticam futebol em escolas e clubes, e parece mesmo questão de tempo para que o país tenha uma incrível massa ligada ao esporte e pronta para consumir sua versão profissional. O crescimento, no entanto, está longe de ser meteórico. A liga trabalha com uma estrutura sustentável, sem os grandes investimentos estrangeiros vistos em muitos lugares do mundo. A ideia básica é que os gastos estejam dentro do que faturam os times e a liga.
Se a Copa de 1994 deu a largada para a profissionalização do futebol nos EUA, o Mundial de 2026 pode ser a entrada definitiva entre os principais países do mundo na modalidade. Acho que agora vai.
Sergio Patrick é especializado em comunicação corporativa e escreve mensalmente na Máquina do Esporte