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Os órfãos do Pan

Sem presença na TV brasileira em 2023, Jogos de Santiago perderam parcela importante do público

Pan de Santiago 2023 pode ser assistido apenas no Canal Olímpico do Brasil e na Cazé TV - Divulgação / COB

Por que os Jogos Pan-Americanos não estão na TV? No dia em que começou a edição de Santiago da competição, foi com essa pergunta que abrimos o vídeo semanal do Máquina Explica. Em cerca de 10 dias, mais de 41 mil pessoas visualizaram o conteúdo no nosso canal no YouTube, mostrando que o público, afinal, se interessa pelo Pan.

Ao longo desse tempo, aqui mesmo na Máquina do Esporte, noticiamos os relativamente expressivos números que tanto o Canal Olímpico do Brasil quanto a Cazé TV alcançaram com a exibição exclusiva das competições do Pan-Americano de Santiago.

Apesar disso, o Pan tem deixado uma parcela importante de pessoas órfãs. Pelo menos isso é o que indica uma análise da audiência que nós obtivemos no nosso Máquina Explica. O quadro, que tem sido um sucesso de público ao longo de mais de um ano, costuma atrair espectadores na faixa de 35 a 43 anos em sua maioria, seguido pelo público entre 25 e 34 anos de idade, segundo dados fornecidos pelo YouTube.

Pois bem. No vídeo sobre a ausência do Pan na TV, os números mostram uma mudança curiosa. A maior parcela de pessoas assistindo à explicação é aquela entre 55 e 64 anos de idade (22,1%). Na sequência, estão os espectadores de 45 a 54 anos (19,6%) e, logo depois, aqueles que são os mais recorrentes no nosso canal, que estão entre 35 e 44 anos (19,3%). Em quarto lugar, estão pessoas acima de 65 anos de idade (18,2%), seguidas, finalmente, pelo público entre 25 e 34 anos (15,6%).

Os números chamaram a atenção. Afinal, pela primeira vez nosso conteúdo chegou a um pessoal mais velho. A ligação dos pontos para essa explicação, porém, veio na última sexta-feira (27), quando recebi uma mensagem de um grande amigo “agradecendo” que meu vídeo tinha conseguido fazer seus pais, na faixa dos 70 anos de idade, entenderem o que havia se passado com o Pan.

Isso indica, claramente, que o streaming é uma ferramenta poderosa de comunicação e que ajuda a aumentar a audiência dos eventos esportivos. O problema é que a migração da exibição de um evento ao vivo apenas para essa plataforma deixa um público órfão.

O Pan de 2023 será marcado por ter sido um dos que teve a menor audiência no Brasil. Apesar da estratégia inteligente do Comitê Olímpico do Brasil (COB) de “resolver” o desinteresse da TV em comprar os direitos com a migração para o streaming, o alcance da plataforma ainda é pelo menos dez vezes menor que o da televisão tradicional.

Não é por acaso que a NFL começou a migrar, só agora, a transmissão de seus jogos para o streaming. Mas decidiu fazer isso sem abandonar a TV. As emissoras compraram os direitos tanto para o digital quanto para o cabo. Com isso, os diferentes tipos de público foram abraçados, ampliando ao máximo o alcance do futebol americano. Mais do que isso, foi só em 2023 que começou a existir uma partida por rodada sendo transmitida com exclusividade no streaming. O maior receio dos americanos é ter gente órfã de seu produto.

É esse o conceito que parece não entrar na cabeça do brasileiro. Não apenas no esporte. Por mais que muita gente já tenha mudado de hábito e “trocado” a TV pelo streaming, tem muito mais gente que não tomou essa atitude.

Não fosse isso, não teria durado apenas um ano a estratégia da Brahma de abandonar a TV nas transmissões esportivas, focando a comunicação apenas nos meios digitais.

O streaming, por mais que seja gratuito, ainda tem o alcance de nicho. Os números fornecidos pelas plataformas até dão a impressão de que a audiência é grande, mas ela não chega nem a 10% do que pode ser o alcance de uma transmissão na televisão.

Os órfãos do Pan mostram que a TV ainda precisa fazer parte da estratégia de massificação do esporte.

Erich Beting é fundador e CEO da Máquina do Esporte, além de consultor, professor e palestrante sobre marketing esportivo