Os diversos “tapas na cara” de uma final inesquecível

Fluminense bateu o Boca Juniors por 2 a 1 na prorrogação e conquistou a Libertadores pela primeira vez na história - Reprodução / X (@LibertadoresBR)

O Fluminense Football Club é campeão da América.

Foram 121 anos e mais de 120 minutos de espera para tirar da garganta o grito de campeão da Copa Libertadores após os gols de Germán Cano e John Kennedy, na tarde do último sábado (4), no Maracanã, que contou com a presença de 69.232 pessoas. O jogo teve uma renda bruta de R$ 31.702.250. O valor é o mais alto já registrado em uma partida de futebol no Brasil. Antes do jogo do título do Fluminense, a maior marca havia sido alcançada há cerca de um mês e meio, no jogo de ida da final da Copa do Brasil 2023, entre Flamengo e São Paulo, também no Maracanã, com R$ 26.343.300,00.

Enfim, são números dignos de um “tapa na cara” de quem duvidava de um time que iniciou a temporada com uma mescla de experiência (alguns sendo muito questionados pela imprensa) com as crias de Xerém, além de uma gestão de futebol que pautou o projeto baseado em convicções.

Outro dado importante é que a transmissão da final marcou 29 pontos no Painel Nacional de Televisão (PNT), segundo dados prévios divulgados pela Rede Globo. O índice superou os das finais dos três últimos anos (exibidas pelo SBT). No Rio de Janeiro, a partida cravou 41 pontos, audiência 47% superior à da decisão de 2022. Foi também a maior média da faixa desde 23 de novembro de 2019, quando terminou a Libertadores daquele ano. Em São Paulo, o jogo alcançou 23 pontos, 44% a mais que a final anterior.

Mesmo com números incríveis e incontestáveis, os dados coletados não nos deixam esquecer das cenas tristes e lamentáveis vistas antes do jogo. Entre muitos tapas e festas nas praias, torcedores de Boca Juniors e Fluminense protagonizaram uma briga generalizada na antevéspera da final, quinta-feira (2), em Copacabana, perto da Fan Zone montada pela Conmebol. A polícia precisou intervir com balas de borracha e spray de pimenta, enquanto tricolores e argentinos se agrediam e arremessavam objetos.

Um “tapa na cara” que diz muito sobre a nossa ignorância, seja pelos sucessivos e incontestáveis atos racistas feitos por pessoas vestidas de torcedores do Boca, seja pelo revide generalizado e vergonhoso de outras tantas, vestidas ou não de torcedores do Fluminense, demonstrando nossa incapacidade de, em muitas ocasiões, convivermos com nossas diferenças.

Números à parte, seria um castigo e um “tapa na cara” no futebol se o Boca levasse a taça para Buenos Aires. Seja pelas atitudes já mencionadas de racismo, mesmo que de forma não generalizada, seja pelo futebol sem criatividade, pragmático e com a total falta de brilho de outras épocas. O modelo de jogo utilizado pelos hermanos é daqueles cada vez mais focados apenas em resultados e que por aqui também muitas vezes vem matando o nosso jeito de jogar. Por aqui, aliás, deveríamos ter mais a cara da seleção brasileira de 1982 e do mestre Telê Santana, que teve passagem importante pelas Laranjeiras, do que o jeito pragmático do técnico xeneize Jorge Almirón.

Em uma partida cheia de personagens, tivemos, de um lado, Edinson Cavani, que não conseguiu arrematar um chute sequer ao gol, além da atuação discreta e apagada da promessa Valentin Barco. Já do outro lado, com nome de presidente americano, John Kennedy não só fez o gol do título, mas levou o Maracanã à loucura e não se conteve na comemoração, ao arriscar desafiar uma frase do xará famoso que dizia: “A vitória tem mil pais, mas a derrota é órfã”. Foi abraçar a torcida e acabou causando uma emoção adicional ao ser expulso após receber o segundo cartão amarelo que poderia tê-lo deixado órfão caso o Boca tivesse tido tempo de aproveitar um homem a mais em campo.

Mas as lágrimas foram de emoção e felicidade, como as de Felipe Melo no momento do Hino Nacional e as de Marcelo, um dos jogadores mais vitoriosos do futebol mundial e com inúmeros títulos internacionais com a camisa do Real Madrid, que também não conteve o choro, olhando já do banco seus companheiros fazerem história em campo e vencendo um título inédito com seu clube do coração.

Não bastasse toda a emoção da partida, ainda tivemos Fernando Diniz conquistando seu primeiro título internacional e lavando a alma dos milhares de tricolores que enterraram de vez o trauma de 2008. Um “tapa na cara” do futebol feio e que merece mais de todos nós. Torcedores, empresas que trabalham para o esporte, dirigentes, técnicos e jogadores: é preciso que a gente, de fato, deseje que o jogo seja jogado com mais qualidade e magia, somado ao necessário planejamento tático e ao improviso que é a assinatura do nosso futebol, que quebra as cinturas e até as mãos duras daqueles que não sabem perder.

Essa disputa foi, é e sempre será um belíssimo presente aos amantes da bola, independentemente das cores da camisa ou de quem esteve em campo. É para ser lembrada e festejada.

A Libertadores é conhecida por sua atmosfera intensa e apaixonada, e os jogos costumam ser muito disputados, com times demonstrando muita garra e determinação. Nessa final, apesar do time argentino tentar levar o jogo para os pênaltis, tivemos 28 chutes a gol, sendo 15 do Boca e 13 do Tricolor. Mas o que determinou os rumos do duelo, após o Fluminense ficar boa parte da prorrogação com um a menos, foi o último, decisivo e literal “tapa na cara” de Frank Fabra no zagueiro Nino, em meio a mais uma confusão entre os jogadores.

Por fim e não menos importante, o campeão da Copa Libertadores da América receberá um valor recorde pelo título da competição: nada menos do que US$ 18 milhões (aproximadamente R$ 91 milhões, na cotação atual). O valor, 22% acima do que foi pago ao campeão da edição de 2022, terá um acréscimo de US$ 300 mil (cerca de R$ 1,5 milhão) por vitória na fase de grupos.

E, para fechar, quero citar um trecho da análise de Davi Barros para o GE neste domingo (5), em que o jornalista faz uma afirmação com a qual concordo plenamente: “Vence o futebol. O título do Fluminense de Fernando Diniz junta a ciência do resultado com o futebol-arte. Ele também disse que não era a bola que entrava ou não que iria determinar o que ele pensa sobre o esporte. Mas todo tricolor sabia que se o time fizesse mais gols do que o adversário em 120 minutos determinaria o restante do ano deles. Ganhar do Boca foi importante. Vencer com Fernando Diniz, ainda mais”.

E esse é um “tapa na cara” de quem ainda duvida que o futebol é a coisa mais importante dentre as menos importantes que todos nós amamos, como dizia o jornalista tricolor Nelson Rodrigues.

Em um grupo de trabalho, fiz a seguinte afirmação: “Ao menos um Diniz será campeão da Libertadores esse ano”. Dito e feito, e com alegria dedico esse artigo aos milhares de tricolores espalhados pelo mundo, em especial Bruno Brum, o mais tricolor dos tricolores que conheço.

Reginaldo Diniz é cofundador e CEO do Grupo End to End e escreve mensalmente na Máquina do Esporte

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