Hoje, deixarei um pouquinho de lado a questão da negociação dos direitos esportivos e tratarei um pouco mais da exploração destes direitos após a sua aquisição.
Na verdade, a compra dos direitos de um determinado evento esportivo é apenas o começo de um trabalho longo e duradouro, pois o que acontecerá com a exploração destes direitos impactará lá na frente no valor que eles valerão em uma nova rodada de negociações.
Se o produto for “bem tratado” pelo veículo que o adquiriu, gerará resultados de audiência e receita. Com isso, o próprio veículo terá interesse em renovar, e os seus concorrentes, ao notarem os resultados positivos, também vão querer trazer para suas respectivas plataformas estes direitos. No entanto, se o produto for “maltratado”, o interesse do público será mínimo e o dos concorrentes, menor ainda.
Já tivemos no Brasil presidentes de confederações, clubes e promotores de eventos que estavam mais preocupados com a receita de um acordo específico do que com o que o parceiro faria com o produto e como isso impactaria o futuro do evento ou do esporte como um todo.
Mas, de alguns tempos para cá, temos percebido uma maior preocupação com o que chamamos de “Minimum Broadcast Obligations” e com os investimentos em marketing para promover determinado evento. Ou seja, o dono do evento não quer apenas saber quanto vai ganhar financeiramente com a venda dos direitos, mas quer que o parceiro de mídia também se comprometa a dar visibilidade ao produto, e que este mesmo parceiro invista em marketing para divulgar a parceria, chamar a atenção da audiência e assim gerar maior “awareness” para a marca do evento.
E é exatamente aí que entra um fator determinante para o sucesso desta relação: a qualidade da produção. A imagem de qualquer evento perante o seu público é julgada pela qualidade da arena e da produção audiovisual. Na questão da arena, alguns itens que precisam seguir padrões rigorosos de qualidade são a área de jogo (campo, quadro, pista, etc.), a iluminação não apenas para o público presente mas também que atenda às exigentes câmeras em alta definição do padrão HD, a “garantia” da visibilidade total do evento (sem os famosos pontos cegos tanto para o público presente in loco como para o público em casa) e o fator presença de público no estádio, ginásio, etc., que também ajuda bastante na transmissão audiovisual por dar mais cor ao evento.
Hoje, no Brasil, a grande maioria dos eventos esportivos ainda é produzida pelos veículos parceiros, ou seja, quem comanda o que o público assistirá em casa é o veículo, e não o dono do evento. Mas nem sempre o veículo tem a mesma visão que o promotor do evento ou as mesmas necessidades comerciais, por exemplo. E isso pode afetar a qualidade do que se vê em casa, além de haver o risco de se perder a identidade de determinado evento em prol do padrão do parceiro de mídia.
Um exemplo recente que afeta a identidade do evento foram as transmissões do Campeonato Brasileiro de 2019, 2020 e 2021, em que tínhamos dois grupos de mídia transmitindo o evento. O Grupo Globo adotava um padrão de transmissão que não necessariamente convinha à Warner Media (ex-Turner) e a recíproca também era verdadeira. Os gráficos de placar, relógio, escalações, substituições, etc. eram de um jeito e cor no Sportv, e de outro completamente diferente na TNT.
Há muito tempo, as grandes ligas entenderam o valor da produção centralizada, e isso ajudou muito no reconhecimento da qualidade e no crescimento do interesse do público comm relação a estes eventos.
Desde 1998, a IMG produz o sinal internacional da Premier League e o distribui para o mundo inteiro. Então, não importa se você está assistindo um jogo do torneio no Brasil, na África do Sul, na China ou nos Estados Unidos. Ao ligar a TV ou abrir o app da sua plataforma de streaming favorita, você rapidamente identifica que aquele é um jogo da Premier League. São mais de 20 anos de parceria, sempre buscando aprimorar a entrega e melhorar a qualidade visual que chega às nossas casas. Novas plataformas pedem novas tecnologias, mas nunca se coloca em xeque a qualidade do sinal.
A partir de 2019, a CONMEBOL passou a centralizar também a produção de suas competições, que até então seguiam o padrão em que a produção ficava a cargo das emissoras parceiras. O salto de qualidade na produção e a fácil identificação dos jogos por meio do seu pacote gráfico são visíveis. Não importa se um jogo ocorre na Bolívia ou na Argentina: o padrão de produção é sempre o mesmo.
Este ano, até por conta da fragmentação dos direitos dos campeonatos estaduais, as federações também passaram a adotar a estratégia da produção centralizada. Hoje, na Record, no YouTube, na HBO Max ou no Premiere, a transmissão dos jogos do Campeonato Paulista é igual. O mesmo ocorre com Record, Cariocão Play e os streamers com o Campeonato Carioca.
Nos últimos dias, o Erich Beting levantou esta questão aqui sobre a similaridade da produção dos jogos, independentemente da plataforma. Um ponto muito importante e que deve ser discutido. Existem formas de se manter o padrão, mas com adaptações necessárias para cada meio, sempre pensando que quem assiste pela TV tem uma experiência diferente de quem assiste pelo celular. Isso deve ser levado em conta por quem produz.
A produção, aliás, deve estar sempre nas mãos do organizador/promotor dos eventos. É isso que vai ajudar a agregar valor às suas propriedades comerciais e ao resultado do evento. Mas é preciso também pensar em quem assiste e consome o seu produto do outro lado das lentes das câmeras. E um padrão rígido de qualidade é fundamental para uma combinação perfeita entre quem produz e quem consome.
Evandro Figueira é vice-presidente da IMG Media no Brasil e escreve mensalmente na Máquina do Esporte