A FIFA passou a investir fortemente no soft power e acenou para a era do streaming com o lançamento de sua plataforma de vídeos. A entidade que comanda o futebol mundial anunciou que o FIFA+, que segue os modelos das plataformas OTT até no nome, terá transmissão de mais de 40 mil jogos por ano, em torneios masculinos e femininos, de 100 federações nacionais.
Mas a estratégia da FIFA não se limita a exibir partidas de campeonatos menos badalados, que só vão ganhar visibilidade com a chancela da federação internacional. O fã de esporte também poderá acessar, na íntegra, jogos do passado da Copa do Mundo direto dos arquivos audiovisuais da entidade, a partir dos anos 1950.
O torcedor também terá acesso a uma extensa programação de documentários e séries documentais, com destaque para “Ronaldinho: o homem mais feliz do mundo”, sobre o ex-jogador Ronaldinho Gaúcho, “Dani sonho louco”, sobre a tentativa de Daniel Alves de disputar a Copa do Catar 2022 aos 39 anos, e “Chuteira de Ouro”, série documental cujo primeiro episódio terá Ronaldo Fenômeno e Gary Lineker assistindo de novo à Copa de 2002.
Um colega jornalista se deslumbrou com esse portfólio e comentou comigo ter ficado surpreso por todo o conteúdo ser gratuito. De fato, em outras plataformas, muitos desses vídeos seriam tratados como diamante.
A FIFA atravessa um momento turbulento. A Copa do Mundo do Catar 2022 pode ser uma herança maldita da era Blatter, mas acontecerá na administração Gianni Infantino, dirigente que tenta por todos os meios se distanciar das práticas espúrias e escândalos de corrupção de um passado recente.
Sob a administração do suíço-italiano, houve a promessa de melhoria de gestão e compliance, combate à corrupção, aumento dos investimentos no futebol feminino, combate ao racismo e à homofobia, e luta a favor dos direitos humanos. São esses últimos itens que são postos em xeque com a Copa no Catar.
Há duas semanas, durante o Congresso da FIFA, Lise Klaveness, presidente da Associação Norueguesa de Futebol, criticou duramente o país-sede do Mundial pela falta de direitos trabalhistas aos operários que ergueram os estádios, ausência de política de igualdade de gênero e desrespeito às pessoas LGBTQIA+.
O constrangimento aumentou semana passada, quando um dos chefes de segurança do Catar anunciou que não seriam permitidas bandeiras do arco-íris nos estádios sob a justificativa de que isso insultaria a sociedade catariana. O oficial deixou claro que, ao contrário do que prega a FIFA, a Copa não será inclusiva e diversa. À ocasião, a entidade não se pronunciou.
O embaraço se acentuou após a Anistia Internacional lançar um relatório mostrando as péssimas condições de trabalho dos agentes de segurança no Catar. Os trabalhadores são submetidos a jornadas de 12h diárias, sem direito à folga semanal e, em alguns casos, com desconto salarial caso fossem ao banheiro. A FIFA respondeu às denúncias de forma lacônica dizendo que “não aceita nenhum abuso de trabalhadores por empresas envolvidas na preparação e entrega da Copa”. É muito pouco.
Nesse contexto, os investimentos em streaming servem para conquistar corações e mentes de fãs de futebol espalhados pelo mundo. É mais uma estratégia de soft power da FIFA que será posta à prova até novembro, data de início da Copa do Catar.
Adalberto Leister Filho é repórter da Máquina do Esporte