De tempos em tempos viraliza algum uniforme esportivo extremamente poluído em virtude da grande quantidade de patrocinadores. O caso mais recente foi com o lançamento dos novos kits de uniforme do clube austríaco TSV Hartberg há algumas semanas. Com mais de 20 marcas visíveis só na parte da frente do uniforme, o caso do TSV está longe de ser raro e escancara duas realidades do esporte:
- A importância dos patrocinadores para o faturamento dos clubes;
- A falta de criatividade de grande parte das entidades esportivas e seus patrocinadores que se limitam a explorar sem muito critério os espaços do uniforme como se fosse a única coisa de valor para uma marca.
É óbvio que não faltam motivos para o uniforme ser o ativo mais valorizado de um clube esportivo. Os grandes momentos de visibilidade que as transmissões esportivas entregam, a amplificação dos grandes momentos em que o uniforme aparece em destaque por meio dos conteúdos que repercutem após as partidas e a circulação do uniforme com as marcas estampadas são razões suficientemente plausíveis para atraírem um grande número de patrocinadores. Mas vale tudo para ocupar esse espaço, mesmo quando ele parece um grande emaranhado de logotipos e palavras? O que mais o esporte tem de valor a oferecer para seus patrocinadores?
Existe (muita) vida além dos espaços no uniforme
Não preciso me aprofundar muito para enaltecer o poder das transmissões esportivas. Já tratei sobre o tema em colunas anteriores, especialmente sobre como elas passaram a ser protagonistas em uma verdadeira batalha entre os principais players de conteúdo do mundo. É claro que a relação do fã com o esporte tem o seu ápice durante o jogo, seja na transmissão ou in loco no estádio, mas este é só um dos momentos dentre os muitos outros que ocorrem antes e depois em uma construção contínua e que, na maioria dos casos, dura a vida toda.
Tampouco estou propondo simplesmente transferir de forma superficial a ativação das marcas para os canais digitais dos clubes de forma desconexa. Aqui existe, sim, um espaço subestimado a ser explorado por marcas e clubes. Afinal, boa parte dos clubes esportivos tem um potencial de atingir diariamente mais pessoas do que grande parte dos canais que realizam as transmissões esportivas. Mas o intuito não é só falar sobre alcance e visibilidade.
Afinal, o esporte tem um diferencial que nenhuma outra mídia tem: comunidade e emoção genuína. Além de audiência, o esporte oferece recorrência, vínculo cultural e potencial de ativação contínua. Mas quase ninguém trata o patrocínio como algo além da exposição de marca. Na prática, ainda estamos mais perto do outdoor do que do CRM (Gestão de Relacionamento com o Cliente, na sigla em inglês). Mas o que pode ser feito para trazer mais profundidade e envolvimento para a relação entre patrocinador e fã?
O esporte pode ser uma plataforma viva de relacionamento
Se bem ativado, o patrocínio esportivo pode gerar muito mais do que visibilidade. Pode capturar dados, gerar engajamento direto, criar jornadas personalizadas e ajudar a construir lealdade de marca. Mas, para isso, é preciso mudar a lógica do “quantas pessoas viram minha marca” para “quantas pessoas se relacionaram com ela e de que forma”.
O esporte tem o contexto ideal: o torcedor já está emocionalmente engajado, está predisposto a interagir e muitas vezes aceita até pagar para se aproximar (normalmente até se frustra por faltar meios e experiências que o tragam para perto, especialmente em formatos digitais). O que falta é um plano e as ferramentas corretas para transformar esse ativo em um relacionamento estruturado.
Imagine uma marca utilizando sua expertise para sanar uma dor da entidade esportiva, trazer o fã para o centro da conversa por meio de experiências memoráveis e ainda participar de momentos de alta visibilidade das transmissões, tudo isso em um único patrocínio? Pois é o que a AWS tem feito com a Fórmula 1 desde 2018.
AWS + Fórmula 1: uma relação ganha-ganha-ganha
A relação da Fórmula 1 com a plataforma de computação em nuvem e inteligência artificial (IA) da Amazon, a AWS, poderia ser apenas mais um patrocínio focado em visibilidade. Talvez o “powered by AWS” estampado nas estatísticas mostradas durante as corridas já trouxesse resultados positivos para a marca e ajudasse em seu posicionamento de plataforma líder em dados e tecnologia frente ao mercado.
Mas o oferecimento de insights e dados durante a transmissão é, nesse caso, só a ponta do iceberg. Em uma modalidade em que cada fração de segundo conta, a AWS passou a processar mais de 300 milhões de “data points” para ajudar a contar a história de cada corrida, oferecendo insights valiosos para os pilotos, escuderias e, claro, os próprios fãs que podem ter acesso a essas análises não só na transmissão, mas também em diversas plataformas de engajamento.

O próprio engajamento dos fãs e a construção de uma base de dados proprietária da Fórmula 1 têm sido gerenciados com a ajuda da AWS em parceria com a Salesforce nesse patrocínio quase “metalinguístico”. O patrocinador ajuda a entidade esportiva a integrar dados e conhecer mais sobre os fãs que ele tem o objetivo de ativar durante o patrocínio. Além disso, ainda ajuda a modalidade a cocriar produtos que atraiam mais tempo de atenção e engajamento desse fã, que retroalimentarão a base. Tudo isso gerando muita visibilidade, mídia espontânea e construindo cases com seus próprios produtos.
A mais recente das cocriações de produto para engajamento dos fãs entre F1 e AWS foi o Real-Time Race Track, uma plataforma de inteligência artificial em que o fã pode desenhar seu próprio circuito, interagir por meio de voz para desenhar a melhor estratégia de corrida e ainda recebe um pôster personalizado feito pela IA Generativa da Amazon. Ao final, o fã pode baixar esse pôster e compartilhar em suas redes sociais, e a arte, é claro, já traz um convite para novos fãs usarem a ferramenta.

No Brasil, seguimos presos no básico, e a culpa é compartilhada
A Fórmula 1 trouxe um exemplo inspirador de patrocínio inteligente, pautado em dados e pouco dependente da exibição em espaços físicos. No patrocínio da AWS, a ativação de uma jornada completa e construção de relacionamento com o fã se misturam com a exibição pública dos atributos da marca e o valor gerado pelos produtos do patrocinador.
Enquanto isso, no Brasil, ainda temos discussões quase que inteiramente pautadas no potencial de visibilidade e avaliamos patrocínio mais pela rentabilidade potencial da mídia entregue do que pela sua capacidade de construir relacionamento e fidelização com os fãs como possíveis clientes das marcas.
Poucos clubes têm CRM estruturados. Menos ainda dominam canais diretos com a torcida. E mesmo nos que já têm minimamente seus dados estruturados, ainda falta investimento de tempo e ferramentas em projetos e plataformas que ajudem a entender melhor a jornada do fã e ofereçam uma experiência mais envolvente e personalizada.
Por outro lado, as marcas também não pressionam, nem propõem novas formas de explorar o patrocínio. Parece que estão mais interessadas em gerar mídia espontânea no dia do anúncio do que em construir um canal de relacionamento significativo com o fã. Seguem investindo pesado no topo do funil, esperando que o “buzz” se transforme em resultado quase que por osmose.
Dá para fazer diferente
Já passou, e muito, da hora de os patrocínios no esporte passarem por uma grande transformação digital. Toda vez que uma marca busca ocupar o território esportivo e se relacionar com um clube, liga, federação ou modalidade, as perguntas abaixo deveriam ser respondidas com propriedade para avaliar o sucesso de um patrocínio:
- Quantos fãs entraram no funil da marca a partir do clube?
- Quais dados e descobertas sobre o fã foram captados por meio das ativações?
- Como o fã se sente em relação à marca e seu segmento?
- O quanto dessa percepção foi impactada pelas ativações realizadas no clube e de que forma?
- Qual foi a taxa de conversão das campanhas realizadas com o clube?
- Houve aumento do valor gerado pelos clientes que se engajaram via esporte em relação à média de clientes da marca?
Enquanto insistirmos em medir apenas o alcance e talvez um pouco de engajamento social, vamos continuar tratando patrocínio como uma peça publicitária bonita, mas rasa.
O esporte tem tudo o que as marcas buscam: atenção, emoção, comunidade e narrativa. Mas, para gerar valor real, precisa ser tratado como o que é: um canal de mídia massiva com potencial de CRM. O fã quer se relacionar e espera experiências mais imersivas. O clube tem os canais e o tempo de atenção, mas precisa monetizar sua relação com o fã. E a marca tem o orçamento de publicidade e precisa de clientes.
Falta só coragem, criatividade e um pouco mais de visão para todo mundo sair ganhando nessa relação.
Vitor Marini é profissional de marketing com mais de uma década de experiência liderando projetos de mídia digital e dados para grandes anunciantes do país, como Samsung e Ford, entre outros. Atualmente, é CEO da Retize, a primeira sports media network (rede de mídia esportiva, em tradução livre) do país, que ajuda os clubes esportivos a transformarem as interações digitais dos fãs em receita no mercado publicitário e também auxilia na conexão das marcas aos seus clientes por meio do esporte e dos games